As manhãs em Belo Monte sempre começavam da mesma forma, mas dentro de nossa casa, cada dia parecia trazer uma nova carga de tensão. A fazenda seguia seu curso natural, mas as pessoas que a habitavam estavam distantes e desconectadas. Contudo, em meio ao caos, havia uma constante que nos mantinha unidos: a relação entre eu, Anaya e Ayana.
Nossas personalidades não poderiam ser mais diferentes. Anaya, com seus 16 anos, era prática e direta, sempre tentando encontrar uma solução para os problemas que enfrentávamos, mas sem se deixar abalar pelos sentimentos. Ela mantinha uma fachada de frieza, mas eu sabia que, por dentro, também sofria. Já Ayana, com apenas 12 anos, era o oposto. Sensível e sonhadora, ela vivia em um mundo de fantasias, talvez como uma forma de escapar da realidade dura que nos cercava.
Quanto a mim, eu era uma mistura das duas. Havia dias em que eu me sentia forte, como Anaya, pronta para enfrentar qualquer desafio. Mas havia outros dias em que eu queria apenas me encolher em um canto e sonhar, como Ayana, desejando que tudo não passasse de um pesadelo. Talvez fosse essa dualidade que me tornava a irmã intermediária, aquela que tentava manter o equilíbrio entre todas.
Naquele dia, enquanto o sol ainda se erguia preguiçosamente no horizonte, eu decidi que precisava fazer algo para aliviar a tensão. Não aguentava mais ver Anaya e Ayana tão distantes, como se a casa tivesse dividido nossas almas. Com isso em mente, fui até o quarto delas logo após o café da manhã.
– Vamos dar uma caminhada pelo campo hoje – sugeri, tentando soar animada.
Anaya, que estava sentada na cama amarrando as botas, levantou os olhos para mim com uma expressão de ceticismo.
– Sério! E o que isso vai resolver? – ela perguntou, com o tom que só uma adolescente desiludida poderia ter.
– Não vai resolver nada, mas vai nos dar uma chance de respirar um pouco. De fugir dessa atmosfera pesada – eu argumentei.
Ayana, que estava distraída com um caderno de desenhos, levantou a cabeça e seus olhos brilharam com a ideia.
– Boa! Podemos ir até o riacho? Eu amo ver as borboletas por lá – disse, com uma empolgação que me fez sorrir.
Anaya revirou os olhos, mas eu podia ver que, apesar de seu desdém, a ideia de uma pausa também lhe parecia atraente. No fundo, todos precisávamos de um momento para fugir da realidade.
Depois de alguma insistência, consegui convencê-las, e logo estávamos caminhando pelo campo, os primeiros raios de sol iluminando as folhas orvalhadas e trazendo uma sensação de renovação. O cheiro de terra molhada e o som dos pássaros cantando no fundo eram quase terapêuticos.
Enquanto caminhávamos, eu podia sentir a tensão entre nós diminuindo gradualmente. Não éramos mais as meninas presas em uma casa cheia de brigas e ressentimentos. Aqui, éramos apenas irmãs, conectadas por algo que ia além das palavras.
– Lembra quando éramos pequenas e vovô nos levava para pescar nesse riacho? – perguntei, tentando trazer à tona uma lembrança feliz.
Anaya assentiu, um sorriso suave surgindo em seus lábios.
– Ele sempre dizia que a paciência era a maior virtude de um pescador. Acho que ele estava tentando nos ensinar a esperar por tempos melhores – ela disse, com uma ponta de melancolia na voz.
Ayana correu à nossa frente, tentando pegar uma borboleta que passava por nós.
– Eu adorava quando vovô contava histórias sobre as sereias que viviam nas águas do riacho. Naquela época, eu realmente acreditava que uma delas apareceria para nós – ela disse, rindo de si mesma.
– Talvez elas ainda estejam lá, esperando por alguém que acredite o suficiente para vê-las – eu brinquei, entrando na fantasia por um momento.
Chegamos ao riacho e nos sentamos na margem, observando a água cristalina fluir suavemente sobre as pedras. A correnteza era calma, assim como a brisa que balançava suavemente as folhas das árvores ao redor. Era um lugar que sempre nos trouxe paz, mesmo que por breves momentos.
Enquanto Anaya jogava algumas pedras na água, criando pequenos círculos na superfície, Ayana se deitou na grama, os olhos fixos no céu azul. Eu as observava, sentindo um misto de tristeza e ternura. Sabia que aqueles momentos eram preciosos, mas também sabia que não durariam para sempre.
– Vocês acham que as coisas um dia vão melhorar? – Ayana perguntou de repente, sua voz suave, quase como se estivesse falando consigo mesma.
Eu troquei um olhar com Anaya, sem saber como responder. Queria dar esperança à minha irmã mais nova, queria dizer que tudo ficaria bem, mas a realidade não era tão simples. Ainda assim, era meu dever, como irmã mais velha, tentar manter viva a chama da esperança.
– Tudo na vida é passageiro, Ayana – comecei, escolhendo minhas palavras com cuidado. – As coisas estão difíceis agora, mas eu acredito que podemos encontrar uma maneira de seguir em frente. Precisamos continuar unidas, porque é isso que vai nos manter fortes.
Anaya, que até então estava em silêncio, finalmente falou.
– Temos que nos apoiar, porque, no fim, só temos umas às outras. Se ficarmos juntas, podemos enfrentar qualquer coisa – disse, sua voz firme, mas com um tom de vulnerabilidade que raramente mostrava.
Ayana sorriu, parecendo aliviada com as nossas palavras. Ela se sentou e pegou minha mão e a de Anaya, unindo-nos em um gesto silencioso de solidariedade. Era um simples toque, mas naquele momento, era tudo o que precisávamos.
Passamos mais algum tempo no riacho, conversando sobre coisas triviais, rindo de lembranças antigas e tentando, por algumas horas, esquecer dos problemas que nos aguardavam em casa. Aqueles momentos eram como um bálsamo, uma trégua no meio da tempestade.
Quando o sol começou a descer, iluminando o campo com uma luz dourada, soubemos que era hora de voltar. O caminho de volta foi tranquilo, quase silencioso, mas dessa vez o silêncio não era opressor. Era um silêncio confortável, carregado de compreensão mútua.
Ao chegarmos em casa, o som de pratos quebrando e gritos nos saudou. A realidade voltava a nos puxar para o caos. Papai e mamãe estavam novamente envolvidos em uma briga feroz, e o ar parecia pesado, como se a casa estivesse prestes a desmoronar sob a pressão.
Olhei para minhas irmãs, e vi o medo retornar aos seus olhos. Aquele momento de paz no riacho parecia agora tão distante quanto um sonho.
– Vamos para o quarto – disse Anaya, tomando a dianteira. Era uma tentativa de nos proteger, de criar uma barreira entre nós e a realidade dura que estava se desenrolando diante de nós.
No entanto, mesmo enquanto subíamos as escadas, o som dos gritos penetrava as paredes, e eu sabia que não havia como fugir completamente. O que nos restava era o consolo umas das outras, a única coisa que ainda tínhamos.
Enquanto fechávamos a porta do quarto, abafando parcialmente o som da briga lá embaixo, eu não conseguia evitar a sensação de que algo estava prestes a mudar drasticamente em nossas vidas, e o que quer que fosse, não seríamos mais as mesmas ao final.
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Atualizado até capítulo 47
Comments
S.Kalks
Autora perdoe-me, mas elas passaram o dia inteiro no riacho? sem comer? beber? e os deveres?
2025-03-31
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Josevaldo Antunes
com essas brigas quem sofre são os filhos
2025-03-23
0
Fatima Vieira
que triteza
2025-01-31
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