Os passos de Júlia ecoavam no calçamento da praça, e, por um momento, Renan pensou que ela seguiria sem percebê-lo, como uma sombra passageira de seu passado. Mas o destino parecia determinado a colocá-los frente a frente de uma maneira impossível de evitar. Quando Júlia finalmente olhou para ele, algo em seu rosto mudou — era como se uma memória, vaga e imprecisa, começasse a ganhar forma.
Ela parou a alguns metros de onde Renan estava sentado. Seus olhos hesitaram por um instante, mas a curiosidade a venceu.
— Desculpe… — começou ela, com um leve sorriso, sem saber se era a abordagem certa. — Por acaso nos conhecemos?
Renan a observou por um segundo antes de responder. Ela ainda não o reconhecia, e isso lhe dava uma vantagem psicológica. Por um instante, ele pensou em simplesmente sair, evitar a interação e manter sua fachada intacta, mas a oportunidade de confrontá-la, mesmo que de forma indireta, era tentadora demais para ignorar.
— Acho que não — respondeu ele, com uma calma calculada, os olhos inexpressivos. — Mas às vezes as pessoas confundem rostos.
Júlia franziu a testa, surpresa com a frieza na resposta. Algo naquela troca a desconcertou, mas ela não sabia exatamente o porquê.
— Desculpe, é que você parece… familiar — insistiu, tentando ser mais amigável. — Talvez tenha te visto por aqui antes.
Renan se levantou lentamente, cada movimento cuidadosamente controlado para demonstrar a sua superioridade emocional. Ele sabia que estava no controle, e a antiga insegurança que um dia sentira em relação a ela estava enterrada. Agora, ele era o homem de poder, de sucesso, e não tinha mais que se submeter à vulnerabilidade.
— Acontece — disse ele, com um desdém quase imperceptível. — Mas não vejo razão para prolongar essa confusão. Eu sou apenas alguém de passagem.
Júlia piscou, claramente não esperando aquela resposta direta e seca. Havia algo no jeito dele que a deixava desconcertada, como se ela estivesse sendo analisada e julgada sem que soubesse o motivo. Ainda assim, a sensação de que ela deveria saber quem ele era não desaparecia.
— Bom… — começou ela, agora incerta sobre como continuar. — De qualquer forma, foi bom falar com você, mesmo que por engano.
Renan observou-a por um instante a mais, sem se mexer. A satisfação que sentia por vê-la desconfortável era sutil, mas presente. Ela não sabia quem ele era, mas ele podia sentir que aquela troca de palavras a havia deixado intrigada. Ele havia virado o jogo.
Quando Júlia se virou para ir embora, Renan falou, com a voz suave, mas afiada.
— As memórias têm formas estranhas de voltar, às vezes. Talvez um dia você lembre.
Júlia parou, surpresa pela afirmação. Ela olhou por cima do ombro, incerta sobre o significado daquelas palavras, mas decidiu não responder. Algo naquele homem a perturbava profundamente, e quanto mais ela tentava desvendar o enigma que ele parecia ser, mais distante ele ficava.
Renan, por sua vez, manteve-se firme. Ele observou enquanto ela se afastava, os ombros tensos, provavelmente frustrada por não conseguir conectar as peças. Internamente, ele sabia que, mais cedo ou mais tarde, ela descobriria quem ele era. Mas, por enquanto, ele tinha o controle. O reencontro, por mais intenso que fosse, havia terminado do jeito que ele queria: deixando-a intrigada e insatisfeita.
No fundo, Renan sabia que aquele confronto não seria o último. Ainda havia muito não dito entre os dois, um acerto de contas que estava sendo adiado há vinte anos. Mas, por enquanto, ele estava contente em manter-se na sombra, um passo à frente.
Com um último olhar para a praça silenciosa, Renan se virou e foi embora, seus passos ecoando no vazio, assim como as palavras não ditas entre ele e Júlia.
***Faça o download do NovelToon para desfrutar de uma experiência de leitura melhor!***
Atualizado até capítulo 29
Comments