Ecos do Passado

Renan permaneceu na sombra da grande árvore próxima à praça, observando de longe o grupo de pessoas reunidas perto do coreto. O festival de Queluzito era uma celebração de tudo o que ele tentou evitar ao longo dos anos — comunidade, família e laços inquebráveis. Mas, naquele momento, ele se viu diante de uma visão que o puxava para um passado que ele tanto quis deixar para trás.

O burburinho da multidão ao redor era animado, com crianças correndo e famílias inteiras conversando. O cheiro de comida fresca misturava-se com o som da música que ecoava do coreto, onde uma banda local tocava melodias suaves. Para qualquer outra pessoa, seria um cenário de alegria e nostalgia. Para Renan, no entanto, era um lembrete de tudo o que ele havia deixado para trás — e de tudo o que ainda o esperava.

Seus olhos estavam fixos em um grupo específico. Clara, sua irmã mais nova, estava no centro, rindo de algo que Davi havia dito. Mesmo de longe, ele podia sentir a energia vibrante de Clara, sempre cheia de vida e entusiasmo. Ao lado dela, Helena, a mais velha, mantinha sua postura calma e protetora, como sempre fazia. Caio, o irmão do meio, estava ao lado, com uma expressão séria, embora houvesse um sorriso leve em seu rosto.

Renan observava em silêncio. A última vez que os vira foi marcada por um adeus amargo, uma saída abrupta após uma briga que o separou de sua família. E agora, ali estavam eles, juntos, como se os anos de distância não tivessem causado nenhuma cicatriz. Mas Renan sabia que as cicatrizes estavam lá, apenas bem escondidas sob a superfície.

O contraste entre a alegria deles e a solidão de Renan era gritante. Eles pareciam tão felizes, tão em paz uns com os outros. Era como se a vida tivesse seguido seu curso natural para eles, enquanto Renan se exilava em uma existência solitária e reclusa. Ele se perguntou, por um breve momento, se eles haviam sentido sua falta. Ou se, no final, sua ausência havia sido mais um alívio do que uma perda.

Davi soltou mais uma gargalhada alta, e Renan não pôde evitar o sentimento agridoce que aquilo trouxe. Ele sempre fora o mais descontraído dos irmãos, capaz de fazer qualquer um rir, mesmo nos piores momentos. Era impossível não sorrir ao ver sua animação contagiante, e Renan sentiu um pequeno puxão de saudade.

Ele deu um passo à frente, como se considerasse se aproximar. Mas a ideia de se revelar ainda o aterrorizava. Não era apenas a vergonha de ter desaparecido; era o medo de que eles não o aceitassem de volta. Que o olhassem com desdém, como um estranho que os havia abandonado. Renan havia feito um nome para si, longe dali, mas nesse pequeno círculo familiar, ele não sabia onde ou como se encaixar.

Enquanto contemplava seu próximo movimento, Matheus se afastou do grupo, caminhando na direção de uma barraca de bebidas. O coração de Renan acelerou. Caio era o irmão mais sério, o mais centrado e responsável. Ele sempre fora uma figura imponente para Renan, alguém em quem ele confiava, mas também alguém que nunca hesitava em repreendê-lo quando necessário.

Seus olhos se encontraram por um breve momento. Matheus o observou com uma leve curiosidade, talvez tentando se lembrar de onde conhecia aquele rosto. O tempo havia mudado Renan, transformado seu corpo, sua expressão, mas os olhos, aqueles olhos que carregavam anos de histórias, eram os mesmos.

Renan prendeu a respiração, sentindo uma onda de adrenalina percorrer seu corpo. Ele não sabia o que Matheus faria. O reconhecimento estava próximo, mas não completo. Caio franziu o cenho, como se estivesse tentando juntar as peças de um quebra-cabeça, mas antes que pudesse se aproximar ou dizer qualquer coisa, uma voz o chamou de volta ao grupo.

Renan observou enquanto Matheus hesitava por um momento, ainda com o olhar fixo nele, antes de se virar e retornar para os irmãos. O alívio inundou Renan, embora misturado com um leve amargor. Ele sabia que, mais cedo ou mais tarde, um encontro como esse seria inevitável. Mas, por enquanto, ele ainda tinha algum controle sobre quando e como isso aconteceria.

Ele deu alguns passos para trás, afastando-se lentamente da praça, tentando desaparecer na multidão sem atrair mais atenção. O coração ainda batia forte, e seus pensamentos estavam em turbilhão. Ele sabia que não poderia continuar assim para sempre — a distância, o anonimato, o medo constante de ser descoberto. Mas também sabia que ainda não estava pronto para enfrentá-los. Para responder as perguntas que viriam, para justificar as escolhas que fez.

Conforme se afastava, seus pensamentos voltaram para Ana, a mulher que havia se tornado uma presença constante em seus dias recentes. Diferente de sua família, ela não o conhecia de verdade, mas, de certa forma, isso era um alívio. Com ela, ele não precisava carregar o peso de seu passado, podia ser apenas Lucas, um homem que procurava um recomeço. Mas até quando ele poderia manter essa fachada?

A caminhada pela multidão o levou para longe da praça, até as áreas mais silenciosas do festival. As risadas e as conversas se tornaram mais distantes, e o som da música se desvanecia enquanto ele encontrava um lugar mais isolado. Sentou-se em um banco de madeira, de onde podia observar o festival sem estar imerso nele. Ali, ele se sentia seguro, longe dos olhares curiosos, longe dos reencontros dolorosos que sabia que viriam.

Mas, mesmo naquele refúgio temporário, a presença de sua família ainda pesava sobre ele. O festival, que deveria ser um momento de alegria e celebração, tornou-se uma lembrança constante de tudo o que ele havia perdido. E enquanto o sol começava a se pôr no horizonte, Renan sabia que a decisão que ele vinha adiando por tanto tempo — a de encarar sua família, seu passado — estava se aproximando.

 

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