Um belo tapa

Termino de lavar a louça e, enquanto seco os pratos, sinto um tapa na cabeça. Nem preciso olhar para trás; conheço bem esse estilo de ataque e a pessoa que o desferiu.

— Boa tarde para você também, Amanda — digo, continuando a secar os itens.

— Saiba que eu só vou te perdoar se você parar de fazer a minha amiga chorar — ela responde com firmeza.

— Eu nunca quis machucar a Ally ou fazê-la chorar — digo, colocando o pano na mesa e me virando para encará-la. — Você sabe que eu odeio ver a Ally chorar.

Os olhos castanhos da Amanda me analisam, como sempre fizeram. Nos últimos 14 anos, ela foi a única pessoa de Napa com quem mantive contato. E, mesmo assim, não sabia de nada que estava acontecendo aqui.

— Por que não me contou? — pergunto. Ela se apoia no balcão e me encara, hesitando por um momento.

— Bem, pensei em te contar algumas vezes — ela dá uma pausa e engole seco. — Mas não era um segredo meu para revelar.

— Você também nunca me falou do seu filho — digo, sentindo a mágoa na voz.

— Porque eu sabia que você iria perguntar se a Alice também tinha filhos, e eu não conseguiria mentir.

Ficamos um tempo em silêncio. Amanda é como uma irmã para mim. Quando nos conhecemos, éramos só duas crianças bobas. Passaram-se 23 anos e continuamos amigos.

— Eu sei que o que ela fez não foi certo, nem justo com você — ela quebra o silêncio, com um tom firme e autoritário. — Mas não foi fácil para ela.

— Ela disse que não queria que eu me tornasse como o pai dela, mas isso nem faz sentido. Você sabe que eu nunca faria isso.

Amanda começa a andar pela cozinha, mexendo nas coisas, como se não quisesse entrar nesse assunto, mas ao mesmo tempo sabendo que eu estou certo.

— Não era esse o problema — ela diz, parando de mexer nas coisas. — Quer dizer, não era SÓ isso. — Amanda me joga uma maçã. — Você esquece quem você é aqui. Fora de Napa, você é Dylan Keer, um jogador consolidado, campeão da NHL cinco vezes. Mas aqui, nesta cidade rural e agrária, você é Dylan Keer, o único filho do magnata dos vinhos Friderick Keer. Seu pai é praticamente o dono da cidade.

— Foda-se! Eu não ligo para quem aquele imbecil é. Se ele quiser virar presidente, não vou dar a mínima.

— Só que o resto das pessoas ligam — ela diz, claramente me dando uma bronca. — Você lembra como as pessoas me olhavam quando saíamos juntos? — Ela se aproxima e ergue meu rosto. — Eu era taxada de "interesseira", "oportunista", "vadia", entre outras ofensas pavorosas.

— As pessoas...

— Todos olhavam para a Alice da mesma forma, mas no caso dela tinha um agravante. Ela é de uma família humilde; o pai dela era empregado do seu pai. — Isso não tinha nada a ver. — Todos os alunos do colégio a olhavam com inveja, e, sem você ver, a maltratavam.

— Isso não é verdade — digo, mas Amanda me dá um peteleco.

— Claro que é. Quando você estava por perto, todos fingiam ser sonsos, de bons moços e meninas adoráveis. Mas quando você não estava, a realidade era bem diferente.

Amanda continua a me encarar, e eu sinto a gravidade das suas palavras. Cada coisa que ela disse começa a se encaixar, explicando o comportamento da Ally. As camadas de ressentimento, mágoa e medo começam a se revelar de maneira clara e dolorosa.

— Eu nunca quis isso para ela — digo, a voz embargada de emoção. — Eu só queria protegê-la.

— E, de certa forma, você fez isso — Amanda responde suavemente. — Mas agora é hora de enfrentar o passado e, talvez, construir um novo futuro. Um futuro onde vocês dois não sejam mais definidos por esses medos e ressentimentos.

Respiro fundo, tentando reunir a coragem necessária. Amanda está certa. Realmente a vida da Ally, não foi fácil eu sempre soube disso.

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