Capítulo 3: Laços de Sangue e Coração

As manhãs em Belo Monte sempre começavam da mesma forma, mas dentro de nossa casa, cada dia parecia trazer uma nova carga de tensão. A fazenda seguia seu curso natural, mas as pessoas que a habitavam estavam distantes e desconectadas. Contudo, em meio ao caos, havia uma constante que nos mantinha unidos: a relação entre eu, Anaya e Ayana.

Nossas personalidades não poderiam ser mais diferentes. Anaya, com seus 16 anos, era prática e direta, sempre tentando encontrar uma solução para os problemas que enfrentávamos, mas sem se deixar abalar pelos sentimentos. Ela mantinha uma fachada de frieza, mas eu sabia que, por dentro, também sofria. Já Ayana, com apenas 12 anos, era o oposto. Sensível e sonhadora, ela vivia em um mundo de fantasias, talvez como uma forma de escapar da realidade dura que nos cercava.

Quanto a mim, eu era uma mistura das duas. Havia dias em que eu me sentia forte, como Anaya, pronta para enfrentar qualquer desafio. Mas havia outros dias em que eu queria apenas me encolher em um canto e sonhar, como Ayana, desejando que tudo não passasse de um pesadelo. Talvez fosse essa dualidade que me tornava a irmã intermediária, aquela que tentava manter o equilíbrio entre todas.

Naquele dia, enquanto o sol ainda se erguia preguiçosamente no horizonte, eu decidi que precisava fazer algo para aliviar a tensão. Não aguentava mais ver Anaya e Ayana tão distantes, como se a casa tivesse dividido nossas almas. Com isso em mente, fui até o quarto delas logo após o café da manhã.

– Vamos dar uma caminhada pelo campo hoje – sugeri, tentando soar animada.

Anaya, que estava sentada na cama amarrando as botas, levantou os olhos para mim com uma expressão de ceticismo.

– Sério! E o que isso vai resolver? – ela perguntou, com o tom que só uma adolescente desiludida poderia ter.

– Não vai resolver nada, mas vai nos dar uma chance de respirar um pouco. De fugir dessa atmosfera pesada – eu argumentei.

Ayana, que estava distraída com um caderno de desenhos, levantou a cabeça e seus olhos brilharam com a ideia.

– Boa! Podemos ir até o riacho? Eu amo ver as borboletas por lá – disse, com uma empolgação que me fez sorrir.

Anaya revirou os olhos, mas eu podia ver que, apesar de seu desdém, a ideia de uma pausa também lhe parecia atraente. No fundo, todos precisávamos de um momento para fugir da realidade.

Depois de alguma insistência, consegui convencê-las, e logo estávamos caminhando pelo campo, os primeiros raios de sol iluminando as folhas orvalhadas e trazendo uma sensação de renovação. O cheiro de terra molhada e o som dos pássaros cantando no fundo eram quase terapêuticos.

Enquanto caminhávamos, eu podia sentir a tensão entre nós diminuindo gradualmente. Não éramos mais as meninas presas em uma casa cheia de brigas e ressentimentos. Aqui, éramos apenas irmãs, conectadas por algo que ia além das palavras.

– Lembra quando éramos pequenas e vovô nos levava para pescar nesse riacho? – perguntei, tentando trazer à tona uma lembrança feliz.

Anaya assentiu, um sorriso suave surgindo em seus lábios.

– Ele sempre dizia que a paciência era a maior virtude de um pescador. Acho que ele estava tentando nos ensinar a esperar por tempos melhores – ela disse, com uma ponta de melancolia na voz.

Ayana correu à nossa frente, tentando pegar uma borboleta que passava por nós.

– Eu adorava quando vovô contava histórias sobre as sereias que viviam nas águas do riacho. Naquela época, eu realmente acreditava que uma delas apareceria para nós – ela disse, rindo de si mesma.

– Talvez elas ainda estejam lá, esperando por alguém que acredite o suficiente para vê-las – eu brinquei, entrando na fantasia por um momento.

Chegamos ao riacho e nos sentamos na margem, observando a água cristalina fluir suavemente sobre as pedras. A correnteza era calma, assim como a brisa que balançava suavemente as folhas das árvores ao redor. Era um lugar que sempre nos trouxe paz, mesmo que por breves momentos.

Enquanto Anaya jogava algumas pedras na água, criando pequenos círculos na superfície, Ayana se deitou na grama, os olhos fixos no céu azul. Eu as observava, sentindo um misto de tristeza e ternura. Sabia que aqueles momentos eram preciosos, mas também sabia que não durariam para sempre.

– Vocês acham que as coisas um dia vão melhorar? – Ayana perguntou de repente, sua voz suave, quase como se estivesse falando consigo mesma.

Eu troquei um olhar com Anaya, sem saber como responder. Queria dar esperança à minha irmã mais nova, queria dizer que tudo ficaria bem, mas a realidade não era tão simples. Ainda assim, era meu dever, como irmã mais velha, tentar manter viva a chama da esperança.

– Tudo na vida é passageiro, Ayana – comecei, escolhendo minhas palavras com cuidado. – As coisas estão difíceis agora, mas eu acredito que podemos encontrar uma maneira de seguir em frente. Precisamos continuar unidas, porque é isso que vai nos manter fortes.

Anaya, que até então estava em silêncio, finalmente falou.

– Temos que nos apoiar, porque, no fim, só temos umas às outras. Se ficarmos juntas, podemos enfrentar qualquer coisa – disse, sua voz firme, mas com um tom de vulnerabilidade que raramente mostrava.

Ayana sorriu, parecendo aliviada com as nossas palavras. Ela se sentou e pegou minha mão e a de Anaya, unindo-nos em um gesto silencioso de solidariedade. Era um simples toque, mas naquele momento, era tudo o que precisávamos.

Passamos mais algum tempo no riacho, conversando sobre coisas triviais, rindo de lembranças antigas e tentando, por algumas horas, esquecer dos problemas que nos aguardavam em casa. Aqueles momentos eram como um bálsamo, uma trégua no meio da tempestade.

Quando o sol começou a descer, iluminando o campo com uma luz dourada, soubemos que era hora de voltar. O caminho de volta foi tranquilo, quase silencioso, mas dessa vez o silêncio não era opressor. Era um silêncio confortável, carregado de compreensão mútua.

Ao chegarmos em casa, o som de pratos quebrando e gritos nos saudou. A realidade voltava a nos puxar para o caos. Papai e mamãe estavam novamente envolvidos em uma briga feroz, e o ar parecia pesado, como se a casa estivesse prestes a desmoronar sob a pressão.

Olhei para minhas irmãs, e vi o medo retornar aos seus olhos. Aquele momento de paz no riacho parecia agora tão distante quanto um sonho.

– Vamos para o quarto – disse Anaya, tomando a dianteira. Era uma tentativa de nos proteger, de criar uma barreira entre nós e a realidade dura que estava se desenrolando diante de nós.

No entanto, mesmo enquanto subíamos as escadas, o som dos gritos penetrava as paredes, e eu sabia que não havia como fugir completamente. O que nos restava era o consolo umas das outras, a única coisa que ainda tínhamos.

Enquanto fechávamos a porta do quarto, abafando parcialmente o som da briga lá embaixo, eu não conseguia evitar a sensação de que algo estava prestes a mudar drasticamente em nossas vidas, e o que quer que fosse, não seríamos mais as mesmas ao final.

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Comments

S.Kalks

S.Kalks

Autora perdoe-me, mas elas passaram o dia inteiro no riacho? sem comer? beber? e os deveres?

2025-03-31

0

Josevaldo Antunes

Josevaldo Antunes

com essas brigas quem sofre são os filhos

2025-03-23

0

Fatima Vieira

Fatima Vieira

que triteza

2025-01-31

1

Ver todos
Capítulos
1 Prólogo
2 Capítulo 1: Vida em Belo Monte
3 Capítulo 2: A Casa em Desarmonia
4 Capítulo 3: Laços de Sangue e Coração
5 Capítulo 4: O Peso da Dívida
6 Capítulo 5: Segredos à Luz do Entardecer
7 Capítulo 6: Sombras Sobre a Mesa
8 Capítulo 7: O Declínio Silencioso
9 Capítulo 8: O Clímax do Conflito
10 Capítulo 9: Sonhos em Meio ao Café Amargo
11 Capítulo 10: A Chegada do Senhor Fonseca Abreu
12 Capítulo 11: O Encontro que Mudou Tudo
13 Capítulo 12: O Erro Fatal - A Aposta Maldita
14 Capítulo 13: O Acordo Sombrio - Porquê eu?
15 Capítulo 14: O Peso da Escolha
16 Capítulo 15: A Última Carta
17 Capítulo 16: O Desespero da Impossibilidade
18 Capítulo 17: Preparativos para o Casamento
19 Capítulo 18: O Casamento
20 Capítulo 19: A Viagem para a Cidade Grande
21 Capítulo 20: Chegada à Cidade Grande
22 Capítulo 21: A Vida Luxuosa e Sufocante na Mansão de Fonseca
23 Capítulo 22: A Dama da Mansão
24 Capítulo 23: O Jantar dos Poderosos
25 Capítulo 24: No Silêncio da Mansão
26 Capítulo 25: O Despertar de um Monstro
27 Capítulo 26: A Revelação do Cativeiro
28 Capítulo 27: A Sombra da Liberdade
29 Capítulo 28: A Virada de uma Vida
30 Capítulo 29: No Limiar de Sentimentos
31 Capítulo 30: Sob o Véu do Desconhecido
32 Capítulo 31: Adeus, Dubai; Olá, Lagoas
33 Capítulo 32: A Casa Nova, O Novo Eu
34 Capítulo 33: As Correntes Invisíveis
35 Capítulo 34: Um Novo Horizonte
36 Capítulo 35: Sob o Peso da Ira e do Desejo
37 Capítulo 36: Um Conto de Fadas na Realidade
38 Capítulo 37: Duas Vidas, Um Amor: Entre a Realidade e o Disfarce
39 Capítulo 38: Entre Dois Mundos: O Agito do Campus e a Realidade do Poder
40 Capítulo 39: Suspiros à Meia-Luz
41 Capítulo 40: O Veneno do Silêncio
42 Capítulo 41: Desespero e Solidão
43 Capítulo 42: O Funeral da Esperança
44 Capítulo 43: Quando Tudo Estava Contra Mim?
45 Capítulo 44: Os Muros da Injustiça
46 Capítulo 45: O Veredito Final
47 Série Sombras de Um Amor Fatal
Capítulos

Atualizado até capítulo 47

1
Prólogo
2
Capítulo 1: Vida em Belo Monte
3
Capítulo 2: A Casa em Desarmonia
4
Capítulo 3: Laços de Sangue e Coração
5
Capítulo 4: O Peso da Dívida
6
Capítulo 5: Segredos à Luz do Entardecer
7
Capítulo 6: Sombras Sobre a Mesa
8
Capítulo 7: O Declínio Silencioso
9
Capítulo 8: O Clímax do Conflito
10
Capítulo 9: Sonhos em Meio ao Café Amargo
11
Capítulo 10: A Chegada do Senhor Fonseca Abreu
12
Capítulo 11: O Encontro que Mudou Tudo
13
Capítulo 12: O Erro Fatal - A Aposta Maldita
14
Capítulo 13: O Acordo Sombrio - Porquê eu?
15
Capítulo 14: O Peso da Escolha
16
Capítulo 15: A Última Carta
17
Capítulo 16: O Desespero da Impossibilidade
18
Capítulo 17: Preparativos para o Casamento
19
Capítulo 18: O Casamento
20
Capítulo 19: A Viagem para a Cidade Grande
21
Capítulo 20: Chegada à Cidade Grande
22
Capítulo 21: A Vida Luxuosa e Sufocante na Mansão de Fonseca
23
Capítulo 22: A Dama da Mansão
24
Capítulo 23: O Jantar dos Poderosos
25
Capítulo 24: No Silêncio da Mansão
26
Capítulo 25: O Despertar de um Monstro
27
Capítulo 26: A Revelação do Cativeiro
28
Capítulo 27: A Sombra da Liberdade
29
Capítulo 28: A Virada de uma Vida
30
Capítulo 29: No Limiar de Sentimentos
31
Capítulo 30: Sob o Véu do Desconhecido
32
Capítulo 31: Adeus, Dubai; Olá, Lagoas
33
Capítulo 32: A Casa Nova, O Novo Eu
34
Capítulo 33: As Correntes Invisíveis
35
Capítulo 34: Um Novo Horizonte
36
Capítulo 35: Sob o Peso da Ira e do Desejo
37
Capítulo 36: Um Conto de Fadas na Realidade
38
Capítulo 37: Duas Vidas, Um Amor: Entre a Realidade e o Disfarce
39
Capítulo 38: Entre Dois Mundos: O Agito do Campus e a Realidade do Poder
40
Capítulo 39: Suspiros à Meia-Luz
41
Capítulo 40: O Veneno do Silêncio
42
Capítulo 41: Desespero e Solidão
43
Capítulo 42: O Funeral da Esperança
44
Capítulo 43: Quando Tudo Estava Contra Mim?
45
Capítulo 44: Os Muros da Injustiça
46
Capítulo 45: O Veredito Final
47
Série Sombras de Um Amor Fatal

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