A chuva fina caía sobre o pátio de concreto, deixando o chão escorregadio e o ar mais pesado. Dentro da prisão de Santa Helena, o tempo sempre parecia parado, como se nada de bom pudesse florescer ali. Mas, nos bastidores, as coisas nunca paravam. A movimentação de drogas, cigarros e outros itens proibidos seguia com a precisão de uma engrenagem bem ajustada. Tudo tinha um preço, e nada circulava sem passar pelas mãos certas.
E agora, Serpente decidiu que era a minha vez de participar diretamente de uma transação importante.
— Tá na hora de você se provar de verdade. — Serpente murmurou naquela manhã, o cigarro apagado pendendo de seus lábios. — As guardas tão esperando a entrega. Você vai levar as coisas e negociar o que pedirem. Simples assim.
Não havia nada simples em lidar com guardas corruptos em um lugar onde cada decisão podia ser fatal. Mas, se eu quisesse sobreviver, precisava aceitar.
A entrega aconteceria naquela mesma tarde, durante o período em que as guardas mais corruptas faziam a ronda. A transação era basicamente uma troca de drogas por favores — cigarros, comida, e proteção especial em certas alas. Serpente escolheu a dedo quem participaria do processo, e para minha surpresa, eu era a responsável por organizar e liderar a operação.
Com uma mochila suja nas costas, cheia de pacotes cuidadosamente embalados, caminhei até um dos pontos de encontro combinados: um vestiário vazio, na Ala Central. Sabia que aquilo era um teste. Serpente queria ver até onde eu estava disposta a ir para fazer parte do jogo.
Na chegada, encontrei Guimarães e outra guarda chamada Sheila. Ambas já estavam acostumadas com esse tipo de troca e não pareciam muito preocupadas com minha presença. Nosso acordo foi direto e frio: as drogas seriam trocadas por pacotes de cigarros e alguns itens alimentícios que só os guardas podiam trazer de fora. Nada de emoções, apenas negócios.
Mas, assim que comecei a descarregar a mochila, ouvi o som inconfundível de botas pesadas no corredor. Meu estômago se revirou.
— Puta merda. — murmurei.
Valquíria entrou no vestiário como uma tempestade, seu olhar se fixando imediatamente em mim. O ar ficou denso e insuportável.
— E o que temos aqui? — Valquíria disse, cruzando os braços e olhando para a mochila aberta no chão.
Valquíria não era estúpida. Ela sabia exatamente o que estava acontecendo e tinha o poder para destruir toda a operação. As guardas Sheila e Guimarães ficaram imóveis, esperando para ver como eu lidaria com a situação. Se eu falhasse ali, estaria morta — e muito mais rápido do que imaginava.
— Então é isso que a princesa faz agora? Leva pacotinho pra bandida grande? — Valquíria provocou, chutando levemente a mochila. Seu sorriso era uma promessa de desastre.
Eu sabia que não podia mostrar medo. Tinha que pensar rápido.
— Todo mundo tem que sobreviver, Valquíria. Você sabe como é. — Minha voz saiu firme, embora eu pudesse sentir meu coração disparado no peito.
Ela se aproximou lentamente, o olhar fixo nos meus olhos. Era uma predadora, farejando fraqueza.
— E o que eu ganho se deixar passar essa gracinha? — Valquíria perguntou com um sorriso irônico. Ela queria pagamento. Mas eu sabia que dinheiro não era suficiente para ela. Valquíria queria algo mais pessoal.
Então, antes que pudesse pensar duas vezes, arrisquei tudo:
— Se eu fosse você, cuidaria melhor do seu marido. — murmurei.
Valquíria congelou, e por um breve momento, sua máscara escorregou. Ela não esperava que eu soubesse sobre sua vida pessoal — sobre o marido que estava envolvido em um caso extraconjugal. Serpente tinha me passado essa informação dias antes, mas eu não esperava usá-la tão cedo.
— Como você sabe disso? — Valquíria sussurrou, sua expressão agora mais perigosa.
— Eu sei mais do que você imagina. — retruquei. — E eu posso manter minha boca fechada... ou não. A escolha é sua.
Foi um risco. Um risco enorme. Mas, no final, Valquíria recuou. Seu rosto era uma máscara de fúria, mas ela sabia que não poderia expor a situação sem se incriminar também.
— Você acabou de comprar um pouco de tempo, princesa. Não desperdiça. — disse ela por fim, antes de se virar e sair do vestiário.
Após o confronto com Valquíria, o nervosismo ainda me consumia, mas não havia tempo para respirar. Assim que voltei para a Ala Norte, uma briga violenta estourou no pátio.
Duas gangues rivais haviam começado uma disputa por território e favores. Garrafas improvisadas quebravam, cacos de vidro espalhavam-se pelo chão, e socos eram trocados sem piedade. O barulho dos gritos enchia o ar.
Eu vi Marília ser jogada no meio da confusão, e por um instante, meu instinto foi protegê-la. Corri em sua direção, desviando de corpos que se chocavam e detentas que caíam no chão.
— Marília! Sai daí! — gritei, tentando chegar até ela.
Antes que eu pudesse alcançá-la, uma guarda disparou seu cassetete contra o chão, criando um estrondo que ecoou por todo o pátio.
— Todo mundo no chão, agora! — gritou Inês, uma das guardas que acompanhava Valquíria. Ela correu para separar as gangues, batendo nas detentas sem piedade.
Valquíria entrou logo atrás, sorrindo como se estivesse se divertindo. Ela desferiu golpes rápidos com o cassetete, derrubando qualquer uma que não obedecesse.
Eu me abaixei no chão, puxando Marília comigo para evitar que ela fosse espancada.
— Tá tudo bem? — perguntei, ofegante.
Marília assentiu, mas seus olhos estavam arregalados de medo.
Mais tarde, quando voltamos para a cela, Marília se aproximou de mim, seus olhos ainda carregando as marcas do medo. Pela primeira vez, ela parecia disposta a confiar em alguém.
— Eu preciso falar uma coisa. — Marília sussurrou, como se confessar aquilo fosse a última coisa que queria.
— O que é?
Ela hesitou, mas finalmente falou:
— Tenho um relacionamento com Sheila, a guarda.
Eu a encarei, surpresa. Era um segredo perigoso, e Marília sabia disso. Relacionamentos forçados entre guardas e detentas eram comuns, mas raramente alguém falava sobre isso em voz alta.
— Por quê? — perguntei, tentando entender.
Marília deu de ombros, os olhos cheios de dor.
— Ela me dá drogas. Sem elas, eu não aguento aqui dentro.
Meu peito apertou, mas não havia espaço para julgamentos. Eu sabia o que era precisar sobreviver, não importa o preço.
— Você quer sair disso? — perguntei.
Ela me olhou, como se não tivesse certeza se eu estava falando sério. Mas no fundo, havia uma faísca de esperança.
— Quero. Mas como?
Eu não tinha uma resposta naquele momento, mas sabia que, de alguma forma, precisaria protegê-la.
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Atualizado até capítulo 65
Comments
Irá
Nossa até que em fim alguém vai ficar amiga dlea ou não?
2024-12-27
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