Entre Silêncios e Sombras

Renan saiu do Bar do Zé com uma sensação de alívio e desconforto ao mesmo tempo. O ar fresco da rua bateu em seu rosto enquanto ele caminhava em direção ao carro, seus pensamentos embaralhados. Encontrar Júlia daquele jeito, tão casualmente, o havia abalado mais do que ele gostaria de admitir.

Ela estava ali, tão próxima, mas distante ao mesmo tempo. Não o havia reconhecido — ainda bem —, mas o simples fato de ela estar naquela cidade, de volta à rotina da vida simples de Queluzito, trouxe à tona um turbilhão de emoções que Renan tentava manter enterrado.

Dentro de si, ele sabia que não poderia fugir do passado para sempre. Cada esquina, cada rosto conhecido que ele cruzava ao caminhar pelas ruas silenciosas da cidade, o lembrava do que ele foi, do que ele havia deixado para trás. Ele havia construído uma vida longe dali, longe das mágoas e humilhações, mas a presença de Júlia, sem nem mesmo trocar uma palavra com ele, parecia reacender uma chama que ele acreditava estar apagada há muito tempo.

Renan caminhou em direção à praça, onde o coreto envelhecido ainda se mantinha firme no centro, cercado pelas árvores. O som das folhas balançando suavemente com o vento era quase reconfortante, mas não o suficiente para dissipar o peso que ele sentia no peito. Ele se sentou em um dos bancos de madeira, as mãos entrelaçadas, enquanto observava os poucos moradores que passavam, despreocupados com a profundidade dos dramas pessoais que se desenrolavam ao seu redor.

Enquanto permanecia ali, pensativo, sua mente o transportava de volta à época de escola, aos dias em que via Júlia como algo inalcançável. Ela era o centro das atenções, a garota por quem todos suspiravam, e ele, o rapaz pobre e desajeitado, que não tinha chance alguma de ser notado — exceto, claro, pelos comentários cruéis e risadas abafadas que recebia quando tentava se aproximar.

"Quem você pensa que é, Renan?", ele se lembrava das palavras dela como se fossem ditas naquele momento. Não era a rejeição que doía tanto, mas o olhar de desprezo, o olhar que o fez sentir-se menor, insignificante.

Mas ele havia superado aquilo. Ou pelo menos, era o que dizia para si mesmo. E agora, ali estava ela, de volta, enquanto ele se escondia sob uma nova identidade, incapaz de decidir o que fazer.

Renan suspirou, afundando-se um pouco mais no banco. Ele se perguntava o que ela teria vivido nesses anos, como teria sido sua vida. Júlia, a garota que sonhava em ser jogadora de futebol, mas que agora trabalhava como programadora, havia, de certa forma, encontrado seu próprio caminho, assim como ele.

Por um momento, ele considerou a possibilidade de que o destino tivesse trazido os dois de volta ao mesmo lugar por uma razão. "Pura coincidência", ele tentou convencer a si mesmo, mas havia algo nos encontros que o deixava inquieto. Ele não era mais o jovem Renan Silva, o rapaz que deixou Queluzito com pouco mais do que uma mala e uma ambição desenfreada. Ele era Lucas Ferreira, o homem que construiu um império no anonimato, que controlava o próprio destino.

Mas de que adiantava tanto controle, se agora, sentado naquele banco, ele sentia-se tão vulnerável? A proximidade de Júlia trazia à tona emoções que ele havia aprendido a enterrar profundamente: mágoa, ressentimento, mas também uma curiosidade silenciosa.

Seria possível que o tempo tivesse curado aquelas feridas?

Enquanto Renan permanecia mergulhado em seus pensamentos, o som de passos suaves sobre o calçamento da praça chamou sua atenção. Ele levantou os olhos, e, como se o destino tivesse decidido forçar outro encontro, lá estava Júlia, caminhando distraidamente, olhando para o celular. Ela não o viu de imediato. Estava tão imersa em sua própria rotina que passou por ele como uma sombra, sem perceber que a história que eles haviam deixado para trás estava prestes a reaparecer.

Renan observou-a de longe, o coração acelerado. Parte dele queria levantar-se, chamá-la, confrontá-la. Mas outra parte, a mais prudente, sabia que aquele não era o momento. Ele ainda precisava entender o que realmente queria. Revelar-se agora poderia ser um erro. Lucas Ferreira, o homem que ele havia se tornado, ainda não estava pronto para o confronto com o Renan do passado.

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