Capítulo 14: O Preço das Dívidas

O silêncio na Ala Norte nunca durava muito. Uma calma enganosa pairava sobre nós entre as brigas e os gritos que preenchiam o ar em intervalos curtos. Era o tipo de silêncio que anunciava desastres. E naquela manhã, uma tempestade caiu sobre nós, mais cruel do que eu poderia imaginar. Janaína, minha antiga colega de cela, foi a vítima.

Eu sabia que Janaína estava envolvida em dívidas de drogas desde que chegamos na Ala Norte, mas ela sempre tinha conseguido se equilibrar nas margens do caos. Janaína era do tipo que sobrevivia pelos cantos, tentando pagar suas dívidas com pequenos favores ou alianças momentâneas. Só que, em Santa Helena, a sorte nunca dura muito.

— Tô com problema, princesa. — Janaína sussurrou para mim um dia, antes de o pior acontecer. Ela nunca gostou de me chamar de Suraya.

— Qual é o problema? — perguntei, sabendo que, seja lá o que fosse, não poderia ajudar.

— Dívida com a Marlene, da Ala Sul. As coisas tão feias.

Marlene era uma das traficantes menores dentro da prisão. Ela cobrava rápido, e quando não recebia, o pagamento era feito em sangue. Eu sabia que Janaína não tinha como resolver aquilo — ela já estava presa demais no ciclo de dívidas e dependência.

— Você precisa dar um jeito de quitar isso. — avisei, tentando esconder minha preocupação. — Ou então, você sabe o que vai acontecer.

Janaína soltou um riso curto, sem humor.

— Aqui, ninguém quita nada. Uma dívida é só o começo do fim.

Dois dias depois, Janaína estava morta. Foi rápido e brutal. No pátio, durante o banho de sol, Marlene e suas comparsas cercaram Janaína. As outras detentas se afastaram como ratos, já sabendo o que viria. Eu estava lá, e assisti a tudo.

— Vai pagar quando, vaca? — Marlene perguntou, dando um soco no estômago de Janaína.

Janaína caiu de joelhos, tossindo, sem ar para responder.

— O que eu tenho não basta? Dá mais um tempo... eu consigo...

Mas Marlene não deu tempo algum. Antes que qualquer guarda pudesse intervir, ela puxou um pedaço de vidro escondido no bolso e o enterrou no pescoço de Janaína.

O sangue jorrou no pátio, tingindo o chão de vermelho. Janaína engasgou, o olhar cheio de pânico enquanto tentava tampar o corte com as mãos. Mas foi inútil. A morte chegou rápido.

Eu fiquei parada, incapaz de reagir, como se meu corpo se recusasse a aceitar o que meus olhos viam. Mesmo com alianças, mesmo com um nome conhecido na prisão, Janaína havia sido descartada como se fosse nada.

E era isso que nós éramos ali dentro. Nada.

Assistir à morte de Janaína mudou algo dentro de mim. Até aquele momento, eu ainda acreditava que alianças poderiam ser suficientes para sobreviver. Mas a realidade estava ali, banhada em sangue: ninguém é intocável em Santa Helena. Nem as que têm amigos, nem as que se escondem em alianças frágeis.

A única pessoa em quem eu poderia confiar era eu mesma.

Naquela noite, deitada no colchão, senti Laila se mover de novo dentro de mim. Era como se ela estivesse me lembrando de que agora eu tinha mais do que apenas minha própria vida para proteger.

Eu não podia ser fraca. Nunca mais.

Com os olhos fixos no teto da cela, fiz uma promessa silenciosa: Nunca mais depender de ninguém. Nunca mais confiar cegamente em alianças.

Eu seria minha própria proteção, para mim e para minha filha.

A morte de Janaína espalhou uma tensão silenciosa pela prisão, mas algo ainda mais cruel me aguardava. Todos na prisão agora sabiam sobre minha gravidez.

O segredo, que antes eu tentava desesperadamente esconder, se espalhou por entre as alas como fumaça. E com isso, vieram os conselhos e os avisos.

Uma noite, enquanto as luzes apagavam, duas detentas de uma cela vizinha me chamaram. Mulheres mais velhas, endurecidas pelos anos dentro de Santa Helena.

— Escuta aqui, Suraya. Vou te dar um conselho. — sussurrou uma delas, uma mulher de olhos fundos chamada Lourdes. — Não se apega a essa criança. Vai ser pior pra você.

— É. O sistema vai arrancar ela de você antes mesmo de você poder segurar nos braços. — murmurou a outra. Elas falavam com a voz de quem já tinha vivido isso antes.

Meu peito apertou. Eu sabia que elas estavam certas. Sabia que era mais seguro não me apegar. Mas, ao mesmo tempo, sentir Laila se mexer dentro de mim era a única coisa que me dava força.

— E o que vocês querem que eu faça? — perguntei, com raiva na voz. — Finja que ela não existe?

Lourdes deu um sorriso triste.

— Finge, reza, ou endurece de vez. A escolha é sua.

Depois daquela conversa, passei a me questionar todos os dias: Deveria realmente me apegar a essa criança? Tudo em mim dizia que aquela prisão não era lugar para esperança, muito menos para amor.

Se Laila nascesse ali, seria arrancada de mim, como tudo o mais já havia sido. As palavras de Lourdes ecoavam em minha mente: “Endurece de vez.”

Mas havia uma parte de mim, uma parte pequena e teimosa, que se recusava a desistir. A cada chute que eu sentia, a cada movimento fraco, eu me lembrava de que Laila era a única coisa verdadeira e boa que restava em mim.

No dia seguinte à morte de Janaína, o pátio estava mais silencioso. Marlene andava por ali como uma rainha, segura de que ninguém teria coragem de desafiá-la tão cedo.

As dívidas de drogas continuavam, e todos sabiam que ninguém saía impune. Valquíria e as outras guardas observavam tudo, mas nada faziam. Era mais fácil para elas deixar as detentas se matarem. Menos trabalho.

Serpente me chamou ao canto do pátio, seu olhar mais sério do que de costume. Ela sabia que a morte de Janaína havia mexido comigo.

— Tá vendo, princesa? É assim que a coisa funciona aqui dentro. Ou você domina o jogo, ou ele te engole. — disse, enquanto acendia um cigarro.

Eu assenti, sem dizer nada. Não precisava de mais lições. Eu tinha aprendido do jeito mais difícil.

De volta à cela, Marília me encontrou sentada no colchão, em silêncio. Ela sabia o que havia acontecido com Janaína, e por isso não tentou me consolar. Apenas sentou ao meu lado, oferecendo sua presença em silêncio.

— Eu não vou morrer aqui, Marília. — murmurei, mais para mim mesma do que para ela. — E nem minha filha.

Ela olhou para mim, surpresa com a firmeza na minha voz, e apenas assentiu.

Naquele momento, algo dentro de mim se solidificou. Eu não tinha controle sobre o mundo lá fora, nem sobre a justiça que me prendeu. Mas dentro dessas paredes, eu controlaria o que pudesse.

Eu não seria mais fraca. Não dependeria de mais ninguém. Nunca mais seria vulnerável.

E se Laila viesse ao mundo naquele inferno, ela nasceria sabendo que sua mãe lutaria por ela até o fim.

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Comments

Rosângela Costa

Rosângela Costa

Essa prisão está chata!

2024-12-04

1

Gracinda Tato

Gracinda Tato

autora o livro está a ficar chato quando é que ela vai conseguir sair e provar a inocência e se vingar de quem lhe fez isto

2025-02-16

1

Irá

Irá

Tá nada, vc ainda não leu nada do submundo no é? Essa prisão é só um aperitivo se. álcool

2024-12-27

1

Ver todos
Capítulos
1 Avisos
2 Prólogo
3 Capítulo 1: O começo do Fim
4 Capítulo 2: Primeira Noite na Cela 676
5 Capítulo 3: Tortura e Quebra Psicológica
6 Capítulo 4: Primeiras Lições na Cela
7 Capítulo 5: A Primeira Tentativa de Assassinato
8 Capítulo 6: Primeiras Suspeitas e Conflito Interno
9 Capítulo 7: Aliança com a Serpente
10 Capítulo 8: Confirmação Brutal
11 Capítulo 9: Alianças e Sobrevivência
12 Capítulo 10: O Corpo Cobra seu Preço
13 Capítulo 11: A Chegada de Valquíria
14 Capítulo 12: A Primeira Grande Tarefa
15 Capítulo 13: Mudanças no Poder
16 Capítulo 14: O Preço das Dívidas
17 Capítulo 15: A Manipulação das Guardas
18 Capítulo 16: Dúvidas sobre a Maternidade
19 Capítulo 17: Crescendo na Hierarquia
20 Capítulo 18: A Segunda Tentativa de Reabrir o Caso
21 Capítulo 19: O Jogo da Sobrevivência
22 Capítulo 20: O Último Trimestre
23 Palavra do Autor - Uma Pausa para conversamos
24 Capítulo 21: A Filha Arrancada
25 Capítulo 22: A Tortura Final
26 Capítulo 23: A Escuridão
27 Capítulo 24: O Grande Confronto
28 Capítulo 25: O que tem lá Fora?
29 Capítulo 26: Cada Um paga a sua dívida
30 Capítulo 27: O Passado de Sônia Vidal
31 Capítulo 28: O Controle Total
32 Capítulo 29: A História de Rato
33 Capítulo 30: Laila e o Futuro
34 Capítulo 31: A Revolta e Queda
35 Palavra do Autor: Vamos Conversar Sobre a Nossa Viúva?
36 Capítulo 32: O Retorno da Viúva
37 Capítulo 33: O Retorno da Viúva - Parte II
38 Capítulo 34: As Sombras se Movem
39 Capítulo 35: Lembranças de Belo Monte
40 Capítulo 36: O Preço da Dívida
41 Capítulo 37: O Novo Diretor
42 Capítulo 38: Reflexos de um Sistema Quebrado
43 Capítulo 39: O Estopim do Caos
44 Capítulo 40: Sementes de Rebelião
45 Capítulo 41: A Tempestade Se Aproxima
46 Capítulo 42: A Proposta de Aliança de Rato
47 Capítulo 43: Humilhação e Rebelião Sutil
48 Capítulo 44: A Traição e o Assassinato de Marília
49 Capítulo 45: O Estopim da Rebelião
50 Capítulo 46: O Diretor e a Viúva
51 Capítulo 47: A Negociação das Sombras
52 Capítulo 48: O Monopólio da Viúva
53 Capítulo 49: A Infiltração da Ordem
54 Capítulo 50: O Ataque na Sombra
55 Capítulo 51: A Reabertura do Caso
56 Capítulo 52: Confronto com o Passado
57 Capítulo 53: O Encontro com Ayana
58 Capítulo 54: O Declínio do Diretor
59 Capítulo 55: A Grande Batalha
60 Capítulo 56: A Tentativa de Assassinato
61 Capítulo 57: A Carta e a Despedida
62 Capítulo 58: O Coração de Santa Helena Parte
63 Capítulo 59: A Última Palavra
64 Epílogo: Liberdade
65 Nota de Agradecimento aos Leitores
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Atualizado até capítulo 65

1
Avisos
2
Prólogo
3
Capítulo 1: O começo do Fim
4
Capítulo 2: Primeira Noite na Cela 676
5
Capítulo 3: Tortura e Quebra Psicológica
6
Capítulo 4: Primeiras Lições na Cela
7
Capítulo 5: A Primeira Tentativa de Assassinato
8
Capítulo 6: Primeiras Suspeitas e Conflito Interno
9
Capítulo 7: Aliança com a Serpente
10
Capítulo 8: Confirmação Brutal
11
Capítulo 9: Alianças e Sobrevivência
12
Capítulo 10: O Corpo Cobra seu Preço
13
Capítulo 11: A Chegada de Valquíria
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Capítulo 12: A Primeira Grande Tarefa
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Capítulo 13: Mudanças no Poder
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Capítulo 14: O Preço das Dívidas
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Capítulo 15: A Manipulação das Guardas
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Capítulo 16: Dúvidas sobre a Maternidade
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Capítulo 18: A Segunda Tentativa de Reabrir o Caso
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Capítulo 19: O Jogo da Sobrevivência
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Capítulo 20: O Último Trimestre
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Palavra do Autor - Uma Pausa para conversamos
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Capítulo 21: A Filha Arrancada
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Capítulo 22: A Tortura Final
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Capítulo 24: O Grande Confronto
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Capítulo 25: O que tem lá Fora?
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Capítulo 26: Cada Um paga a sua dívida
30
Capítulo 27: O Passado de Sônia Vidal
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Capítulo 28: O Controle Total
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33
Capítulo 30: Laila e o Futuro
34
Capítulo 31: A Revolta e Queda
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Capítulo 32: O Retorno da Viúva
37
Capítulo 33: O Retorno da Viúva - Parte II
38
Capítulo 34: As Sombras se Movem
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Capítulo 35: Lembranças de Belo Monte
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Capítulo 36: O Preço da Dívida
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Capítulo 37: O Novo Diretor
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Capítulo 38: Reflexos de um Sistema Quebrado
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