A manhã em Queluzito continuava em seu ritmo calmo e constante. O vento balançava as árvores à beira da estrada de terra, enquanto os sons leves da cidade, distante, traziam uma tranquilidade que contrastava com os pensamentos de Renan. Depois de seu encontro com Clara, ele passou a evitar o centro da cidade. Não porque tivesse medo de ser reconhecido, mas porque cada esquina carregava pedaços de sua história que ele ainda não estava pronto para encarar.
Hoje, Renan caminhava em direção a um dos antigos bares da cidade, não o Bar do Zé, mas um outro mais afastado, onde poucas pessoas da cidade costumavam ir. Bar do Sérgio, um lugar esquecido, quase invisível para a maioria, mas que trazia a promessa de silêncio — exatamente o que Renan buscava naquele momento.
Ao entrar, o bar estava vazio, exceto por Sérgio, o proprietário, que estava atrás do balcão, mexendo em algumas garrafas. Renan entrou de forma discreta, sem chamar atenção, algo que ele havia aprendido a fazer ao longo dos anos. Sérgio, um homem de cabelos grisalhos e rosto endurecido pelo tempo, mal o olhou quando ele entrou. O silêncio entre os dois era confortável. Renan gostava dessa falta de formalidades.
— Café? — perguntou Sérgio, com sua voz rouca, como se já soubesse a resposta.
— Sim, por favor — respondeu Renan, sentando-se em uma das mesas no canto, de onde poderia observar a pequena janela e ver o movimento da rua, mesmo que quase inexistente.
Enquanto esperava pelo café, Renan puxou o celular, checando mensagens que chegavam da equipe de São Paulo. O mundo dos negócios não parava, mesmo quando ele decidia dar um tempo. Mas, por mais que estivesse cercado de tarefas e responsabilidades, sua mente continuava a voltar para as pessoas que havia deixado para trás.
O café chegou, quente e forte, assim como ele se lembrava dos tempos antigos. Sérgio o deixou sobre a mesa com um pequeno aceno de cabeça, voltando a cuidar de suas tarefas sem mais palavras. O bar continuava vazio, o que permitia a Renan mergulhar ainda mais em seus pensamentos.
E então, o som da porta se abrindo o tirou de sua imersão.
Renan olhou de relance e viu uma mulher entrar. Ela não parecia ser da cidade. Era uma pessoa que ele não conhecia, mas algo nela lhe chamou a atenção. Ela parecia estar procurando por algo ou alguém, com os olhos rapidamente varrendo o ambiente.
Ela se aproximou do balcão, e Sérgio a cumprimentou com o mesmo aceno de cabeça que dera a Renan.
— Oi, você sabe onde fica a estrada para o Vale? — perguntou a mulher, com um sotaque que não era local, talvez do sul.
Renan olhou para ela com mais atenção agora. O Vale era uma região afastada, quase escondida, um lugar que nem todos os moradores de Queluzito frequentavam. Ele não sabia o que alguém de fora estaria fazendo por ali, mas seu interesse foi despertado.
Sérgio, sempre lacônico, deu as indicações com poucos gestos, e ela agradeceu, mas antes de sair, seus olhos encontraram os de Renan, como se ela também estivesse curiosa por sua presença ali. Ele tentou desviar o olhar, mas sentiu que o momento já havia se prolongado o suficiente para que ela se aproximasse.
— Você é daqui? — perguntou a mulher, com um sorriso educado, mas sem grandes expectativas.
Renan balançou a cabeça levemente.
— Cresci aqui, mas estou só de passagem agora — respondeu ele, de forma cautelosa.
— Ah, entendi. Eu estou de passagem também, mas por motivos bem diferentes — disse ela, rindo de si mesma. — Estou pesquisando sobre a região para um projeto.
Renan sorriu de forma contida, como se isso fosse suficiente para encerrar a conversa, mas a mulher parecia estar disposta a prolongar o encontro casual.
— Eu sou Ana, aliás — disse ela, estendendo a mão de maneira casual. — E você?
Renan olhou para a mão dela por um breve segundo antes de aceitar o gesto.
— Lucas — respondeu, mantendo o nome falso que usava na cidade.
Ana sorriu e sentou-se na cadeira à frente dele, como se o simples gesto de apertar as mãos fosse um convite para uma conversa mais longa. Para Renan, isso era incomum. Nos últimos anos, ele havia aprendido a manter as pessoas à distância, mas algo em Ana parecia quebrar essa barreira sem muito esforço.
— Você disse que cresceu aqui. Deve conhecer bem a região — comentou ela, sem esperar por um convite para ficar. — Estou tentando aprender sobre o Vale. Parece ser uma área cheia de história, mas pouco documentada.
Renan assentiu, bebendo um gole de café enquanto ponderava o quanto deveria se envolver na conversa.
— Sim, o Vale é isolado — disse ele, lentamente. — Não muitos moradores daqui falam sobre ele. É quase como se fosse esquecido.
Ana ficou interessada de imediato, seus olhos brilharam com a ideia de algo que parecia misterioso.
— Eu sabia! — disse ela, animada. — Sabia que tinha algo mais. Estou aqui por isso. Há tantas histórias por trás de lugares pequenos como este.
Renan sorriu de leve, percebendo que ela estava genuinamente interessada na história da região, algo que ele mesmo tentava esquecer há tanto tempo.
— Há mais histórias em lugares assim do que você pode imaginar — disse ele, suas palavras saindo sem que ele as controlasse completamente. Ele estava começando a gostar daquela interação, mesmo que tentasse manter a fachada de indiferença.
Ana parecia confortável, continuando a conversar como se eles já se conhecessem há tempos.
— Eu gostaria de ouvir mais — disse ela, recostando-se na cadeira. — Mas aposto que você deve estar ocupado. Mesmo assim, adoraria entender melhor a história desse lugar.
Renan assentiu novamente, mas sabia que, mais cedo ou mais tarde, precisaria encarar as histórias não contadas daquele lugar — e de sua própria vida.
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Atualizado até capítulo 29
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