Reencontro Invisível

A brisa leve que atravessava Queluzito parecia trazer consigo memórias antigas, aquelas que Renan evitava conscientemente, mas que pareciam inevitáveis no ritmo calmo da cidade. Ele vinha caminhando como de costume, apreciando a solidão que o cercava, uma fuga temporária do peso de seu passado. Mas, hoje, ele sentia que algo estava prestes a mudar.

Ele avistou uma figura feminina ao longe, caminhando pela estrada de terra que conectava a cidade à zona rural. Seus passos eram decididos, mas havia uma familiaridade naquela postura que fez o coração de Renan acelerar. Conforme se aproximava, ele soube imediatamente quem era. Clara, sua irmã mais nova, que ele não via há décadas. Mesmo à distância, ele a reconheceu de imediato, não apenas pelas memórias antigas, mas também porque ele vinha a acompanhando de longe, observando a vida de sua família pelas redes sociais, usando um perfil falso.

A distância que ele manteve durante todos esses anos era cuidadosamente planejada, mas agora, de forma inesperada, ela estava diante dele.

Clara se aproximou, sem demonstrar qualquer sinal de reconhecimento. Para ela, ele era apenas mais um estranho que cruzava seu caminho. Renan sentiu uma mistura de alívio e angústia. A oportunidade de observar a irmã tão de perto, sem ser reconhecido, o fez hesitar por um momento. Mas ele sabia que precisava manter o controle.

— Bom dia — disse Clara, sua voz carregada de uma calma natural, enquanto ela passava ao lado dele, com um leve sorriso de cortesia.

— Bom dia — respondeu Renan, tentando disfarçar qualquer emoção que pudesse transparecer.

Ela parou por um momento, como se estivesse avaliando algo. Seus olhos percorreram o rosto de Renan, talvez à procura de alguma familiaridade. Mas, para ela, ele era apenas um estranho. Mesmo assim, havia uma hesitação em seu olhar.

— Você não parece ser daqui — disse ela, cruzando os braços de maneira casual, enquanto olhava ao redor. — Está de passagem?

Renan respirou fundo, escolhendo suas palavras com cautela. Sabia que qualquer deslize poderia revelar mais do que ele queria.

— Algo assim — respondeu ele, com um tom neutro, tentando esconder qualquer indicativo de reconhecimento. — Estou tirando um tempo para relaxar.

Clara assentiu, aparentemente satisfeita com a resposta. Mas, ainda assim, ela o estudava, como se estivesse tentando encaixar as peças de um quebra-cabeça que não fazia sentido.

— Bom lugar para isso. Não muda muito por aqui — disse ela, sorrindo, mas o sorriso não alcançou seus olhos. Ela parecia distraída, presa em pensamentos que ele não poderia adivinhar.

Renan sabia que essa era sua chance de ir embora, de evitar mais uma conversa que poderia complicar as coisas. Mas, ao mesmo tempo, não conseguia se forçar a deixar a interação morrer ali. Havia algo em estar perto de Clara, ainda que de forma anônima, que o confortava, de certa forma.

— Imagino que sim — disse ele, mantendo o olhar dela por um momento mais longo. Depois, deu um pequeno aceno, antes de começar a se afastar.

Clara ficou parada por um segundo, observando enquanto ele se distanciava. Algo no comportamento dele parecia ter deixado uma pequena dúvida em sua mente, mas não o suficiente para que ela o confrontasse.

Renan, por outro lado, sentiu o alívio de não ter sido reconhecido. Mais cedo ou mais tarde, a verdade sobre quem ele era iria emergir, e, quando isso acontecesse, ele precisaria estar preparado para enfrentar o que havia deixado para trás.

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