O som da porta de ferro se fechando ecoou pelo corredor, como o martelo de um juiz selando meu destino. Senti o peso do ar abafado e úmido da prisão se infiltrando em cada poro da minha pele. A cela era pequena demais para três pessoas, e a escuridão parecia uma camada extra de sujeira. A única iluminação vinha de um fiapo de luz amarelada que passava por uma janela minúscula, alta demais para qualquer uma de nós alcançar.
Assim que fui empurrada para dentro, tropecei e quase caí. O frio do concreto me atravessou como uma lâmina. A guarda não perdeu tempo em bater a porta, trancando-me ali com duas estranhas. Elas me olharam como quem avalia um pedaço de carne jogado aos lobos.
— Nova no pedaço, hein? — A voz veio da cama superior de uma das beliches. A mulher estalou a língua, claramente insatisfeita. — Isso aqui tá virando festa... Mais uma pra dividir o buraco.
A outra, sentada no canto com um cigarro feito à mão entre os dedos, me olhou de cima a baixo. O rosto dela era marcado por cicatrizes antigas, e o olhar trazia um cansaço que parecia eterno.
— Você tem cara de patricinha — disse a mulher do cigarro, soltando uma nuvem de fumaça. — Acha que vai durar quanto tempo aqui, princesa?
Segurei a vontade de responder. Me ensinaram desde cedo a não demonstrar fraqueza, mas ali eu já sabia que não importava o que dissesse. Eu era um peixe fora d’água, e elas sabiam disso.
— Tem nome, ou vou te chamar de princesa até você chorar? — perguntou a do cigarro, sem muita paciência.
— Suraya — murmurei, a voz falhando um pouco.
A mulher estalou a língua novamente, irritada.
— Fala alto, porra. Aqui ninguém vai te ouvir se você falar assim.
— Suraya — repeti, firme.
A outra desceu da beliche com um salto ágil, parando bem na minha frente. Ela tinha cabelos crespos presos em um rabo de cavalo malfeito e um ar de superioridade.
— Eu sou Rosa — disse ela, colocando uma mão na cintura. — E aquela ali é Janaína. Agora que você sabe nossos nomes, fica ligada: aqui não tem “amizade”. Ou você aprende a andar na linha ou vai aprender do jeito difícil. Sacou?
— Saquei.
Rosa e Janaína trocaram um olhar, avaliando se eu era só mais uma patricinha perdida ou alguém que podia ser útil. O veredicto delas, pelo menos naquele momento, não parecia dos melhores.
— E fica no canto, tá bom? — Rosa indicou o colchão mais sujo e fino da cela. — Essa é sua cama agora. Não encosta nas nossas coisas e não abre a boca pra nada. Não estamos aqui pra segurar a mão de ninguém.
Eu apenas assenti, engolindo em seco. Fui até o canto indicado e me sentei devagar no colchão, que cheirava a mofo e suor antigo. Cada fibra daquele lugar parecia carregar a história de quem havia passado por ali. Eu me deitei, puxando meus joelhos para perto do peito. Naquele momento, o frio do concreto era a menor das minhas preocupações. A escuridão se fechava ao meu redor, sufocando qualquer resquício de esperança.
O Primeiro Impacto
O silêncio da cela foi quebrado por risos abafados vindos de outras celas. Vozes se misturavam, algumas zombando, outras sussurrando ameaças. Aquele era um mundo onde a sobrevivência não dependia apenas da força física, mas também de astúcia e alianças.
Eu fechei os olhos por alguns segundos, tentando ignorar a dor que latejava na minha cabeça. Desde a condenação, não tive um momento para processar o que estava acontecendo. A vida que eu conhecia havia sido arrancada de mim no tribunal, e agora eu estava ali, jogada como uma carta fora do baralho.
Rosa e Janaína conversavam baixinho entre si, provavelmente me ignorando. Achei que seria melhor assim. A última coisa que eu precisava naquela noite era provocar alguma delas. Mas a tranquilidade não durou muito.
— Ei, novata — chamou Rosa. — Vai querer comer ou já tá pensando em bater as botas?
Levantei a cabeça devagar. Ela segurava um prato de metal com uma porção de arroz grudado e feijão ralo.
— Melhor comer — disse Janaína, sem olhar para mim. — Aqui, ou você come ou alguém come você. E não é só comida que roubam, sabe?
Eu sabia exatamente o que ela queria dizer. Peguei o prato, tentando não demonstrar a náusea que subia pela garganta. Comi devagar, cada garfada mais amarga que a anterior.
— Tá aprendendo rápido, princesa — comentou Rosa, rindo. — Vamos ver quanto tempo você aguenta.
O Primeiro Ataque
A noite caiu, e o pouco barulho que restava foi sumindo aos poucos. Mas ali, o perigo nunca dormia. Eu estava quase pegando no sono quando ouvi o som suave de passos. Abri os olhos e vi uma sombra se movendo perto da grade da cela.
— Levanta, novata.
Antes que pudesse reagir, senti uma mão áspera me puxando pelos cabelos. Fui arrastada para o meio da cela, enquanto Rosa e Janaína se afastavam, como se já soubessem o que estava prestes a acontecer.
— Seja bem-vinda ao inferno, princesa — sussurrou uma voz feminina.
Uma pancada acertou minha costela, tirando o ar dos meus pulmões. Caí no chão, engasgando e tentando respirar, mas outra pancada veio, dessa vez no estômago. A dor era insuportável.
As risadas ao redor eram abafadas, mas eu conseguia ouvi-las claramente. Era um ritual de boas-vindas, uma forma de deixar claro quem mandava ali. Eu sabia que, se não reagisse, seria apenas o começo de uma longa sequência de abusos.
Com o pouco ar que consegui puxar, dei um chute no joelho de uma das agressoras. Ela tropeçou para trás, xingando. Não era muito, mas foi o suficiente para que as outras recuassem por um momento.
— Olha só... A princesa sabe brigar.
Antes que pudessem atacar novamente, o som de passos pesados ecoou pelo corredor. As agressoras desapareceram na escuridão, como ratos fugindo da luz. As guardas estavam chegando.
— Tudo certo aqui? — perguntou uma delas, a voz carregada de sarcasmo. Era Inês, uma das guardas mais temidas. Ela olhou para mim com um sorriso perverso. — Primeira noite é sempre assim, novata. Mas relaxa... Isso foi só o começo.
Deitei-me de volta no colchão imundo, cada músculo doendo, mas a mente fervendo. Naquele momento, percebi que ninguém viria me salvar. Não importava o que eu fosse antes, ali dentro eu era apenas mais uma. Ou eu aprendia a sobreviver ou seria consumida por aquele lugar.
Eu fechei os olhos, tentando não chorar. As lágrimas não me ajudariam. As únicas coisas que importavam ali eram força e estratégia. E, de alguma forma, eu teria que encontrar as duas dentro de mim.
A partir daquele momento, a menina assustada que entrou na prisão começou a morrer lentamente. Eu não sabia no que me transformaria, mas uma coisa era certa: quem quer que eu fosse se tornaria forte o suficiente para nunca mais ser puxada pelo cabelo como naquela noite.
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Atualizado até capítulo 65
Comments
Maria Das Graça
Ela vai dar a volta por cima.
2024-12-27
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