Capítulo 2: Primeira Noite na Cela 676

O som da porta de ferro se fechando ecoou pelo corredor, como o martelo de um juiz selando meu destino. Senti o peso do ar abafado e úmido da prisão se infiltrando em cada poro da minha pele. A cela era pequena demais para três pessoas, e a escuridão parecia uma camada extra de sujeira. A única iluminação vinha de um fiapo de luz amarelada que passava por uma janela minúscula, alta demais para qualquer uma de nós alcançar.

Assim que fui empurrada para dentro, tropecei e quase caí. O frio do concreto me atravessou como uma lâmina. A guarda não perdeu tempo em bater a porta, trancando-me ali com duas estranhas. Elas me olharam como quem avalia um pedaço de carne jogado aos lobos.

— Nova no pedaço, hein? — A voz veio da cama superior de uma das beliches. A mulher estalou a língua, claramente insatisfeita. — Isso aqui tá virando festa... Mais uma pra dividir o buraco.

A outra, sentada no canto com um cigarro feito à mão entre os dedos, me olhou de cima a baixo. O rosto dela era marcado por cicatrizes antigas, e o olhar trazia um cansaço que parecia eterno.

— Você tem cara de patricinha — disse a mulher do cigarro, soltando uma nuvem de fumaça. — Acha que vai durar quanto tempo aqui, princesa?

Segurei a vontade de responder. Me ensinaram desde cedo a não demonstrar fraqueza, mas ali eu já sabia que não importava o que dissesse. Eu era um peixe fora d’água, e elas sabiam disso.

— Tem nome, ou vou te chamar de princesa até você chorar? — perguntou a do cigarro, sem muita paciência.

— Suraya — murmurei, a voz falhando um pouco.

A mulher estalou a língua novamente, irritada.

— Fala alto, porra. Aqui ninguém vai te ouvir se você falar assim.

— Suraya — repeti, firme.

A outra desceu da beliche com um salto ágil, parando bem na minha frente. Ela tinha cabelos crespos presos em um rabo de cavalo malfeito e um ar de superioridade.

— Eu sou Rosa — disse ela, colocando uma mão na cintura. — E aquela ali é Janaína. Agora que você sabe nossos nomes, fica ligada: aqui não tem “amizade”. Ou você aprende a andar na linha ou vai aprender do jeito difícil. Sacou?

— Saquei.

Rosa e Janaína trocaram um olhar, avaliando se eu era só mais uma patricinha perdida ou alguém que podia ser útil. O veredicto delas, pelo menos naquele momento, não parecia dos melhores.

— E fica no canto, tá bom? — Rosa indicou o colchão mais sujo e fino da cela. — Essa é sua cama agora. Não encosta nas nossas coisas e não abre a boca pra nada. Não estamos aqui pra segurar a mão de ninguém.

Eu apenas assenti, engolindo em seco. Fui até o canto indicado e me sentei devagar no colchão, que cheirava a mofo e suor antigo. Cada fibra daquele lugar parecia carregar a história de quem havia passado por ali. Eu me deitei, puxando meus joelhos para perto do peito. Naquele momento, o frio do concreto era a menor das minhas preocupações. A escuridão se fechava ao meu redor, sufocando qualquer resquício de esperança.

O Primeiro Impacto

O silêncio da cela foi quebrado por risos abafados vindos de outras celas. Vozes se misturavam, algumas zombando, outras sussurrando ameaças. Aquele era um mundo onde a sobrevivência não dependia apenas da força física, mas também de astúcia e alianças.

Eu fechei os olhos por alguns segundos, tentando ignorar a dor que latejava na minha cabeça. Desde a condenação, não tive um momento para processar o que estava acontecendo. A vida que eu conhecia havia sido arrancada de mim no tribunal, e agora eu estava ali, jogada como uma carta fora do baralho.

Rosa e Janaína conversavam baixinho entre si, provavelmente me ignorando. Achei que seria melhor assim. A última coisa que eu precisava naquela noite era provocar alguma delas. Mas a tranquilidade não durou muito.

— Ei, novata — chamou Rosa. — Vai querer comer ou já tá pensando em bater as botas?

Levantei a cabeça devagar. Ela segurava um prato de metal com uma porção de arroz grudado e feijão ralo.

— Melhor comer — disse Janaína, sem olhar para mim. — Aqui, ou você come ou alguém come você. E não é só comida que roubam, sabe?

Eu sabia exatamente o que ela queria dizer. Peguei o prato, tentando não demonstrar a náusea que subia pela garganta. Comi devagar, cada garfada mais amarga que a anterior.

— Tá aprendendo rápido, princesa — comentou Rosa, rindo. — Vamos ver quanto tempo você aguenta.

O Primeiro Ataque

A noite caiu, e o pouco barulho que restava foi sumindo aos poucos. Mas ali, o perigo nunca dormia. Eu estava quase pegando no sono quando ouvi o som suave de passos. Abri os olhos e vi uma sombra se movendo perto da grade da cela.

— Levanta, novata.

Antes que pudesse reagir, senti uma mão áspera me puxando pelos cabelos. Fui arrastada para o meio da cela, enquanto Rosa e Janaína se afastavam, como se já soubessem o que estava prestes a acontecer.

— Seja bem-vinda ao inferno, princesa — sussurrou uma voz feminina.

Uma pancada acertou minha costela, tirando o ar dos meus pulmões. Caí no chão, engasgando e tentando respirar, mas outra pancada veio, dessa vez no estômago. A dor era insuportável.

As risadas ao redor eram abafadas, mas eu conseguia ouvi-las claramente. Era um ritual de boas-vindas, uma forma de deixar claro quem mandava ali. Eu sabia que, se não reagisse, seria apenas o começo de uma longa sequência de abusos.

Com o pouco ar que consegui puxar, dei um chute no joelho de uma das agressoras. Ela tropeçou para trás, xingando. Não era muito, mas foi o suficiente para que as outras recuassem por um momento.

— Olha só... A princesa sabe brigar.

Antes que pudessem atacar novamente, o som de passos pesados ecoou pelo corredor. As agressoras desapareceram na escuridão, como ratos fugindo da luz. As guardas estavam chegando.

— Tudo certo aqui? — perguntou uma delas, a voz carregada de sarcasmo. Era Inês, uma das guardas mais temidas. Ela olhou para mim com um sorriso perverso. — Primeira noite é sempre assim, novata. Mas relaxa... Isso foi só o começo.

Deitei-me de volta no colchão imundo, cada músculo doendo, mas a mente fervendo. Naquele momento, percebi que ninguém viria me salvar. Não importava o que eu fosse antes, ali dentro eu era apenas mais uma. Ou eu aprendia a sobreviver ou seria consumida por aquele lugar.

Eu fechei os olhos, tentando não chorar. As lágrimas não me ajudariam. As únicas coisas que importavam ali eram força e estratégia. E, de alguma forma, eu teria que encontrar as duas dentro de mim.

A partir daquele momento, a menina assustada que entrou na prisão começou a morrer lentamente. Eu não sabia no que me transformaria, mas uma coisa era certa: quem quer que eu fosse se tornaria forte o suficiente para nunca mais ser puxada pelo cabelo como naquela noite.

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Maria Das Graça

Maria Das Graça

Ela vai dar a volta por cima.

2024-12-27

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Capítulos
1 Avisos
2 Prólogo
3 Capítulo 1: O começo do Fim
4 Capítulo 2: Primeira Noite na Cela 676
5 Capítulo 3: Tortura e Quebra Psicológica
6 Capítulo 4: Primeiras Lições na Cela
7 Capítulo 5: A Primeira Tentativa de Assassinato
8 Capítulo 6: Primeiras Suspeitas e Conflito Interno
9 Capítulo 7: Aliança com a Serpente
10 Capítulo 8: Confirmação Brutal
11 Capítulo 9: Alianças e Sobrevivência
12 Capítulo 10: O Corpo Cobra seu Preço
13 Capítulo 11: A Chegada de Valquíria
14 Capítulo 12: A Primeira Grande Tarefa
15 Capítulo 13: Mudanças no Poder
16 Capítulo 14: O Preço das Dívidas
17 Capítulo 15: A Manipulação das Guardas
18 Capítulo 16: Dúvidas sobre a Maternidade
19 Capítulo 17: Crescendo na Hierarquia
20 Capítulo 18: A Segunda Tentativa de Reabrir o Caso
21 Capítulo 19: O Jogo da Sobrevivência
22 Capítulo 20: O Último Trimestre
23 Palavra do Autor - Uma Pausa para conversamos
24 Capítulo 21: A Filha Arrancada
25 Capítulo 22: A Tortura Final
26 Capítulo 23: A Escuridão
27 Capítulo 24: O Grande Confronto
28 Capítulo 25: O que tem lá Fora?
29 Capítulo 26: Cada Um paga a sua dívida
30 Capítulo 27: O Passado de Sônia Vidal
31 Capítulo 28: O Controle Total
32 Capítulo 29: A História de Rato
33 Capítulo 30: Laila e o Futuro
34 Capítulo 31: A Revolta e Queda
35 Palavra do Autor: Vamos Conversar Sobre a Nossa Viúva?
36 Capítulo 32: O Retorno da Viúva
37 Capítulo 33: O Retorno da Viúva - Parte II
38 Capítulo 34: As Sombras se Movem
39 Capítulo 35: Lembranças de Belo Monte
40 Capítulo 36: O Preço da Dívida
41 Capítulo 37: O Novo Diretor
42 Capítulo 38: Reflexos de um Sistema Quebrado
43 Capítulo 39: O Estopim do Caos
44 Capítulo 40: Sementes de Rebelião
45 Capítulo 41: A Tempestade Se Aproxima
46 Capítulo 42: A Proposta de Aliança de Rato
47 Capítulo 43: Humilhação e Rebelião Sutil
48 Capítulo 44: A Traição e o Assassinato de Marília
49 Capítulo 45: O Estopim da Rebelião
50 Capítulo 46: O Diretor e a Viúva
51 Capítulo 47: A Negociação das Sombras
52 Capítulo 48: O Monopólio da Viúva
53 Capítulo 49: A Infiltração da Ordem
54 Capítulo 50: O Ataque na Sombra
55 Capítulo 51: A Reabertura do Caso
56 Capítulo 52: Confronto com o Passado
57 Capítulo 53: O Encontro com Ayana
58 Capítulo 54: O Declínio do Diretor
59 Capítulo 55: A Grande Batalha
60 Capítulo 56: A Tentativa de Assassinato
61 Capítulo 57: A Carta e a Despedida
62 Capítulo 58: O Coração de Santa Helena Parte
63 Capítulo 59: A Última Palavra
64 Epílogo: Liberdade
65 Nota de Agradecimento aos Leitores
Capítulos

Atualizado até capítulo 65

1
Avisos
2
Prólogo
3
Capítulo 1: O começo do Fim
4
Capítulo 2: Primeira Noite na Cela 676
5
Capítulo 3: Tortura e Quebra Psicológica
6
Capítulo 4: Primeiras Lições na Cela
7
Capítulo 5: A Primeira Tentativa de Assassinato
8
Capítulo 6: Primeiras Suspeitas e Conflito Interno
9
Capítulo 7: Aliança com a Serpente
10
Capítulo 8: Confirmação Brutal
11
Capítulo 9: Alianças e Sobrevivência
12
Capítulo 10: O Corpo Cobra seu Preço
13
Capítulo 11: A Chegada de Valquíria
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Capítulo 12: A Primeira Grande Tarefa
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Capítulo 13: Mudanças no Poder
16
Capítulo 14: O Preço das Dívidas
17
Capítulo 15: A Manipulação das Guardas
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Capítulo 16: Dúvidas sobre a Maternidade
19
Capítulo 17: Crescendo na Hierarquia
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Capítulo 18: A Segunda Tentativa de Reabrir o Caso
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Capítulo 20: O Último Trimestre
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Palavra do Autor - Uma Pausa para conversamos
24
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25
Capítulo 22: A Tortura Final
26
Capítulo 23: A Escuridão
27
Capítulo 24: O Grande Confronto
28
Capítulo 25: O que tem lá Fora?
29
Capítulo 26: Cada Um paga a sua dívida
30
Capítulo 27: O Passado de Sônia Vidal
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Capítulo 28: O Controle Total
32
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33
Capítulo 30: Laila e o Futuro
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Capítulo 32: O Retorno da Viúva
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Capítulo 33: O Retorno da Viúva - Parte II
38
Capítulo 34: As Sombras se Movem
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Capítulo 35: Lembranças de Belo Monte
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Capítulo 36: O Preço da Dívida
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Capítulo 37: O Novo Diretor
42
Capítulo 38: Reflexos de um Sistema Quebrado
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Capítulo 39: O Estopim do Caos
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Capítulo 40: Sementes de Rebelião
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Capítulo 44: A Traição e o Assassinato de Marília
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Capítulo 45: O Estopim da Rebelião
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Capítulo 46: O Diretor e a Viúva
51
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Capítulo 48: O Monopólio da Viúva
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Capítulo 49: A Infiltração da Ordem
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Capítulo 50: O Ataque na Sombra
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Capítulo 51: A Reabertura do Caso
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