O Retorno do Lobo Silencioso

O Retorno do Lobo Silencioso

O Retorno do Lobo

Renan observava o horizonte de seu escritório no centro de São Paulo. As luzes e o caos da cidade refletiam a intensidade de sua vida, sempre acelerada, sempre cheia de decisões. Porém, naquela manhã, tudo parecia distante. A vida que ele construiu nos últimos vinte anos já não o preenchia mais. Seu nome, Renan, era bem conhecido dentro dos círculos corporativos, mas protegido por sobrenomes diferentes e uma rede de confidencialidade que ele cuidadosamente mantinha ao longo dos anos.

Ele havia escolhido esse caminho. Era um homem público no mundo dos negócios, mas um completo desconhecido para a mídia e o grande público. Apenas aqueles que realmente importavam conheciam seu nome completo. Renan Silva Ferreira, o visionário criador de uma gigante dos jogos eletrônicos. Na empresa, ele era um nome de respeito, mas nunca havia mostrado seu rosto em entrevistas ou eventos. Ninguém conhecia sua verdadeira história.

E agora, ele estava prestes a fazer algo que adiara por duas décadas: voltar à sua cidade natal, Queluzito, Minas Gerais. Não como Renan Silva Ferreira, mas como Lucas Ferreira, um nome falso que ele usaria apenas ali, onde sua verdadeira origem estava enterrada.

Seu celular vibrou com uma mensagem de André, seu assistente:

"O carro já está pronto, senhor. A rota para Queluzito está confirmada, e a pousada foi reservada."

Renan olhou a mensagem por um momento, refletindo. Era estranho pensar que voltaria ao lugar onde tudo começou. Na pequena cidade, ninguém sabia sobre seu sucesso, ninguém sabia o que ele havia se tornado. Para eles, ele ainda seria o garoto pobre que um dia foi embora. E ele pretendia manter isso assim.

Sem responder à mensagem, pegou sua mala, desceu até a garagem do prédio e entrou no carro que o esperava. A estrada até Queluzito seria longa, e isso lhe dava tempo para pensar. O silêncio da viagem pelas montanhas de Minas Gerais oferecia a tranquilidade que ele desejava há tanto tempo.

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Após horas de estrada, Renan finalmente avistou a pequena placa indicando a entrada de Queluzito. "Bem-vindo", dizia a placa modesta. Ele desacelerou o carro, sentindo uma leve tensão no peito. A cidade estava praticamente igual ao que ele lembrava: ruas de paralelepípedos, casas pequenas e coloridas, com as pessoas seguindo suas rotinas sem pressa. O tempo parecia ter parado ali.

Ele dirigiu até a pousada onde havia feito uma reserva. Era um lugar simples, com uma fachada em tom amarelo desbotado, mas aconchegante. Desceu do carro, esticando as pernas após a longa viagem, e fez o check-in com a recepcionista, uma mulher simpática que claramente não o reconhecia. Lucas Ferreira, ele se apresentou. Nenhum vestígio de sua verdadeira identidade por ali.

Subiu até o quarto, deixou suas malas, e logo desceu para caminhar um pouco. Renan ainda não estava pronto para procurar sua família. Precisava primeiro absorver o ambiente, reconectar-se com o lugar que havia deixado para trás.

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Pegou o carro novamente e decidiu explorar as áreas rurais próximas, onde cresceu. As estradas de terra lhe traziam lembranças vívidas da infância, dos dias em que caminhava longas distâncias de volta para casa, da pequena propriedade da família, da vida simples que levou ali.

Enquanto dirigia, avistou um homem à beira da estrada, descansando sob uma árvore. Um trabalhador rural, pensou, até que seus olhos se estreitaram ao reconhecer a figura. Era seu pai. O homem estava mais velho, curvado pelo tempo, os cabelos agora totalmente brancos. Mesmo com a distância dos anos, Renan sabia exatamente quem era.

Ele freou o carro instintivamente. Não havia planejado encontrá-lo tão cedo, mas ali estava ele. O destino parecia querer apressar o reencontro.

Renan desceu do carro, tentando manter a calma. Ele não podia ser reconhecido, pelo menos não ainda.

— O senhor precisa de ajuda? — perguntou, disfarçando sua voz e mantendo o tom neutro.

O velho homem ergueu os olhos, surpreso ao ver um estranho parar para oferecer ajuda. Ele sorriu, um sorriso cansado, mas gentil.

— Ah, não... só estava descansando um pouco. Esses dias quentes acabam com a gente — respondeu, limpando o suor da testa com a manga da camisa.

Renan assentiu. A voz era familiar, e o gesto também. Era estranho estar ali, falando com o homem que não via há duas décadas, sem que ele soubesse quem estava diante dele.

— Tá indo pra onde? — perguntou o velho, com curiosidade no olhar.

— Só estou dando uma volta. Não sou daqui, mas morei na região quando era mais jovem. Queria rever alguns lugares.

O pai de Renan olhou para ele por um momento, como se estivesse tentando reconhecer alguma coisa no rosto à sua frente. Mas ele não podia adivinhar. Não depois de tanto tempo.

— Se tiver tempo, porque não para pra um café lá em casa? Fica logo ali. O calor é de matar, e um café ajuda a botar as ideias no lugar.

Renan hesitou. Não estava nos planos reencontrá-lo tão cedo, e muito menos aceitar um convite para entrar na casa onde crescera. Mas a simplicidade daquele gesto o tocou. Ele sabia que em algum momento precisaria encarar seu passado.

— Acho que vou aceitar — respondeu, com um sorriso contido.

Eles seguiram pela estrada até a casa simples que Renan lembrava tão bem. O mesmo telhado envelhecido, as paredes brancas agora manchadas pelo tempo. Seu pai o convidou para entrar, e o cheiro familiar de café fresco encheu o ar, junto com o som da chaleira apitando. O aroma de pão de queijo recém-assado trouxe uma onda de nostalgia.

Sentado à mesa da cozinha, Renan observava tudo com cuidado. Aquela casa era um reflexo do que ele havia sido. A pobreza, o esforço, a simplicidade. Ele havia deixado tudo para trás, mas ali estava novamente, como se o passado estivesse esperando para ser desenterrado.

Seu pai colocou uma caneca de café diante dele.

— É engraçado. Às vezes a vida traz as pessoas de volta aos lugares que elas tentaram deixar para trás — disse o velho, enquanto tomava seu café.

Renan sorriu de canto, sem saber se ele dizia aquilo por intuição ou acaso.

— É verdade... Às vezes o que a gente deixa pra trás acaba nos encontrando de novo — respondeu Renan, sem revelar a verdade que carregava dentro de si.

Enquanto tomava o café, Renan sabia que aquele era só o começo. Ainda havia muito a enfrentar. Ele estava ali para rever seu passado, mas o momento de se revelar, de mostrar quem ele havia se tornado, ainda estava longe.

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Comments

Cristina Rosa

Cristina Rosa

tô amando

2024-09-28

1

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