No Instituto Penitenciário Santa Helena, cada canto sussurrava segredos. As paredes das celas guardavam confissões sórdidas, os corredores escuros eram palco de golpes silenciosos, e o pátio, um mercado onde tudo tinha preço — desde cigarros até favores mais obscuros. Eu começava a entender que ali dentro só sobrevivia quem sabia como jogar o jogo. E, se queria me manter viva, precisava aceitar que o único caminho era ao lado de Serpente.
Mas enquanto eu me preparava para entrar nesse mundo de manipulação e poder, meu corpo começava a enviar sinais de alerta, e algo dentro de mim já não parecia certo. O estresse e a brutalidade da rotina mascaravam os sintomas no início, mas não por muito tempo. Eu estava prestes a descobrir que, mesmo na prisão, o destino tinha seus próprios planos para mim.
Santa Helena não era apenas uma prisão. Era uma pequena cidade cercada por muros altos e vigilância pesada, onde cada ala tinha suas próprias leis e líderes. A Ala Norte, onde eu agora estava, era o território das mulheres mais perigosas: assassinas, traficantes e criminosas que lideravam negócios fora e dentro dos muros da penitenciária.
Serpente era a figura que reunia e controlava tudo o que tinha valor ali dentro — drogas, cigarros, informações e até alguns dos guardas mais corruptos. Ela não liderava pela força física, mas pela inteligência afiada e uma crueldade meticulosa.
A Ala Sul era ocupada por novatas e criminosas de menor periculosidade, muitas delas mal preparadas para o inferno que as aguardava. Já a Ala Central era onde se localizavam a enfermaria, a solitária e os escritórios administrativos. A diretora Sônia Vidal comandava a prisão com a frieza de quem não se importa se você vive ou morre, contanto que ninguém manche sua reputação na mídia. Santa Helena funcionava porque todos sabiam o lugar que deviam ocupar — e porque a violência mantinha tudo no lugar.
No pátio, enquanto detentas negociavam cigarros e os guardas patrulhavam com olhos entediados, Serpente apareceu ao meu lado, como uma sombra. Havia algo inquietante em sua postura relaxada, como se ela soubesse que ninguém ousaria contestá-la.
— E então, princesa? Vai entrar ou vai continuar tentando sobreviver sozinha? — Serpente perguntou, sem tirar os olhos de um grupo de detentas que fumavam no canto.
Eu sabia que o momento havia chegado. Era aceitar a aliança com Serpente ou aceitar a morte iminente. Não havia espaço para orgulho ou hesitação.
— O que você quer que eu faça? — perguntei.
Ela sorriu, um sorriso lento e perigoso, como se já soubesse que eu diria sim.
— Começamos simples. Um favor pra uma das guardas. Leva isso pra Guimarães. — Ela me entregou um maço de cigarros amassado. “Isso” não era apenas tabaco — era moeda de troca.
— Por que eu?
Serpente se aproximou, e o cheiro de perfume barato misturado ao suor dela me invadiu.
— Porque você ainda parece limpa demais. Guardas como Guimarães adoram pessoas assim.
Enquanto atravessava os corredores em direção à guarita de Guimarães, meu corpo começou a trair a fachada de força que eu tentava manter. Uma tontura repentina fez o corredor girar à minha volta, e tive que me apoiar na parede para não cair. O cheiro de comida requentada que vinha do refeitório me virou o estômago, e a náusea subiu como uma maré avassaladora.
Eu engoli seco e continuei andando, mas meu corpo estava enviando sinais que eu ainda tentava ignorar. Atraso na menstruação, enjoo constante, um cansaço que parecia não ter fim... Algo dentro de mim sussurrava a verdade que eu não queria encarar.
— Você tá pálida, princesa. Não vai vomitar em cima de mim, né? — brincou uma detenta que passou por mim.
Eu me forcei a continuar. Mostrar fraqueza era um erro fatal naquele lugar.
Guimarães estava de guarda na ala das celas quando cheguei até ela. Seu uniforme desbotado cheirava a cigarro e desodorante vencido. Quando viu o maço que eu trazia na mão, um brilho de interesse passou pelos seus olhos.
— Serpente quer saber se você vai colaborar. — murmurei, entregando o maço de cigarros.
Ela deu um sorriso preguiçoso e pegou o pacote.
— Sempre posso colaborar, desde que seja lucrativo. E Serpente sempre faz valer a pena.
A transação foi rápida, simples. Eu tinha dado meu primeiro passo para dentro do mundo de Serpente. Agora, oficialmente, eu fazia parte do esquema dela — e isso significava tanto proteção quanto dívida. Na prisão, favores sempre cobravam um preço.
De volta ao pátio, Serpente me esperava com aquele olhar de quem estava sempre três passos à frente de todo mundo.
— Bom trabalho, princesa. Agora você tá dentro. — Ela acendeu um cigarro e jogou a caixa vazia no chão. O som oco do papel batendo no concreto soou como um contrato selado.
— Isso é tudo? — perguntei, tentando não demonstrar o enjoo crescente.
Serpente soltou a fumaça devagar, como se saboreasse cada segundo.
— Não, Viúva... Quer dizer, princesa. Isso é só o começo. E aqui, o começo sempre é o mais fácil.
"Filha da put@", murmurei para mim mesma.
Naquela noite, deitada no colchão fino e sujo da cela, a tontura voltou com força. A última vez que estive com Fonseca foi na noite antes da morte arrancar ele de mim. A lembrança daquela noite voltou à minha mente como uma lâmina afiada.
Lágrimas quentes escorreram pelo canto dos meus olhos. Na prisão, lágrimas eram um luxo que ninguém podia se dar, mas, naquele momento, eu não consegui segurá-las. Eu chorava não apenas por mim, mas pela dúvida e essa sensação de que havia algo de errado dentro de mim — Talves uma vida condenada antes mesmo de nascer.
Rosa, deitada na cama ao lado, ouviu meu choro abafado e deu uma risadinha cruel.
— Tá chorando por quê, princesa? Descobriu que tá carregando um souvenir do magnata?
Eu fechei os olhos, tentando controlar a respiração. Eu não podia fraquejar. Agora, mais do que nunca, eu precisava ser forte. Se for verdade.
A partir daquele momento, tudo mudou mesmo ainda com as minhas incertezas. Minha sobrevivência não era mais apenas por mim. Eu precisava sobreviver.
Naquela noite, Serpente apareceu na cela, como se soubesse exatamente o que estava passando pela minha cabeça. Seu sorriso era um aviso e uma promessa.
— Agora você entende o que significa lutar. Seja bem-vinda ao jogo, princesa.
E eu entendi. A partir daquele momento, não havia mais espaço para medo ou hesitação. Eu faria o que fosse necessário para sobreviver — por mim, e fiz a promessa silenciosa de vingança que agora queimava em meu peito.
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Atualizado até capítulo 65
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