RUAS PERIGOSAS

RUAS PERIGOSAS

A missão

O ar dentro da sala de reuniões está pesado, carregado de uma tensão que eu podia sentir na pele. A parede de vidro à minha frente refletia o que parecia ser o reflexo da minha própria alma: um homem cansado e que após tantas missões não sabia mais quem ele era. O relógio na parede, de um branco austero, parecia marcar as horas com uma lentidão agonizante, como se estivesse em sintonia com o peso do que estava prestes a ser discutido.

Do outro lado da mesa, o Delegado Mendes estava sentado, recostado na cadeira de couro preto, seus olhos cansados fixos nos meus. Mendes era um homem de meia-idade, perto da aposentadoria, mas ainda conservava aquela dureza no olhar, típica de alguém que viu mais do que queria durante a carreira. Ele era respeitado por sua experiência, mas todos sabiam que, ultimamente, ele preferia seguir o fluxo em vez de se envolver nas partes mais sujas do trabalho.

Ao lado dele, a Inspetora Carla Martins estava com os braços cruzados, os olhos perscrutando cada canto da sala, como se estivesse caçando algo invisível. Carla era uma das melhores no departamento, uma mulher determinada, com uma frieza que a fazia parecer inabalável. Mas eu sabia que, por trás daquela fachada, havia uma chama que a impulsionava, uma necessidade de justiça que eu admirava, mas que também a tornava perigosa.

Eu estava de pé, um pouco afastado da mesa, minhas mãos enfiadas nos bolsos do casaco de couro que parecia ter sido moldado ao meu corpo com o tempo. Sentia o peso de um cansaço acumulado, resultado de noites mal dormidas e de uma vida que parecia girar em torno de uma constante luta entre a lei e o crime. Eu já tinha visto o suficiente para saber que nada era preto no branco, e que às vezes, para sobreviver, era preciso se sujar.

- Davi Campos. Meu querido detetive Campos...Mendes começoua dizer, a voz dele soando como cascalho sendo arrastado,

- Precisamos falar sobre algo importante. Ele diz com firmeza.

Minha mandíbula apertou involuntariamente. Eu conhecia aquele tom. Era o mesmo que ele usava quando sabia que estava prestes a me dar uma notícia da qual eu não iria gostar. Não que isso fosse novidade, eu raramente gostava das notícias que recebia ali.

- Claro, chefe. Respondi, tentando manter a voz neutra, mas sem esconder a falta de entusiasmo. Dei alguns passos até a mesa, parando ao lado da cadeira de Carla, mas não me sentei.

- Recebemos informações sobre uma nova operação. Carla interveio, sem tirar os olhos de mim.

- Algo grande. Precisamos de alguém com a sua experiência, alguém que saiba se misturar e jogar o jogo. Ela diz.

Eu arqueei uma sobrancelha. O que quer que fosse, já estava claro que envolvia muito mais do que uma simples batida policial ou um interrogatório de rotina.

- O que vocês estão querendo dizer?

- Você sabe, Campos. Mendes disse, se inclinando um pouco para frente, os dedos entrelaçados sobre a mesa.

- As vezes precisamos que alguém se infiltre, alguém que possa se passar por um deles, que possa ganhar a confiança dos caras certos... ou errados. Ele diz.

Eu fico em silêncio, deixando as palavras dele ecoarem na minha mente. A infiltração era sempre um jogo perigoso, e eu já tinha me envolvido em operações do tipo antes. Mas algo na maneira como eles estavam abordando isso, com tanta cautela, me dizia que essa seria diferente.

- E onde vocês querem que eu me infiltre?Eu perguntei diretamente, cortando a ambiguidade do ar.

Carla trocou um olhar breve com Mendes antes de falar.

- Não podemos te dar todos os detalhes agora, mas é algo maior do que qualquer coisa que já fizemos antes. Os riscos são altos, mas os benefícios... Se conseguirmos desmantelar isso, pode ser a maior vitória contra o crime organizado que essa cidade já viu. Ela conclui.

Minhas entranhas reviraram. Algo no tom de Carla, na maneira como ela enfatizou “riscos”, me fez sentir um frio na espinha. Havia uma parte de mim que queria saber mais, queria entender no que exatamente eu estava me metendo. Mas a outra parte, a que estava cansada, a que ansiava por um pouco de normalidade, queria apenas sair daquela sala e esquecer que essa conversa tinha acontecido.

- E se eu disser que não estou interessado? As palavras saíram antes que eu pudesse contê-las. Eu sabia que minha carreira dependia da minha disposição para fazer esse tipo de trabalho, mas naquele momento, a exaustão estava falando mais alto do que minha ambição.

Mendes soltou um suspiro pesado, como se esperasse essa resposta.

- Campos, eu não vou te obrigar a nada, mas você sabe tão bem quanto eu que alguém tem que fazer esse trabalho. Se não for você, será outro. Mas eu confio em você. Sei que é o melhor para isso.

Eu odiava quando ele usava esse argumento. Mendes sabia que, por mais que eu quisesse recusar, a responsabilidade que ele jogava em minhas mãos era algo difícil de ignorar.

- Eu só não sei se estou pronto para isso, Mendes. Eu... as coisas não estão fáceis para mim ultimamente. Eu digo.

Carla, que até então mantinha a postura rígida, relaxou um pouco.

- Davi, sabemos que esse trabalho cobra um preço. Não estamos pedindo isso de você levianamente. Mas também sabemos que, se alguém pode fazer isso dar certo, é você. E se conseguir, pode ter certeza que o reconhecimento virá. Ela diz.

Eu olhei para Carla e depois para Mendes, tentando encontrar alguma hesitação neles, algo que me mostrasse que talvez eles também estivessem em dúvida sobre essa missão. Mas tudo o que vi foram dois policiais que acreditavam que estavam fazendo o que era certo, mesmo que o que era certo significasse colocar mais uma vez minha vida em risco.

- Quanto tempo eu tenho para decidir? Perguntei, sabendo que minha resposta já estava praticamente dada.

Mendes se recostou na cadeira, os olhos ainda fixos nos meus.

- Você tem até amanhã de manhã. Mas, Campos, se decidir entrar nisso, precisa estar totalmente comprometido. Não há volta.

Eu assenti, sentindo o peso da decisão sobre meus ombros.

- Entendi.

O silêncio se instalou na sala, como se todos nós estivéssemos processando o que havia sido dito. Finalmente, Mendes quebrou o silêncio.

- É só isso por agora. Pense bem e nos dê sua resposta amanhã.

Sem mais nada a dizer, virei-me para sair da sala. Mas antes que eu pudesse alcançar a porta, Mendes falou novamente, em um tom mais suave.

- Campos... Eu sei que você está passando por um momento difícil. Se precisar de alguma coisa, qualquer coisa, você sabe onde me encontrar.

Eu parei por um instante, sem me virar.

- Obrigado, Mendes. E então, saí da sala, fechando a porta atrás de mim.

O corredor parecia mais estreito do que o normal enquanto eu caminhava em direção à saída. Os sons do departamento, telefones tocando, teclados sendo pressionados, vozes misturadas – pareciam distantes, abafados pelos meus pensamentos.

Do lado de fora, o sol já começava a se pôr, tingindo o céu de um laranja profundo que se refletia nas janelas dos prédios altos. Fiquei parado na calçada, olhando para a cidade que eu jurara proteger. Uma cidade que, a cada dia, parecia me engolir um pouco mais.

Eu sabia que Mendes e Carla estavam certos. Alguém precisava fazer aquele trabalho. E no fundo, eu sabia que, por mais que quisesse fugir, não poderia recusar. Esse era o meu destino. Mas o que mais me preocupava não era o trabalho em si, mas o que ele poderia fazer comigo. Até onde eu estaria disposto a ir para cumprir essa missão? E o que aconteceria quando eu cruzasse a linha, como tantas vezes antes, entre o certo e o errado?

Essas perguntas me assombraram enquanto eu caminhava lentamente em direção ao meu carro. Eu sabia que a resposta viria, mas eu não tinha certeza se estava pronto para ouvi-la.

O motor do carro roncou quando o liguei, mas fiquei sentado por um momento, as mãos no volante, olhando para o horizonte que começava a escurecer. Sabia que aquela noite seria longa, repleta de pensamentos que não me deixariam dormir.

Mas uma coisa era certa: a partir de amanhã, nada mais seria como antes...

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Comments

Cicera Camilo

Cicera Camilo

Vamos lá, embarcar em mais uma história, espero que seja tão cativante quantos as outras...

2024-08-28

12

Jandira Conceicao

Jandira Conceicao

Primeira vez lendo seus livros, começando hj 08/09.

2024-09-09

1

Liedson Lira

Liedson Lira

oimeonomieivan244

2024-09-14

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