Dentro dos muros de Santa Helena, não havia espaço para fraquezas. Cada mulher ali lutava para manter o controle sobre si mesma, mesmo quando o corpo começava a falhar. Não importava o quanto a mente estivesse em frangalhos ou o quanto o cansaço tomasse conta do corpo: qualquer sinal de vulnerabilidade era uma sentença de morte. E eu, mais do que qualquer uma, precisava esconder o que estava acontecendo comigo.
Serpente me encarregava de pequenas tarefas: intermediar favores entre guardas e detentas, levar mensagens e garantir que nenhuma transação saísse do controle. Embora minha posição ao lado dela tivesse me dado alguma proteção, essa proteção não era gratuita. Cada tarefa bem-sucedida era uma corrente invisível que me prendia mais ao poder dela. Serpente era um vício perigoso: quanto mais você se aproximava, mais difícil era escapar.
Naquele dia, minha missão era garantir que Rato, da Ala Sul, pagasse suas dívidas a tempo. Andei pelos corredores abafados, o suor escorrendo pela pele, a cabeça rodando. Cada passo parecia mais pesado que o anterior. O calor fazia meu estômago revirar e a tontura aumentar, mas eu não podia parar. Fracassar em uma tarefa significava perder a confiança de Serpente — e, talvez, perder a vida.
Quando entreguei o recado, senti o primeiro sinal de que algo estava errado: uma onda de tontura que fez o chão parecer se mover sob meus pés. A parede fria foi minha única âncora. Respirei fundo e obriguei meu corpo a continuar.
O calor do pátio era insuportável naquela manhã. O sol batia no concreto, tornando-o um forno que fritava lentamente cada mulher ali. O banho de sol era uma das poucas oportunidades para as detentas se movimentarem fora das celas, mas também era um território perigoso — lugar de disputas silenciosas e ameaças veladas.
Eu estava encostada em um canto, tentando evitar o olhar de outras detentas. O enjoo estava pior do que nunca, e um zumbido irritante começou a se instalar nos meus ouvidos. A visão ficou turva, e as vozes ao redor se misturaram em uma cacofonia indistinta.
Então, tudo escureceu por um instante.
— Ei! Tá tudo bem? — ouvi alguém gritar ao longe, mas a voz parecia vir de outro mundo.
Senti meus joelhos falharem e caí de lado no chão quente. O cheiro de poeira e suor encheu minhas narinas. O barulho ao redor ficou distante, e, por um breve momento, meu corpo parecia desligar completamente.
As outras detentas não pararam para ajudar — ali, um corpo caído era apenas mais um obstáculo no caminho. Ouvi risos e passos pesados se aproximando. Alguém murmurou:
— Deixa a patricinha aí. Alguém vai pisar nela rapidinho.
Eu tentava me mover, mas meus músculos não respondiam. Foi quando uma sombra familiar se aproximou.
— Tá fraca, princesa? — a voz de Serpente soou baixa e divertida. Ela se agachou ao meu lado, seus olhos avaliando cada centímetro meu. — Se for cair, melhor cair onde eu possa ver.
Ela me puxou pelo braço, com força suficiente para me levantar. A pressão do toque dela era ao mesmo tempo um aviso e uma promessa: enquanto eu fosse útil, teria proteção. Mas se me mostrasse fraca demais, essa proteção sumiria como fumaça.
De volta à cela, meu corpo estava tremendo. O calor do pátio, o esforço e a fome acumulada estavam me levando ao limite. Mas a tontura e os enjoos eram mais do que cansaço. Eu sabia disso, mas não queria admitir o que estava diante dos meus olhos.
Eu me encolhi no colchão sujo, abraçando os joelhos contra o peito. Serpente começou a me observar mais de perto. Nada escapava aos olhos dela.
— Tá mais pálida do que o normal, princesa. Tá doente? — ela perguntou certa noite, acendendo um cigarro e soprando a fumaça devagar.
— Não é nada. — Eu menti, mas sabia que ela não acreditaria.
Ela inclinou a cabeça, como uma cobra analisando sua presa, avaliando se valia a pena atacar ou esperar o momento certo. Havia algo quase gentil no modo como ela me estudava, mas essa gentileza era venenosa.
— Se precisar de alguma coisa, sabe onde me achar. — disse ela, antes de desaparecer na escuridão do corredor. Era uma oferta que eu não podia recusar por muito tempo.
Sozinha naquela cela abafada, a solidão e o medo me apertavam o peito como um vício que eu não conseguia largar. Não havia ninguém para quem eu pudesse contar a verdade. Nem Rosa, nem Janaína, nem Serpente — todas eram ameaças, de um jeito ou de outro.
O pensamento da gravidez era uma faca de dois gumes. Ter um bebê seria uma bênção e uma maldição ao mesmo tempo. Eu a imaginava crescendo longe de mim, nas mãos frias do sistema ou usada como moeda de troca por outras detentas. Mas, ao mesmo tempo, a ideia de Laila — sim, eu já começava a chamá-la assim, silenciosamente —, me dava uma força que eu nunca soube que tinha.
Se eu sobrevivesse, seria por ela.
Com o tempo, comecei a entender que o corpo cobra um preço, mas a mente pode ser mais forte.
Na manhã seguinte ao desmaio, fui até Marília, a detenta viciada que sempre me pedia favores. Ela me olhou com o olhar vazio de quem já desistiu de tudo. Eu não seria como ela. Não podia ser.
— Se você cair, ninguém te levanta. — Marília disse, com um sorriso triste. — Aqui, cada uma por si. Sorte sua por ter a Serpente.
Ela não estava tão certa. Se eu caísse, ninguém viria me salvar. E por isso, não havia outra escolha a não ser lutar. Mesmo com meu corpo se rebelando, eu sobreviveria. Por Laila. Por mim.
Deitada no colchão naquela noite, enquanto acariciava a barriga, prometi a mim mesma:
— Eu vou sair daqui. Nem que eu tenha que destruir tudo pelo caminho.
Mas eu preciso aprender a jogar o jogo delas direito e, um dia, ser melhor que todas elas.
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Atualizado até capítulo 65
Comments
Socorro Melo
Nossa só quero saber da família dela que não sabe como está nem oque acontece com ela todo esse tempo e o rapaz o primeiro beijo será que ainda vão aparecer. asim como o advogado o chefe da segurança Esther (Estela) somiram todos aff
2025-01-29
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Angela S Silva
cadê a Ester o segurança e até mesmo a família dela que não vai visitar ela
2025-02-03
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Socorro Melo
Nossa só quero saber da família dela que não sabe como está nem oque acontece com ela todo esse tempo e o rapaz o primeiro beijo será que ainda vão aparecer. asim como o advogado o chefe da segurança Esther (Estela) somiram todos aff
2025-01-29
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