Na prisão, não demora muito para você perceber que cada minuto é um teste. Não existem momentos neutros. Cada palavra que você diz, cada olhar que troca, pode definir se você vai sobreviver ou não. E eu estava aprendendo isso do jeito mais difícil.
Na manhã seguinte, a cela estava tomada por uma luz cinza e opaca. A umidade havia deixado os colchões ainda mais pesados, e o cheiro de cigarro e suor impregnava o ar. Rosa já estava acordada, sentada na cama superior com as pernas balançando. Janaína, como sempre, fumava seu cigarro enrolado à mão.
— Você ainda tá aqui, hein? Parabéns, princesa. — Rosa debochou, inclinando a cabeça. — Me fala, dormiu bem no nosso resort cinco estrelas?
— Você não morre fácil, pelo visto. Isso é bom. — comentou Janaína com um sorriso torto, como se já soubesse algo sobre mim que eu mesma ainda não sabia.
Ignorei as provocações. Ainda sentia as costelas doloridas das pancadas, e minha cabeça latejava, lembrando-me da sessão de tortura da noite anterior. Cada músculo do meu corpo doía, mas se eu queria sobreviver, precisava aprender a fingir que não estava quebrada.
Os minutos passaram arrastados até que Rosa finalmente quebrou o silêncio.
— Escuta, novata. Deixa eu te explicar como as coisas funcionam aqui antes que você acabe morta ou pior.
Ela se deitou de barriga para cima, apoiando a cabeça nas mãos, e começou a falar em um tom entediado, como se estivesse repetindo algo pela milésima vez.
— Primeiro, nunca confie em ninguém. Nem nas guardas, nem nas outras detentas. Nem em nós, na real. Todo mundo aqui tá jogando o próprio jogo. E se você não souber jogar, vai ser só mais uma estatística.
— Segunda coisa, — acrescentou Janaína, soprando a fumaça do cigarro. — Fique longe das dívidas. Se você dever algo pra alguém, pode dar adeus à paz. E não é só cigarro e droga que cobram, não. Aqui a dívida é com o corpo também, e, às vezes, nem isso paga.
Aquelas palavras me fizeram estremecer por dentro, mas eu mantive o rosto inexpressivo.
— Terceira regra: — continuou Rosa. — Se alguém te fizer um favor, tenha certeza de que você vai pagar de volta em dobro. E rápido. Aqui ninguém é bonzinho, entendeu? Se te ajudam, é porque querem algo em troca.
Eu apenas assenti, guardando aquelas palavras na mente.
Enquanto Rosa e Janaína falavam, uma batida rápida na grade nos interrompeu. Uma mulher alta e magra apareceu na entrada. O rosto era marcado por cicatrizes que pareciam contar histórias de batalhas antigas. Ela usava o uniforme sujo com a confiança de quem sabe que manda ali dentro.
— O nome dela é Simone. Mas todo mundo chama de Ruiva. — sussurrou Janaína, baixinho. — Melhor você não arrumar confusão com essa aí.
— Preciso de um cigarro, Janaína. Agora. — disse Ruiva, sem rodeios.
— Tô sem nada hoje, Ruiva. Prometo que na próxima eu arrumo. — respondeu Janaína, num tom nervoso que não combinava com ela.
Ruiva lançou um olhar gelado para todas nós. Por um segundo, achei que ela fosse arrastar Janaína para fora da cela ali mesmo.
— Sem próxima. Você me deve, e eu vou cobrar logo. — disse Ruiva, dando um sorriso que não tinha nada de amigável. Então se virou e foi embora, deixando para trás um rastro de tensão no ar.
Quando ela desapareceu no corredor, Rosa deu uma risadinha cínica.
— E é assim que funciona, novata. Aprende rápido ou você tá ferrada.
Quando o sinal para o banho de sol soou, descemos juntas para o pátio. O sol fraco mal conseguia atravessar as nuvens pesadas, mas o pátio ainda estava cheio de detentas. Umas trocavam cigarros e objetos furtados, outras apenas observavam de longe, como predadores esperando a oportunidade perfeita. Era como um mercado a céu aberto, só que as mercadorias eram a sobrevivência.
Eu me sentei em um canto, tentando passar despercebida. Foi quando a vi pela primeira vez: Serpente. Ela estava de pé junto à cerca do pátio, com uma postura relaxada, mas havia algo na maneira como todos ao redor dela se comportavam. Ela não precisava falar para ser temida — sua presença era o suficiente.
— Quem é ela? — perguntei baixinho para Janaína.
— Serpente. Ela manda em quase tudo aqui dentro. Controle de cigarro, drogas, contrabando... Você não quer se meter com ela.
Mas, mesmo sabendo disso, não conseguia tirar os olhos dela. Serpente parecia diferente de todas as outras detentas. Havia uma calma perigosa nela, como se o caos fosse algo com o qual ela sabia lidar melhor do que qualquer pessoa.
Como se percebesse meu olhar, Serpente se virou e, por um breve momento, nossos olhares se cruzaram. Senti um calafrio subir pela espinha. Ela sorriu — não um sorriso gentil, mas o tipo de sorriso que faz você questionar se acabou de ganhar ou perder um jogo que nem sabia que estava jogando.
De volta à cela, eu tentava esquecer aquele olhar, mas era impossível. Algo me dizia que aquele encontro não seria o último. Janaína e Rosa também perceberam.
— A Serpente te notou, hein? Isso não é bom. — comentou Janaína, acendendo outro cigarro com dedos trêmulos.
— Se liga, princesa. Se ela te notar de verdade, você tem dois caminhos: ou vira capacho dela... ou morta.
Eu não respondi. O medo tentava apertar meu peito, mas eu o empurrei para o fundo da mente. Aqui, você não tem espaço para medo. O medo é um luxo que ninguém pode se dar.
Naquela noite, deitada no colchão imundo, fiquei encarando o teto, revendo tudo que havia acontecido até agora. Cada golpe, cada humilhação. As palavras de Rosa, de Janaína, e o olhar de Serpente. Eu precisava entender rápido como aquele lugar funcionava.
Lá fora, eu era a viúva de um magnata. Aqui, eu era apenas Suraya, mais uma condenada. Mas uma coisa era certa: não ficaria assim para sempre. Eu ainda não sabia como, mas algo dentro de mim estava mudando. Eu estava morrendo aos poucos, e uma nova parte de mim começava a nascer.
Se sobreviver significava me tornar alguém que eu jamais imaginei ser, então que assim fosse. Eu faria o que fosse necessário.
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Atualizado até capítulo 65
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