O coração de Elizabeth se encheu de amargor ao avistar as malas à sua frente. Pareciam prestes a explodir devido a maneira desajeitada que acomodou seus pertences, ela mesma quis poupar o fardo de Karine e outras empregadas, era uma sensação de autossuficiência que deveria experimentar a partir daquele momento, pois o destino que a esperava era incerto e muito provavelmente, não teria o cuidado maternal que recebia ano após ano das empregadas e de Karine. Novamente, a pontada em seu peito surgiu. Pensar na amiga de infância que era quase como uma irmã era, doloroso. Como faria sem a presença de sua mais fiel amiga, confidente e conselheira? Como conseguiria deixar o pai, que era tão apegado a ela? Estava sendo um suplício concretizar sua decisão, mas era preciso.
A princesa lançou um olhar melancólico para a janela, o sol começava a surgir nos montes verdejantes. Seria a última vez que veria o amanhecer em seu quarto por um longo tempo. Lágrimas começaram a deslizar pelos seus olhos entristecidos, rolando por suas bochechas pálidas.
Elizabeth não dormiu durante a noite. A sensação de que Callister pairava sobre ela como uma sombra era aterradora. Hora ou outra despertava com a sensação terrível de que a manhã tinha chegado. Por fim, desistiu de se enroscar nos lençóis e ficou acordada noite adentro, aprontando seus pertences cuidadosamente, debulhando-se em lágrimas e lamentações. Seus sentimentos pesarosos refletiam em seu rosto cansado e esmaecido.
— Hora de acordar, sua dorminhoca… — Karine adentrou no quarto com um grande sorriso, que logo se desmanchou ao avistar a pilha de malas e baús — o que está fazendo? Não me diga que…
— É meu dever — após a resposta concisa de Elizabeth, a empregada balançou a cabeça repetidas vezes, em negação. Estava incrédula.
— Não posso deixar, você é tão jovem, não merece passar por isso…
— Não tenho escolha. Se for pelo bem de meu pai, o seu e o do reino, eu me sacrifico de bom grado — Karine começou a soluçar e se agarrou à Elizabeth.
— Por favor, querida, reconsidere…
— Sinto muito, estou certa de minha decisão — disse num sussurro, abaixando-se para ficar ainda mais próxima de Karine. Seus olhos também brilhavam com as lágrimas prestes a inundar seu rosto — não torne as coisas mais difíceis para mim, por favor — suplicou à Karine, que enxugou as lágrimas e se levantou.
— Está certa — disse, fungando. Um sorriso se abriu — Estou orgulhosa de você, Elizabeth.
— Obrigada — murmurou, apesar das dores da despedida, estava contente com as palavras gentis de Karine.
— Bem, se vai mesmo partir, acredito que precisa de uma mãozinha.
— Já ajeitei tudo o que precisava.
— Estou vendo — Karine apontou para as malas que quase não fechavam — a menos que queira que essa mala exploda com suas roupas, acho melhor deixar te ajudar.
— Já que insiste…
Com a anuência de Elizabeth, Karine abriu as malas. Quando ela o fez, algumas roupas voaram em direção ao teto do quarto, tamanha era a pressão que Elizabeth tinha empregado para acomodá-las no interior do baú. Ela sorriu constrangida ao observar a cena.
Karine lhe ajudou a revisar os itens e pertences, se certificando de que nada lhe faltava. Ora ou outra fazia comentários divertidos que arrancavam risadas entre as duas amigas. Naquele momento, era fácil se esquecer do fardo que era partir.
O saguão de pedras desnudas nunca esteve tão apinhado de pessoas. No centro, os doze cavaleiros, todos trajando suas armaduras negras de praxe. Nas laterais, os empregados que assistiam a confusão entre o rei Guilhermino e Callister que conversavam com as vozes alteradas.
— Já lhe disse que minha filha não irá com você! — o rei exclamou, enfurecido.
— Esperarei que a própria Elizabeth me diga isso — Callister retrucou, a voz calma e plácida como um lago no verão.
— Não irei perturbar minha filha com suas exigências estúpidas. Quero que saia de meu castelo e de minhas propriedades!
— Já lhe disse que esperarei por Elizabeth.
— Não precisa me esperar, aqui estou eu — a princesa de Guines descia as escadarias majestosamente. Trajava um elegante conjunto de montaria, calças de couro avermelhadas que lhe valorizam as pernas torneadas e uma blusa de linho fresca sem mangas, revelando os braços graciosos. Sua aparição deixou todos sem fôlego, especialmente o pai, que parecia desacreditado no que via.
— Onde pensa que vai Elizabeth?
— Tomei minha decisão, papai — respondeu, decidida— espero que a respeite.
— Não vou deixá-la ir — bravejou, irritadiço. Elizabeth sorriu. Era assim mesmo que se comportava quando ela pregava peças e sempre conseguia acalmá-lo, tornando-o manso e afável. A princesa se aproximou do pai e pegou em sua mão, depositando um beijo casto.
— Papai, não se preocupe comigo, o senhor me criou muito bem e sabe que jamais tomaria uma decisão como essa sem pensar com muito cuidado.
— Sei disso, mas não posso aceitar que me deixe — o rei disse com a voz embargada.
— E quem disse que estou deixando o senhor? Logo estarei de volta, aumentando a sua careca lustrosa — comentou, rindo baixinho enquanto depositava um beijo na calvície do pai que ficou avermelhado tal qual um tomate.
— Elizabeth — ele a repreendeu, envergonhado, mas ela sabia que, no fundo, estava satisfeito.
— Prometo que me cuidarei muito bem e irei me comportar também. Callister não terá motivos para queixas — Elizabeth se virou para o homem que observava a cena intrigado.
— Vai me escrever cartas?
— Todos os dias — prometeu, solenemente.
— Você cuidará e protegerá a minha filha? — perguntou, virando-se desta vez para o homem.
— Como minha própria vida — Callister respondeu prontamente. Elizabeth continuava sorrindo para o pai.
— Até logo papai — se despediu uma última vez do rei Guilhermino, abraçando-o carinhosamente.
— Até — ele murmurou, cabisbaixo.
Elizabeth estava pronta para deixar o saguão quando os empregados se empilharam próximos a si. Ela recebeu abraços carinhosos, palavras doces e gentis que a deixaram ainda mais comovida. Estava sendo mais difícil se despedir do que imaginava. Antes que pudesse partir, as empregadas lhe prepararam uma caixa repleta de seus doces favoritos. Ela se emocionou com o cuidado, prometeu que voltaria logo. No topo da escadaria, estava Karine que a observava com uma expressão tristonha. Elizabeth acenou para ela e lhe mandou um beijo que foi retribuído.
— Até logo, pessoal — despediu-se uma última vez. Com muito esforço, deixou o salão e todos os seus amigos queridos que a serviram com grande carinho. O seu corcel malhado a aguardava, estava pronto para ser montado. Antes que qualquer um dos cavaleiros se adiantassem para ajudá-la, Elizabeth já montava o cavalo com agilidade.
Lançando um olhar longo e entristecido, despediu-se de sua casa silenciosamente, orando para que pudesse revê-la algum dia.
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Atualizado até capítulo 93
Comments
Faby
que fofo 🥰🥰🥰
2024-12-29
1
Rosária 234 Fonseca
sei como se sente
2024-10-08
0
Rosária 234 Fonseca
alguém ficou com vergonha hoooo kkk
2024-10-08
1