Os dias em Queluzito seguiam seu ritmo habitual, uma tranquilidade forçada que apenas aumentava o turbilhão de pensamentos dentro de Renan. Ele havia passado os últimos dias evitando encontros com qualquer pessoa que pudesse forçá-lo a confrontar o passado — Júlia mais do que ninguém.
O encontro, embora breve, deixara uma marca. Ela estava mais determinada do que ele imaginava, e Renan sabia que aquela não seria a última vez que ela tentaria puxar o fio da memória. Ele, por outro lado, precisava manter o controle. Ele não era mais o Renan Silva, o garoto que sofrera humilhações; agora, ele era Lucas Ferreira, um homem de sucesso, calculista e firme.
Ainda assim, as paredes que ele construiu ao redor de seu coração começavam a mostrar rachaduras.
Caminhando pela pequena trilha que levava para fora da cidade, Renan buscava a solidão. Ali, longe das luzes e da presença de quem o conhecera antes, ele podia encontrar uma fuga temporária do confronto iminente. Mas o silêncio das árvores e o som distante de pássaros não eram o suficiente para afastar as memórias que começaram a ressurgir.
A imagem de Júlia, de quando eram adolescentes, surgia com mais frequência em sua mente. Ele se lembrou de como se sentira atraído por ela naquela época, de como tudo parecia mais simples e de como ela, com um sorriso casual, havia conquistado seu coração jovem e ingênuo.
A declaração de amor, no entanto, foi o ponto de virada. A memória daquele momento ainda o corroía, mesmo que ele preferisse ignorá-la. A maneira como ela o olhou com desprezo, o som das risadas abafadas de quem estava por perto... e o pior de tudo: como ela começou a espalhar boatos, zombando dele. Aquilo destruiu o pouco de dignidade que ele ainda tinha na época. Mas isso, ele não deixaria vir à tona agora. Não estava pronto.
Ao longe, um som interrompeu seus pensamentos. O ruído leve de passos na trilha de terra chamou sua atenção. Por instinto, ele apertou os punhos, voltando seu foco para a pessoa que se aproximava. Seus olhos se estreitaram quando reconheceu Júlia vindo em sua direção.
Ela parecia surpresa em vê-lo ali, mas ao mesmo tempo havia um ar de determinação em seu rosto. Como se ela estivesse preparada para mais uma tentativa de romper o muro de gelo que ele erguera entre eles.
— Você está aqui de novo... — comentou ela, aproximando-se lentamente, tentando esconder a incerteza na voz.
Renan a observou por um momento, sem responder de imediato. O vento leve fazia com que os cabelos de Júlia balançassem suavemente, e por um segundo, ele quase se deixou levar pela nostalgia. Mas rapidamente voltou a si, mantendo a expressão dura.
— Gosto de lugares tranquilos — respondeu ele, com um tom seco, mantendo a distância emocional que vinha cultivando.
Júlia parou alguns metros de distância, cruzando os braços, um gesto defensivo que parecia refletir a barreira invisível que ele havia imposto entre os dois.
— Por que está agindo assim? — Ela perguntou, a voz mais suave desta vez, mas ainda carregada de determinação. — A cada vez que tento falar com você, é como se estivesse... tentando me afastar.
Renan deu um passo para trás, como se aquelas palavras o pressionassem ainda mais. Ele sabia que a verdade estava começando a surgir, mas ele ainda não estava disposto a deixar suas defesas caírem.
— Talvez porque você devesse ficar longe — disse ele, o tom de voz duro e controlado.
Júlia ficou em silêncio por um momento, absorvendo as palavras. Ela sabia que havia algo mais por trás daquilo. A frieza com que ele a tratava não era apenas indiferença. Era algo mais profundo, algo que ela ainda não conseguia compreender. O mistério que cercava aquele homem a incomodava, mas também a intrigava. Ela não era de desistir facilmente.
— Eu não entendo... — disse ela, sua voz mais suave agora, quase um sussurro. — Se nos conhecemos no passado, por que não pode simplesmente me dizer? O que foi que aconteceu para você agir assim?
Renan sentiu a pressão crescer. Por dentro, seu coração batia mais rápido, a raiva e o ressentimento que ele carregava começando a borbulhar, mas ele se recusava a deixar qualquer uma dessas emoções transparecer.
— O que aconteceu no passado não tem relevância agora — respondeu ele, com firmeza. — Não precisamos reviver isso.
Os olhos de Júlia se estreitaram, como se ela estivesse tentando encontrar alguma verdade escondida naquelas palavras. Por mais que ele tentasse se manter distante, ela podia sentir que havia algo mais. Algo que ele não estava disposto a compartilhar.
— Talvez não para você... — ela murmurou, os lábios tensos. — Mas para mim, parece que você está escondendo algo.
Renan sentiu o sangue ferver em suas veias, mas manteve sua expressão impassível. Ele não deixaria que ela o abalasse. Não agora. Não depois de tudo que ele sofreu por causa dela.
— Talvez você devesse parar de tentar entender o que não pode — disse ele, com um tom afiado. — Às vezes, é melhor deixar o passado onde ele pertence.
O silêncio que se seguiu foi quase palpável. Júlia parecia prestes a dizer algo, mas, por fim, apenas balançou a cabeça. Havia uma frustração crescente dentro dela, mas também um reconhecimento de que, por ora, ela não teria as respostas que buscava.
— Tudo bem, então... — ela disse, virando-se lentamente para ir embora. — Mas, de alguma forma, sei que isso não acabou.
Renan observou enquanto ela se afastava pela trilha, o som dos passos dela se distanciando lentamente. Ele sabia que ela estava certa. A história deles, o que aconteceu no passado, ainda estava longe de ser resolvida.
E enquanto a sombra de Júlia desaparecia na trilha, Renan sentiu um peso cair sobre ele. Por mais que ele tentasse afastá-la, sabia que o passado encontraria uma maneira de voltar, mais cedo ou mais tarde.
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Atualizado até capítulo 29
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