Intrigas e Reflexos

O sol começava a se pôr no horizonte, lançando uma luz dourada sobre as ruas de Queluzito. A brisa suave carregava o cheiro das árvores e do campo, tornando o ambiente quase bucólico. Mas para Júlia, aquela tarde trazia uma sensação incômoda, como se algo estivesse fora do lugar. Ela caminhava pela estrada que levava de volta ao centro da cidade, os pensamentos presos ao breve, porém enigmático encontro com o homem desconhecido na praça.

Quem ele era? Essa era a pergunta que se repetia em sua mente. O olhar dele, o tom de sua voz, algo nela a fazia sentir que havia muito mais por trás daquelas palavras frias e calculadas. Ele parecia conhecê-la de uma forma que ela não conseguia entender. E, de alguma forma, isso a incomodava profundamente.

Júlia era uma mulher prática, racional. Ela lidava com problemas diariamente no trabalho, buscando soluções lógicas e diretas. Mas aquele encontro havia despertado nela algo que não podia ser resolvido com lógica. O estranho que ela encontrara na praça parecia um reflexo de algo que ela havia esquecido, ou talvez, tentado esquecer. A maneira como ele a tratou, com desdém, como se ela não tivesse importância alguma, a deixou inquieta.

Enquanto caminhava pelas ruas familiares de sua cidade natal, Júlia não pôde deixar de se sentir deslocada. Depois de tantos anos fora, voltando à cidade com seus sonhos de juventude quebrados, ela tentava reconstruir sua vida. Ser uma programadora em uma empresa grande e complexa havia lhe trazido segurança financeira, mas o vazio dos sonhos perdidos ainda a assombrava. E agora, aquele encontro — por mais breve que tivesse sido — parecia ter desestabilizado ainda mais o que ela vinha tentando organizar em sua vida.

Ela parou por um momento na frente de uma padaria, observando as pessoas passarem. Um grupo de jovens riam enquanto se sentavam em um banco próximo, e os sons da cidadezinha se misturavam com o farfalhar das folhas das árvores. Uma cena de calmaria e tranquilidade, mas o interior de Júlia estava longe de acompanhar aquela paz.

Seus pensamentos voltaram ao rosto do homem. Ele parecia ter algo familiar, mas o quê? E por que, desde o momento em que trocaram aquelas palavras curtas e ríspidas, ela não conseguia parar de pensar nele?

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Renan, por outro lado, dirigia em silêncio pelas estradas que cercavam a cidade. O volante firme em suas mãos parecia ser a única coisa sólida no meio de suas emoções tumultuadas. O reencontro com Júlia havia mexido com ele de maneiras que ele não esperava. Mesmo com toda a frieza que projetou, ele sabia que algo dentro de si havia se agitado.

A sensação de controle que ele mantinha tão cuidadosamente cultivada ao longo dos anos parecia estar se desfazendo. Ele queria acreditar que sua postura distante e seu tom de desdém o protegeriam das velhas feridas, mas a verdade era que Júlia, com sua simples presença, havia conseguido reabrir algo dentro dele. Aquela humilhação antiga, a dor de ser rejeitado, de ser visto como inferior. Ele nunca a esquecera. Nunca perdoara.

Mas agora, ele era Renan, um homem de sucesso, um homem que não precisava mais das validações do passado. E ainda assim, o simples fato de estar na mesma cidade, nos mesmos cenários que o moldaram, trazia à tona todas as lembranças que ele tentava sufocar.

Renan apertou o volante com mais força. Ele sabia que, por mais que tentasse controlar a narrativa, não conseguiria evitar o confronto final. O passado sempre encontrava uma maneira de voltar, e por mais que ele acreditasse estar no controle, havia uma parte de si que ansiava por acerto de contas — mesmo que isso significasse se expor novamente a feridas que ele lutou tanto para esconder.

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Naquela mesma noite, enquanto a cidade de Queluzito se aquietava, Júlia finalmente chegou em casa. Seu apartamento, pequeno e simples, era seu refúgio após os dias longos e cansativos. No entanto, naquela noite, o silêncio do lugar parecia opressor. Ela colocou sua bolsa no sofá e se dirigiu à cozinha, preparando um café para tentar organizar seus pensamentos.

Enquanto esperava a água ferver, ela olhou pela janela, observando as luzes fracas da cidade. E então, como um relâmpago, um fragmento de memória veio à tona. Algo sobre aquele homem, aquele olhar distante e cortante, começava a fazer sentido. Mas seria possível? Seria possível que ele fosse alguém do seu passado?

Júlia balançou a cabeça, tentando afastar aquela ideia. Era improvável. Mas a sensação persistia, como um ruído de fundo que ela não conseguia ignorar. Renan, o garoto que ela conhecera anos atrás, havia sumido de sua vida de forma tão abrupta que, com o tempo, ela se acostumara com sua ausência. Agora, no entanto, ela não conseguia parar de pensar que talvez — apenas talvez — aquele homem pudesse ser ele.

Mas por que ele agiria daquela maneira? Por que a trataria com tanta frieza, como se ela fosse irrelevante?

Com a caneca de café quente nas mãos, Júlia se sentou no sofá, perdida em pensamentos. O passado, que ela havia se esforçado tanto para deixar para trás, parecia estar voltando com força total. E, de alguma forma, ela sabia que precisaria enfrentar tudo isso.

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