A vida na prisão era uma guerra silenciosa que estourava a qualquer momento, sem aviso. Nenhuma briga ali era apenas um acidente. Cada empurrão, cada soco, cada facada improvisada era carregada de rancor acumulado, de disputas por território, de pequenas vinganças que queimavam dentro das detentas. E eu, tentando sobreviver em silêncio, sabia que mais cedo ou mais tarde seria arrastada para o meio de uma dessas tempestades.
Era uma manhã abafada quando a confusão começou no pátio. Duas mulheres se agarraram pelo cabelo, rolando pelo chão enquanto outras detentas se aproximavam para assistir o espetáculo. Guardas como Inês e Guimarães observavam à distância, mais interessadas em assistir do que em intervir.
Serpente estava ao meu lado, os braços cruzados, um cigarro pendendo de seus lábios. O sorriso no rosto dela era quase divertido — para ela, essas brigas eram uma distração útil.
— Vai apostar em quem? — ela me perguntou, soprando a fumaça para o lado.
Eu dei de ombros, mantendo meus olhos fixos na briga. Qualquer desatenção podia ser fatal ali dentro. Você nunca sabia quando alguém decidiria que era a sua vez de sangrar.
De repente, o caos se espalhou. Uma das mulheres, furiosa e fora de controle, veio na minha direção. Ela me empurrou com toda a força, e antes que eu pudesse reagir, bati com tudo na parede de concreto.
A dor explodiu nas minhas costelas e na barriga. Meu corpo pareceu se desligar por um segundo, e então a tontura familiar voltou, multiplicada. Eu me encolhi, tentando proteger o ventre instintivamente, mas a dor era insuportável. Ouvi risos ao meu redor e vozes distantes.
— A princesa caiu. Alguém ajuda ela, ou deixa pra pisar depois? — alguém zombou.
Tudo ficou escuro.
Acordei na enfermaria, a luz fria do teto ofuscando minha visão. Meu corpo doía em cada canto. A dor na barriga era um lembrete terrível do que poderia ter acontecido, e o pavor crescia dentro de mim. Eu sabia, antes mesmo de ouvir as palavras, que algo havia mudado.
A enfermeira Cecília estava ao lado da maca, seu rosto carregando a indiferença de quem já viu todo tipo de sofrimento e não se importa mais. Ela segurava uma prancheta e mastigava chiclete enquanto me olhava de cima a baixo.
— Você tá grávida. Uns dois meses, talvez mais. — disse ela, como se estivesse anunciando o tempo de uma chuva qualquer.
As palavras dela foram uma facada em meu peito. Por um instante, o mundo ao meu redor parou. As vozes distantes, o som dos passos no corredor, o barulho dos portões ao longe — tudo se apagou.
— Não... Não pode ser. — murmurei, a voz fraca.
A enfermeira deu de ombros, como se isso não fosse problema dela.
— Pode, sim. Agora se vira, princesa. Aqui não é lugar pra ser mãe.
As palavras da enfermeira ecoaram na minha mente. Eu estava grávida. Era real. Não era um pesadelo ou um delírio provocado pelo cansaço. Dentro de mim, uma nova vida estava crescendo.
O desespero e o medo vieram primeiro, esmagadores. Eu não queria estar grávida. Não ali. Não na prisão. Como proteger uma criança em um lugar onde até respirar era um risco? Como garantir que ela não seria arrancada de mim no momento em que nascesse?
Mas então, uma outra emoção surgiu, fraca e inesperada: esperança. Contra toda a lógica, eu senti uma pequena chama se acender dentro de mim. Aquela criança era a última coisa boa que restava do meu passado.
E, pela primeira vez desde que fui jogada naquele inferno, eu senti que tinha algo pelo que lutar.
De volta à cela, eu me encolhi no canto, protegendo a barriga com as mãos. Eu precisava esconder essa verdade de todas elas. Se Rosa, Janaína, ou qualquer outra detenta soubesse, usariam isso contra mim. Na prisão, uma gravidez era uma fraqueza perigosa.
As dores ainda latejavam pelo corpo, mas não havia tempo para lamentações. Eu não podia demonstrar medo ou dor. Ali, qualquer sinal de fraqueza era uma sentença.
Rosa não perdeu a chance de me provocar quando voltei.
— Olha só, a princesa voltou da enfermaria! E aí, o que foi? Tá com dor de barriga, é?
Eu a ignorei, me deitando devagar. O peso da verdade ainda apertava meu peito, mas agora era diferente. Eu não estava mais sozinha.
Na escuridão da cela, as lágrimas finalmente vieram. Eu chorei em silêncio, o rosto escondido contra o colchão imundo. Não chorei de tristeza, mas de alívio — e de medo. Eu sabia que a luta seria mais dura agora, mas, pela primeira vez, eu tinha um motivo real para sobreviver. Meu bebê.
Naquele momento, sem nem perceber, eu escolhi o nome dela: Laila. Era a única coisa que fazia sentido. Laila um nome árabe que significa “noite”, e foi na noite mais sombria da minha vida que ela foi concebida. Agora, ela seria minha luz na escuridão.
Eu não sabia como proteger Laila naquele lugar. Mas sabia que não podia mais desistir. Não por mim. Por ela.
Nos dias seguintes, Serpente começou a me observar ainda mais de perto. Ela não perguntou nada diretamente, mas eu sabia que ela sentia que algo havia mudado em mim. Havia um entendimento silencioso entre nós. Serpente não se importava se eu estava grávida. O que importava era se eu ainda poderia ser útil.
Certa noite, ela me chamou até o corredor e me entregou um maço de cigarros.
— Você tá diferente, princesa. Mas não se engane: a gente ainda tem trabalho a fazer.
— Não vou falhar. — respondi, sem hesitação. Porque agora, eu tinha um propósito maior.
Serpente sorriu de canto, satisfeita.
— Bom. Porque aqui, princesa, só os fortes sobrevivem. E você vai precisar ser mais forte do que nunca.
Deitada na cela naquela noite, minha mão descansando sobre a barriga, eu aceitei a verdade que havia evitado até agora: eu estava grávida, e precisaria lutar com tudo que tinha para sobreviver.
Mas agora, eu não lutaria mais apenas por mim. Eu lutaria por Laila. E se a prisão tentasse me quebrar novamente, descobririam que não podem destruir uma mulher que tem algo pelo que lutar.
Eu sobreviveria. E, quando chegasse o momento, eu sairia dali com minha filha nos braços.
***Faça o download do NovelToon para desfrutar de uma experiência de leitura melhor!***
Atualizado até capítulo 65
Comments