Na prisão, a morte nunca é anunciada. Ela chega silenciosa, no meio da noite ou em um canto escuro do pátio, sem cerimônias ou despedidas. E eu estava prestes a descobrir isso da pior forma.
Os dias passavam devagar, e a rotina no Instituto Santa Helena começava a pesar mais a cada manhã. Eu tentava ficar quieta, longe de problemas, mas o problema aqui te encontra. Não importa o quanto você se esconda, ninguém sai ileso por muito tempo.
A tensão entre as detentas era constante. Qualquer palavra fora do lugar, uma dívida não paga ou até um olhar errado podia custar sua vida. E, para meu azar, eu havia sido notada. Não era apenas Serpente que tinha me observado. Outras mulheres me viam como uma ameaça silenciosa, como se meu silêncio e meu passado de "madame" fossem motivos suficientes para me detestarem.
Naquela noite, o clima na cela estava estranho. Rosa e Janaína pareciam mais inquietas do que o normal, trocando olhares rápidos, como se soubessem de algo que eu não sabia. O ar estava pesado, e um silêncio desconfortável se espalhou pela cela.
— Ei, princesa. Dorme de olho aberto hoje. — Rosa murmurou, meio sorrindo, mas sem olhar para mim. Havia um aviso ali, e meu estômago revirou.
Eu não respondi. Deitei no colchão, mas o sono não veio. Algo estava errado. O silêncio lá fora era denso, pesado como chumbo. A prisão nunca era silenciosa, nem mesmo à noite — sempre havia risadas abafadas, brigas sussurradas, alguém batendo na grade. Mas aquela noite era diferente.
Eu estava quase pegando no sono quando ouvi o clique suave da porta da cela sendo destrancada. Meu corpo inteiro congelou.
Uma sombra se moveu na escuridão, rápida e silenciosa. Antes que eu pudesse reagir, uma mão áspera cobriu minha boca, abafando qualquer som que eu pudesse fazer. Outra mão segurou uma lâmina improvisada — um pedaço de metal afiado, talvez arrancado de algum cano ou utensílio quebrado.
— Fica quietinha, princesa, e isso acaba rápido. — uma voz sussurrou em meu ouvido, fria como uma sentença de morte.
A lâmina encostou na minha pele, e um arrepio percorreu minha espinha. Eu sabia que estava a um segundo de morrer, e ninguém ali moveria um dedo para me salvar. Senti o peso do desespero tomar conta de mim, mas também uma raiva surda começou a borbulhar no fundo da minha mente. Não era assim que eu ia morrer. Não hoje.
Num reflexo, mordi a mão que tapava minha boca com toda a força que tinha. O gosto metálico do sangue invadiu minha boca, e a mulher que me segurava gritou, perdendo o equilíbrio por um segundo. Foi o tempo que eu precisava.
Rolei para o lado, e a lâmina passou raspando pelo meu pescoço, mas não o suficiente para cortar fundo. Levantei um joelho e atingi a agressora com força no estômago. Ela tropeçou, tentando se recompor, mas eu não esperei. Ataquei com tudo que tinha.
— Desgraçada! — ela gritou, enquanto tentava me atingir de novo, mas desta vez eu estava preparada.
A luta foi rápida, brutal. As brigas na prisão são assim: ou você vence rápido ou morre rápido. Acabei empurrando a mulher para o chão, caindo junto com ela. Antes que ela pudesse reagir, ouvi uma voz familiar.
— Já chega. — A voz vinha da entrada da cela. Serpente.
A agressora congelou no mesmo instante. Serpente estava ali, encostada na porta da cela como se tudo aquilo fosse um teatro montado só para seu entretenimento. Ela não precisou levantar a voz nem dar ordens. Sua simples presença fez a mulher largar a lâmina improvisada e recuar como uma cadela assustada.
— Não agora. Ela ainda não tá pronta. — disse Serpente, com um sorriso leve nos lábios, como se estivesse explicando uma regra invisível que só ela conhecia.
A mulher hesitou por um segundo, mas depois abaixou a cabeça e saiu da cela sem dizer uma palavra. Assim que a porta se fechou atrás dela, Serpente se aproximou lentamente, como uma cobra observando sua presa.
— Você é teimosa, princesa. Achei que ia deixar essa vagabunda acabar com você.
Eu ainda respirava com dificuldade, os músculos do corpo queimando, mas segurei firme o olhar dela. Não demonstrar fraqueza. Essa era a única coisa que eu tinha aprendido até agora.
— Por quê? — perguntei, a voz rouca. — Por que não deixou que ela me matasse?
Serpente sorriu de canto, os olhos brilhando com algo que eu não conseguia decifrar.
— Porque ainda não decidi o que fazer com você. E, além disso... você fala línguas, não é?
Eu não respondi. Não precisava. Ela já sabia a resposta.
— Isso é raro por aqui, princesa. Muito raro. — Serpente se aproximou mais, até ficar perto o suficiente para que eu pudesse sentir o cheiro agridoce de seu perfume barato. — E raro, aqui dentro, é valioso. Então, presta atenção: a partir de agora, você tem duas escolhas. Ou você sobrevive do jeito difícil... ou faz isso do meu jeito.
— E o seu jeito é o quê? — perguntei, desafiando-a.
Serpente riu baixinho, como se tivesse acabado de ouvir a piada mais divertida do mundo.
— Você vai descobrir logo. — ela disse, saindo da cela e deixando para trás uma promessa silenciosa.
Eu me sentei no colchão, ainda tentando recuperar o fôlego e entender o que tinha acabado de acontecer. Por pouco, muito pouco, eu não havia morrido. E a morte, naquela noite, tinha um rosto que eu ainda não conhecia — mas a mão que a afastou pertencia a Serpente.
Eu sabia que não era um favor. Na prisão, ninguém faz nada de graça. A vida que ela me deu naquela noite tinha um preço, e mais cedo ou mais tarde, eu teria que pagá-lo.
Mas algo havia mudado dentro de mim. A raiva era agora uma faísca constante, algo que queimava silenciosamente no fundo do peito. Eu tinha sobrevivido àquela noite, e isso significava que havia uma chance de sobreviver às próximas.
Não importava o que viesse depois. Eu não ia morrer ali. Não como uma vítima. Se a única forma de sobreviver fosse me aliar ao próprio veneno, então eu me tornaria veneno também.
E pela primeira vez desde que entrei naquela cela, eu senti algo parecido com esperança. Não uma esperança doce e ingênua, mas a esperança amarga de quem sabe que pode lutar sujo e sobreviver para ver o próximo dia.
Eu não era mais a mesma mulher que entrou ali. Algo dentro de mim estava mudando, e dessa vez, eu não ia lutar contra essa mudança.
***Faça o download do NovelToon para desfrutar de uma experiência de leitura melhor!***
Atualizado até capítulo 65
Comments
Maria De Fatima Zamboni
cadê o pai dela a família
2025-01-29
0
Ana Zélia
Meu Deus, ela tem os pais,as irmãs, a Ester o q foi feito desse povo q não biditam rla?
2024-12-30
2
Vera Alice Mendes
E onde está Esther e o segurança, que nem visitar vai.
O que foi feito da família dela???
2024-12-16
3