O silêncio na Ala Norte nunca durava muito. Uma calma enganosa pairava sobre nós entre as brigas e os gritos que preenchiam o ar em intervalos curtos. Era o tipo de silêncio que anunciava desastres. E naquela manhã, uma tempestade caiu sobre nós, mais cruel do que eu poderia imaginar. Janaína, minha antiga colega de cela, foi a vítima.
Eu sabia que Janaína estava envolvida em dívidas de drogas desde que chegamos na Ala Norte, mas ela sempre tinha conseguido se equilibrar nas margens do caos. Janaína era do tipo que sobrevivia pelos cantos, tentando pagar suas dívidas com pequenos favores ou alianças momentâneas. Só que, em Santa Helena, a sorte nunca dura muito.
— Tô com problema, princesa. — Janaína sussurrou para mim um dia, antes de o pior acontecer. Ela nunca gostou de me chamar de Suraya.
— Qual é o problema? — perguntei, sabendo que, seja lá o que fosse, não poderia ajudar.
— Dívida com a Marlene, da Ala Sul. As coisas tão feias.
Marlene era uma das traficantes menores dentro da prisão. Ela cobrava rápido, e quando não recebia, o pagamento era feito em sangue. Eu sabia que Janaína não tinha como resolver aquilo — ela já estava presa demais no ciclo de dívidas e dependência.
— Você precisa dar um jeito de quitar isso. — avisei, tentando esconder minha preocupação. — Ou então, você sabe o que vai acontecer.
Janaína soltou um riso curto, sem humor.
— Aqui, ninguém quita nada. Uma dívida é só o começo do fim.
Dois dias depois, Janaína estava morta. Foi rápido e brutal. No pátio, durante o banho de sol, Marlene e suas comparsas cercaram Janaína. As outras detentas se afastaram como ratos, já sabendo o que viria. Eu estava lá, e assisti a tudo.
— Vai pagar quando, vaca? — Marlene perguntou, dando um soco no estômago de Janaína.
Janaína caiu de joelhos, tossindo, sem ar para responder.
— O que eu tenho não basta? Dá mais um tempo... eu consigo...
Mas Marlene não deu tempo algum. Antes que qualquer guarda pudesse intervir, ela puxou um pedaço de vidro escondido no bolso e o enterrou no pescoço de Janaína.
O sangue jorrou no pátio, tingindo o chão de vermelho. Janaína engasgou, o olhar cheio de pânico enquanto tentava tampar o corte com as mãos. Mas foi inútil. A morte chegou rápido.
Eu fiquei parada, incapaz de reagir, como se meu corpo se recusasse a aceitar o que meus olhos viam. Mesmo com alianças, mesmo com um nome conhecido na prisão, Janaína havia sido descartada como se fosse nada.
E era isso que nós éramos ali dentro. Nada.
Assistir à morte de Janaína mudou algo dentro de mim. Até aquele momento, eu ainda acreditava que alianças poderiam ser suficientes para sobreviver. Mas a realidade estava ali, banhada em sangue: ninguém é intocável em Santa Helena. Nem as que têm amigos, nem as que se escondem em alianças frágeis.
A única pessoa em quem eu poderia confiar era eu mesma.
Naquela noite, deitada no colchão, senti Laila se mover de novo dentro de mim. Era como se ela estivesse me lembrando de que agora eu tinha mais do que apenas minha própria vida para proteger.
Eu não podia ser fraca. Nunca mais.
Com os olhos fixos no teto da cela, fiz uma promessa silenciosa: Nunca mais depender de ninguém. Nunca mais confiar cegamente em alianças.
Eu seria minha própria proteção, para mim e para minha filha.
A morte de Janaína espalhou uma tensão silenciosa pela prisão, mas algo ainda mais cruel me aguardava. Todos na prisão agora sabiam sobre minha gravidez.
O segredo, que antes eu tentava desesperadamente esconder, se espalhou por entre as alas como fumaça. E com isso, vieram os conselhos e os avisos.
Uma noite, enquanto as luzes apagavam, duas detentas de uma cela vizinha me chamaram. Mulheres mais velhas, endurecidas pelos anos dentro de Santa Helena.
— Escuta aqui, Suraya. Vou te dar um conselho. — sussurrou uma delas, uma mulher de olhos fundos chamada Lourdes. — Não se apega a essa criança. Vai ser pior pra você.
— É. O sistema vai arrancar ela de você antes mesmo de você poder segurar nos braços. — murmurou a outra. Elas falavam com a voz de quem já tinha vivido isso antes.
Meu peito apertou. Eu sabia que elas estavam certas. Sabia que era mais seguro não me apegar. Mas, ao mesmo tempo, sentir Laila se mexer dentro de mim era a única coisa que me dava força.
— E o que vocês querem que eu faça? — perguntei, com raiva na voz. — Finja que ela não existe?
Lourdes deu um sorriso triste.
— Finge, reza, ou endurece de vez. A escolha é sua.
Depois daquela conversa, passei a me questionar todos os dias: Deveria realmente me apegar a essa criança? Tudo em mim dizia que aquela prisão não era lugar para esperança, muito menos para amor.
Se Laila nascesse ali, seria arrancada de mim, como tudo o mais já havia sido. As palavras de Lourdes ecoavam em minha mente: “Endurece de vez.”
Mas havia uma parte de mim, uma parte pequena e teimosa, que se recusava a desistir. A cada chute que eu sentia, a cada movimento fraco, eu me lembrava de que Laila era a única coisa verdadeira e boa que restava em mim.
No dia seguinte à morte de Janaína, o pátio estava mais silencioso. Marlene andava por ali como uma rainha, segura de que ninguém teria coragem de desafiá-la tão cedo.
As dívidas de drogas continuavam, e todos sabiam que ninguém saía impune. Valquíria e as outras guardas observavam tudo, mas nada faziam. Era mais fácil para elas deixar as detentas se matarem. Menos trabalho.
Serpente me chamou ao canto do pátio, seu olhar mais sério do que de costume. Ela sabia que a morte de Janaína havia mexido comigo.
— Tá vendo, princesa? É assim que a coisa funciona aqui dentro. Ou você domina o jogo, ou ele te engole. — disse, enquanto acendia um cigarro.
Eu assenti, sem dizer nada. Não precisava de mais lições. Eu tinha aprendido do jeito mais difícil.
De volta à cela, Marília me encontrou sentada no colchão, em silêncio. Ela sabia o que havia acontecido com Janaína, e por isso não tentou me consolar. Apenas sentou ao meu lado, oferecendo sua presença em silêncio.
— Eu não vou morrer aqui, Marília. — murmurei, mais para mim mesma do que para ela. — E nem minha filha.
Ela olhou para mim, surpresa com a firmeza na minha voz, e apenas assentiu.
Naquele momento, algo dentro de mim se solidificou. Eu não tinha controle sobre o mundo lá fora, nem sobre a justiça que me prendeu. Mas dentro dessas paredes, eu controlaria o que pudesse.
Eu não seria mais fraca. Não dependeria de mais ninguém. Nunca mais seria vulnerável.
E se Laila viesse ao mundo naquele inferno, ela nasceria sabendo que sua mãe lutaria por ela até o fim.
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Atualizado até capítulo 65
Comments
Rosângela Costa
Essa prisão está chata!
2024-12-04
1
Gracinda Tato
autora o livro está a ficar chato quando é que ela vai conseguir sair e provar a inocência e se vingar de quem lhe fez isto
2025-02-16
1
Irá
Tá nada, vc ainda não leu nada do submundo no é? Essa prisão é só um aperitivo se. álcool
2024-12-27
1