Belo Monte. Só de pronunciar o nome já sinto o cheiro do campo, o aroma de terra molhada depois da chuva, e ouço o canto dos pássaros que habitam a fazenda onde cresci. Meu nome é Suraya Lemos Monteiro, e esta é a minha história.
Desde pequena, minha vida foi moldada por essas paisagens rurais que cercam a nossa fazenda. Um lugar de beleza singular, onde o sol parece brilhar mais forte, e as estrelas iluminam o céu como se fossem joias preciosas espalhadas por uma tela negra. A vida aqui é simples, mas tem seu próprio encanto, algo que muitos não entenderiam.
A fazenda dos Lemos Monteiro é herança de gerações. Meus avós a construíram do zero, transformando esse pedaço de terra em um lugar próspero, com plantações de café que pareciam não ter fim. Era um lugar onde se respirava trabalho duro, mas também orgulho. Meu pai, Gustavo, herdou essa responsabilidade, mas o peso que ela carrega, com o tempo, tornou-se um fardo que ele não consegue mais sustentar.
Ainda me lembro das manhãs em que acordávamos com o cantar do galo, e minha mãe, Bianca, já estava na cozinha preparando o café da manhã. O cheiro do café fresco misturava-se com o do pão que ela assava, criando uma atmosfera acolhedora, apesar das dificuldades que começavam a se acumular ao nosso redor.
– Suraya, venha ajudar com as galinhas – ela chamava, sua voz sempre calma, mas com uma firmeza que me fazia correr para atendê-la.
Era uma rotina simples: alimentar as galinhas, cuidar do jardim e ajudar na colheita quando era necessário. Minhas irmãs, Anaya e Ayana, também tinham suas tarefas, mas sempre encontrávamos tempo para brincar no campo, correndo atrás umas das outras, rindo como se não houvesse amanhã.
Entretanto, as risadas começaram a desaparecer, substituídas pelas preocupações que, aos poucos, tomaram conta de nossa casa. A colheita não era mais tão abundante, e as dívidas começaram a se acumular como uma sombra crescente que ameaçava engolir tudo que conhecíamos. Meu pai, antes um homem forte e orgulhoso, começou a mudar.
No início, ele ainda sorria, ainda tentava manter o espírito da fazenda vivo. Mas com o tempo, esse sorriso foi desaparecendo, substituído por uma expressão de cansaço e desespero. O trabalho na fazenda tornou-se mais árduo, e a cobrança dos credores mais frequente. Eu era jovem demais para entender plenamente o que estava acontecendo, mas sentia que algo estava errado. Algo estava mudando.
Foi também nessa época que os primeiros sinais do alcoolismo de meu pai começaram a aparecer. Antes, ele costumava tomar um gole ou outro de cachaça nas festas, mas agora, parecia que a bebida era sua única companhia constante. Quando ele estava sóbrio, era um pai amoroso, mas cada vez mais, esses momentos se tornavam raros.
Lembro-me de uma tarde específica, quando o sol começava a se pôr e a luz dourada banhava a fazenda. Meu pai estava sentado na varanda, uma garrafa de cachaça na mão. Seus olhos, antes brilhantes e cheios de vida, agora estavam turvos, como se ele estivesse em algum lugar distante.
– Papai, está tudo bem? – perguntei, me aproximando devagar, com medo de sua reação.
Ele demorou a responder, parecia não ter me ouvido. Quando finalmente falou, sua voz era rouca e pesada.
– Está tudo bem, Suraya. Só estou... cansado.
Mas eu sabia que não era só cansaço. Havia algo mais, algo que ele não queria ou não podia me contar. E naquela noite, ouvi pela primeira vez uma discussão entre meus pais. Era um som estranho, algo que nunca tinha acontecido antes.
– Gustavo, você precisa parar com isso! Está nos destruindo! – a voz de minha mãe era firme, mas cheia de dor.
– Bianca, não é tão simples. Eu... eu não sei o que fazer. A fazenda está afundando e eu... – ele não conseguiu terminar a frase, sua voz quebrada pela tristeza e pelo álcool.
Essas discussões tornaram-se cada vez mais frequentes, como uma tempestade que se aproxima lenta, mas inexoravelmente. Minha mãe tentava de tudo para manter a família unida, mas a cada dia parecia que algo dentro de meu pai estava morrendo. E, sem saber como lidar com isso, ele se afundava ainda mais na bebida.
Enquanto isso, nós, as crianças, tentávamos seguir com nossas vidas o melhor que podíamos. Anaya e Ayana, minhas irmãs, ainda brincavam comigo nos campos, mas havia uma tristeza nos olhos delas que não existia antes. Nós éramos jovens demais para entender a profundidade dos problemas que nossa família enfrentava, mas sentíamos o peso deles em nossos corações.
A rotina simples e bucólica que antes definia nossas vidas estava se desintegrando, e eu não sabia como consertá-la. Só sabia que algo precioso estava escapando por entre os dedos, e eu não conseguia segurá-lo.
Naquela época, eu não tinha como prever o quanto nossas vidas mudariam, o quanto sofreríamos e o quanto lutaríamos para sobreviver. Mas, de alguma forma, sabia que nada mais seria como antes. E, talvez, essa fosse a verdade mais dolorosa de todas.
Enquanto a noite caía sobre Belo Monte, eu me perguntava se algum dia voltaríamos a sorrir como antes. Mas uma parte de mim já sabia que aquela inocência havia sido perdida para sempre. E o que viria a seguir, só o tempo poderia revelar.
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Atualizado até capítulo 47
Comments
S.Kalks
que nomes!!!
2025-03-21
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