A manhã em Lagoas começava ensolarada. A família Ferreira estava reunida ao redor da mesa, tomando o pequeno-almoço. Sr. Carlos lia seu jornal, enquanto levava a xícara de café à boca com a outra mão.
— Carlos, por que não posa esse maldito jornal? — disse Dona Margarida, irritada.
— Estou só terminando este parágrafo. Olha só o que diz aqui, Margarida: "Herdeira da V Tech envolvida em escândalo de lavagem de dinheiro" — respondeu Sr. Carlos. — Essa gente nunca está satisfeita.
— Essas notícias não passam de notícias. Já sabemos como vai terminar — retrucou Dona Margarida, desinteressada.
— Claro, o que você espera? Essa gente tem o poder e as leis sob controle — disse Sr. Carlos, com raiva.
— Não se estresse com isso. Tome seu café, querido. Nosso filho falou com você hoje?
— Ainda nem é meio-dia, Margarida. Deixa o Lucas viver a vida dele — respondeu Sr. Carlos. — Falando nisso, nunca mais ouvi você falar da jovem Elsa. Mais uma tentativa fracassada?
Dona Margarida franziu a testa e levantou-se da mesa.
— O Lucas não facilitou. Ela disse que não quer se iludir com alguém apaixonado pela melhor amiga.
Sr. Carlos soltou uma gargalhada.
— Ainda bem que ela foi inteligente o suficiente para isso — comentou ele.
Do outro lado da estrada, Celma estava em pé no ponto de ônibus. Quando o ônibus parou, ela subiu e foi até o centro de Lagoas, descendo em frente ao edifício do escritório. Em passos lentos, entrou no saguão, acenando para alguns conhecidos que entravam e saíam do prédio.
Celma entrou no elevador sozinha. Quando a porta estava prestes a se fechar, uma mão surgiu, travando a porta. Celma levou um susto ao ver que era a mão de Wilson Vaz, seu colega.
— Bom dia, Celma. Como vai?
— Bom dia, Wilson. Vou indo — respondeu ela, tentando soar convincente.
Quando o elevador chegou ao sexto andar, ele parou abruptamente. As luzes piscaram e, em seguida, apagaram-se. O som de metal rangendo encheu o pequeno espaço. Celma sentiu um pânico imediato subir por sua espinha.
— Não, não, não... — sussurrou ela, tremendo.
Wilson tentou manter a calma.
— Deve ser uma falha temporária. Vou apertar o botão de emergência — disse ele, pressionando o botão repetidamente.
Celma começou a hiperventilar, as mãos tremendo incontrolavelmente.
— Calma, Celma. Respire fundo — disse Wilson, tentando tranquilizá-la.
Mas a respiração dela só se acelerava. As paredes do elevador pareciam se fechar ao seu redor. Celma começou a chorar, incapaz de controlar o pânico.
— Não consigo... não consigo... — repetia ela, com o olhar vidrado.
Wilson aproximou-se lentamente, estendendo a mão para tocar no seu ombro. Celma entrou em pânico.
— Me solta! — gritou ela, assustada. — Nunca mais se atreva a me tocar!
— Cellma! Que isso! Só estou tentando ajudar — disse Wilson, surpreso. — Vai ficar tudo bem. Os bombeiros já foram chamados. Vamos sair daqui em breve.
O tempo parecia se arrastar, cada segundo uma eternidade. Finalmente, ouviram vozes e o som de metal sendo forçado. Quando a porta do elevador se abriu, Celma soltou um soluço de alívio. Os bombeiros ajudaram-na a sair, e ela caiu em prantos nos braços de um deles.
— Está tudo bem agora. A senhora está segura — disse uma bombeira, com voz firme e acolhedora.
Celma ainda estava em pânico, com um olhar assustado. Marina e Susana aproximaram-se e levaram-na até sua sala. Marina lhe passou um copo com água.
— Está tudo bem? — perguntou Susana.
— Está sim, só foi um susto. Não gosto de lugares fechados — respondeu Celma.
— O que houve no elevador? — perguntou Marina.
— Não sei ao certo, só sei que do nada o elevador parou. Entrei em pânico — respondeu Celma. — Meu Deus! Preciso me desculpar com o Wilson.
— E como precisa! Tinha que ver o rosto dele quando saiu do elevador — disse Marina.
— Mas já está tudo bem. Depois você se desculpa com ele — disse Susana. — Por que não lava o rosto? Daqui a pouco a reunião começa.
— Tens razão. Vou molhar o rosto e encontro vocês na frente — respondeu Celma.
Durante uma reunião importante, uma discussão acalorada sobre um caso em que estava trabalhando começou. Celma entrou na sala ouvindo os colegas questionarem seu estado mental, dizendo que o divórcio estava deixando-a fora de controle. Sugeriram que seria melhor diminuir sua carga de trabalho ou dar-lhe umas férias para descansar. Wilson lamentou, dizendo que ela é uma excelente advogada e faria falta no caso 35.
— Celma, acho que você deveria se afastar desse caso. Sua saúde está visivelmente afetada — disse o chefe, Sr. Alfredo, a voz firme.
Celma sentiu o rosto queimar de vergonha e raiva.
— Estou bem, Sr. Alfredo. Posso continuar com o caso — respondeu, tentando manter a calma.
— Não está nada bem, Celma. Precisa cuidar de si mesma antes de qualquer coisa — insistiu ele.
As palavras de Alfredo ecoaram na mente de Celma. Sentiu uma onda de fraqueza e, ao sair da sala de reuniões, uma tontura a atingiu. Suas pernas bambearam, e, ao tentar se apoiar na parede, quase caiu. André, seu colega, que vinha à frente, correu e a segurou. Celma desmaiou nos braços de André no corredor. Colegas correram para ajudá-la, e ela foi levada às pressas para sua sala, onde tentaram reanimá-la.
— Celma, acorde! — disse Susana, batendo levemente no rosto dela.
— Calma, ela está voltando — disse Marina, com um tom de preocupação.
Celma começou a abrir os olhos lentamente, ainda atordoada.
— O que aconteceu? — perguntou, a voz fraca.
— Você desmaiou, Celma. Vamos levá-la para casa — respondeu Marina.
Marina acompanhou Celma até a casa, no corredor, ao sair da sala, encontraram Wilson, que aproveitou para se desculpar e agradecer.
— Celma, sinto muito pelo que aconteceu no elevador. Só queria ajudar — disse Wilson, com um tom de genuína preocupação.
— Desculpa, Wilson. Eu... entrei em pânico. Obrigada por estar lá — respondeu Celma, ainda visivelmente abalada.
No ônibus, Celma sentou-se ao lado da janela, com Marina ao seu lado.
— A quanto tempo tem tido tonturas e náusea? — perguntou Marina, preocupada.
— Já faz algumas semanas — respondeu Celma.
— Quando foi seu último período menstrual? — perguntou Marina, desconfiada de uma possível gravidez.
Celma ficou em silêncio, o pânico evidente em seu rosto.
— Celma, você acha que pode estar grávida? — perguntou Marina, suavemente.
Celma desviou o olhar, as lágrimas começando a cair.
— Não pode ser, Marina. Não pode ser — disse ela, a voz embargada.
Celma descartou a possibilidade, mas o pânico de terror podia ser visto em seu rosto quando Marina falou em gravidez. O problema não estava na gravidez, mas em como ela foi concebida.
O ônibus parou, e as duas desceram, caminhando até a casa de Celma. Na entrada, na varanda, Sr. Augusto estava sentado, bebendo vinho na companhia de sua esposa, Dona Teresa, que estava costurando.
— Oi, filha — disse Dona Teresa. — Chegando cedo hoje?
— Boa tarde, família — saudou Marina.
— Boa tarde, querida. Está tudo bem? — perguntou Sr. Augusto, preocupado.
— A Celma passou mal no serviço. Seria bom levá-la ao hospital — disse Marina. — Vê se conseguem convencê-la. Eu tentei, mas ela se recusa.
— Está bem, filha. Muito obrigada — respondeu Dona Teresa.
— Celma, se cuida. Mais tarde te ligo. Com licença — disse Marina, retirando-se.
— Onde está a Celma? — perguntou Sr. Augusto. — É agora, Teresa, que ela vai ter de nos ouvir.
— Ela está dentro — disse Dona Teresa. — Ela tem tido muitos enjoos nos últimos dias. E se ela estiver grávida?
— Vira essa boca para lá, Teresa — disse Sr. Augusto. — A ideia não é má, mas... — as palavras morreram em sua boca, e um silêncio pesado pairou no ar.
Dentro de casa, Celma subia as escadas devagar, cada passo parecia um fardo. Ao entrar em seu quarto, fechou a porta e encostou-se nela, deslizando até o chão. As lágrimas corriam livremente agora, a mistura de medo, vergonha e desesperança tomando conta.
A imagem de Hugo surgia em sua mente, o terror da noite que ela tentava esquecer. Uma gravidez fruto daquele horror era algo que ela não conseguia conceber. Seus pensamentos eram uma tempestade de emoções, cada uma mais avassaladora que a outra
Dona Teresa e Sr. Augusto estavam na sala, trocando olhares preocupados. A incerteza sobre o que estava por vir era quase insuportável, mas ambos sabiam que tinham que apoiar Celma, não importa o que acontecesse.
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Atualizado até capítulo 62
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