O cheiro de suor, urina e mofo era uma constante na cela e nos corredores do Instituto Santa Helena. Aqui, o tempo era um ciclo interminável de dor e humilhação, onde não existia futuro e cada segundo parecia um peso nas costas. Na segunda manhã, antes mesmo de conseguir dormir de verdade, ouvi as batidas nas grades.
— Todo mundo de pé! Hora de brincar com as fardadas. — Rosa murmurou, bocejando, enquanto Janaína riu com desdém.
Eu ainda estava processando os hematomas da noite anterior quando a porta da cela foi aberta com um estalo metálico. As guardas já esperavam, como abutres famintos prontos para devorar qualquer resquício de dignidade que sobrasse.
— Anda, princesa. Ou prefere que a gente arraste você? — disse Inês, sua voz tão fria quanto seu sorriso. Ao lado dela, Guimarães observava em silêncio, mas seus olhos me diziam tudo: hoje, o inferno seria especialmente cruel.
Fomos alinhadas no corredor junto com outras detentas, e era fácil perceber quem estava há mais tempo ali: seus olhares estavam vazios, a pele marcada por feridas que iam além do corpo. Ninguém falava. Era como se a cada passo, mais um pedaço de quem eram tivesse ficado para trás.
Inês parou à minha frente e me empurrou com o cassetete.
— Você já aprendeu a lição de ontem, ou vai precisar de mais uma aula?
Minha boca abriu por reflexo, mas logo fechei. Não mostrar fraqueza. Essa era a regra, eu precisava aprender rápido. A violência ali era mais do que uma questão de força. Era uma forma de controle. E controle era tudo naquele lugar.
Nos levaram para um pátio aberto. O sol quente batia no concreto rachado, e a poeira se misturava ao suor, criando uma camada pegajosa em nossas peles. As guardas nos posicionaram como se fôssemos animais em fila, e ali eu aprendi uma nova rotina: castigo sob o disfarce de exercício físico.
— Cem agachamentos, vamos! Quero todo mundo no chão. — Guimarães gritou, batendo o cassetete contra a perna.
Eu estava exausta antes mesmo de começar, mas não havia escolha. Cada movimento fazia meus músculos gritarem em protesto, e minhas costelas, ainda doloridas das pancadas da noite anterior, pareciam que iam rachar a qualquer momento.
— Vamos, princesinha! — uma detenta zombou, rindo ao me ver tropeçar na décima repetição.
O chão parecia derreter sob meus pés, mas eu continuei. Agachar, levantar, agachar, levantar. Se eu caísse ali, sabia que a humilhação seria o menor dos meus problemas. As guardas adoravam quebrar quem demonstrava fraqueza.
Depois dos exercícios, nos enfileiraram e nos levaram de volta para dentro. Mas ao invés da cela, fui levada para uma sala separada. "A sala da disciplina", era assim que as outras detentas chamavam. Senti um calafrio atravessar meu corpo. Sabia que o que vinha a seguir não seria nada fácil.
Inês e Guimarães estavam lá, junto com mais duas guardas que eu ainda não conhecia. Elas não tinham pressa; esse era o jogo delas. Eu era só mais uma para quebrar.
— Deixa eu te contar uma coisa, Suraya... — Inês começou, puxando uma cadeira e sentando-se de frente para mim. — Aqui, quem não aprende rápido, sofre. E quem acha que é melhor do que nós... morre. Lentamente.
Eu a encarei sem piscar. Não porque era corajosa, mas porque sabia que o medo era exatamente o que elas queriam ver.
— Princesa, você vai fazer a gente perder tempo? — Guimarães perguntou, enquanto tirava uma toalha do bolso. Senti o estômago revirar.
Eu não sabia o que viria a seguir, mas logo descobri. A toalha foi enrolada ao redor do meu rosto, e antes que eu pudesse reagir, Guimarães despejou um balde de água em cima de mim. O desespero foi imediato. Eu tentava respirar, mas cada suspiro era sufocado pela água. Era como se o próprio ar estivesse se recusando a entrar nos meus pulmões.
— É assim que a gente ensina as princesas. — Inês murmurou, como se estivesse contando um segredo.
Quando finalmente tiraram a toalha, eu ofegava, tentando encher meus pulmões com o ar que parecia tão distante. Elas não riram, não comemoraram. Era apenas mais um dia de trabalho para elas. Mais um rosto para quebrar, mais uma alma para despedaçar.
Horas depois, fui arrastada de volta para a cela. Minhas roupas estavam encharcadas, e a cabeça latejava como se tivesse levado uma marretada. Rosa e Janaína apenas me lançaram olhares rápidos, sem interesse.
— Primeiro dia de disciplina, hein? Parabéns, você sobreviveu. — murmurou Rosa, estalando a língua. — Mas não se empolga. Isso aí é só o início.
Sentei no colchão, as mãos ainda tremendo. O corpo doía em lugares que eu nem sabia que podiam doer. Eu estava desmoronando, e era só o começo.
A sensação de desespero foi tomando conta de mim. Naquele momento, pensei novamente em acabar com tudo. Talvez Janaína estivesse certa: morrer era fácil. Talvez eu devesse acabar com aquilo de uma vez.
Eu fechei os olhos, tentando segurar as lágrimas. "Não chora, não chora."Era um mantra silencioso na minha mente. Lágrimas não ajudariam. Lágrimas só mostrariam fraqueza, e fraqueza ali era uma sentença de morte.
— Ei. — Janaína falou, quebrando o silêncio. — Quer um conselho, princesa? Não tenta ser forte o tempo todo. Isso só vai te destruir mais rápido.
Abri os olhos e a encarei, surpresa com o tom menos hostil. Ela deu uma tragada no cigarro e soltou a fumaça devagar.
— Aqui, todo mundo se quebra uma hora ou outra. A diferença é quem aprende a juntar os pedaços. Você ainda tem uma chance. Se jogar o jogo certo, pode sobreviver.
— Como você sobrevive? — perguntei, a voz rouca.
Ela deu de ombros.
— Eu não sobrevivo. Só estou esperando a vez.
Aquelas palavras ficaram comigo mais do que eu gostaria. Eram como um aviso sombrio: nesse lugar, ninguém vive... só se espera a morte chegar.
Eu estava deitada no colchão quando ouvi Rosa cochichar para Janaína:
— Acha que a princesinha dura quanto tempo?
Janaína deu uma risada curta.
— Não importa quanto tempo ela dure... No fim, todo mundo quebra.
Essas palavras martelaram na minha mente enquanto eu me encolhia no colchão, sentindo a umidade do ar e o frio do concreto. Eu estava sozinha. E pela primeira vez, percebi que o mundo lá fora tinha me abandonado.
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Atualizado até capítulo 65
Comments
Odailma
Por isso que o detento, qdo retorna, volta pior e se é assassino, volta mais frio e matar , pra ele, é coisa rotineira. Difícil é alguém se redimir….. o sistema carcerário é diabólico.
2025-01-20
3
Silvana Filgueira
coitada
2025-01-10
1
Amandinha💖
gente que loucura
2025-01-02
1