Os dias seguintes foram uma mistura de esperança e angústia para Celma. Hugo estava se recuperando lentamente, mas as cicatrizes emocionais que aquele evento deixara em ambos ainda eram profundas. Celma sabia que precisaria de força não apenas para si mesma, mas também para enfrentar o que viria a seguir.
No hospital, as visitas eram constantes. Ana e Lucas se revezavam ao seu lado, enquanto Dona Teresa tentava trazer um pouco de normalidade para a rotina da filha. Celma, no entanto, mal conseguia dormir. A cada vez que fechava os olhos, as imagens daquela noite voltavam com uma nitidez cruel. Era como se estivesse presa em um ciclo interminável de terror e arrependimento.
— Senhorita Celma, o delegado quer falar com você sobre a investigação — disse o policial, interrompendo seus pensamentos.
Celma assentiu, levantando-se e seguindo o policial até a sala do delegado. As pernas pareciam feitas de chumbo, e o coração batia descompassado. Sabia que aquele momento era crucial, mas a verdade que carregava dentro de si era um fardo que temia partilhar.
— Senhora Celma, precisamos do seu depoimento completo sobre os eventos daquela noite. Isso ajudará a esclarecer os fatos e a proteger todos os envolvidos — disse o delegado, com um tom firme, mas não sem compaixão.
Celma respirou fundo, sabendo que contar a verdade seria doloroso, mas necessário. Ela olhou para o delegado e começou a relatar os acontecimentos, mantendo a versão anterior dada no hospital. Cada detalhe, cada emoção, cada medo foi compartilhado, na esperança de que isso trouxesse algum tipo de justiça e, talvez, alguma paz. Ela queria proteger Hugo, mas a angústia de esconder a verdade a consumia.
— Eu cheguei à casa de Hugo naquela noite porque precisava pegar uns documentos que haviam ficado lá. Quando cheguei a casa estava vazia apenas o rádio ligado, ele estava no mercado creio eu... Quando ele chegou estava preocupado, parecia desesperado, ele não tem aceitado o processo de divórcio... estava completamente fora de si. Tentou... ele tentou tirar a própria vida na minha frente. Fiz o que pude para salvá-lo — disse Celma, a voz trêmula, mas firme.
O delegado tentou de todas as formas arrancarem a verdade que ele sentia que Celma escondia, mas não obteve sucesso. Celma se manteve firme e fiel ao depoimento anterior. Cada pergunta que ele fazia era respondida com uma calma calculada, uma determinação que surpreendia.
— Senhora Celma, sabemos que essa situação é delicada, mas precisamos de todos os detalhes. Se houver algo mais que queira acrescentar... — insistiu o delegado.
— Não, senhor. Já contei tudo o que aconteceu naquela noite. Tudo o que é relevante para a investigação — respondeu Celma, os olhos fixos no delegado.
Ele suspirou, percebendo que não adiantaria insistir mais. Celma estava decidida a proteger Hugo, mesmo que isso significasse carregar o peso da verdade sozinha.
Celma fechou os olhos revivendo, o momento em que ela havia visitado o Hugo no hospital...
Flashback
No dia seguinte, Celma voltou ao hospital para visitar Hugo. Na recepção, encontrou a enfermeira Josefa, que lhe lançou um olhar simpático.
— Como você está, Celma? — perguntou Josefa, enquanto digitava algo no computador.
— Tentando sobreviver a cada dia — respondeu Celma, forçando um sorriso.
Josefa assentiu, compreendendo a dor nas palavras de Celma.
— Hugo está um pouco melhor hoje. O médico acabou de dar a medicação do dia. Ele é um homem de sorte por ter você ao lado dele — disse Josefa.
— Obrigada, Josefa. Isso significa muito para mim — respondeu Celma, tentando manter a compostura.
Celma foi dirigida até o quarto de Hugo. Ao entrar, viu o médico se preparando para sair.
— Bom dia, doutor. Como ele está? — perguntou Celma, tentando esconder a ansiedade.
— Bom dia, Celma. Hugo está estável. Ele é um homem de sorte, sabia? Foi graças a você que ele está vivo. Você o salvou duas vezes em um único dia — disse o médico, com um sorriso caloroso.
— Fiz o que qualquer pessoa faria — respondeu Celma, olhando para Hugo, que estava deitado na cama, de costas para ela.
— Não, Celma. Nem todos teriam a coragem e a determinação que você teve. Ele deve muito a você — insistiu o médico, antes de sair do quarto.
Quando o médico saiu, Celma se aproximou de Hugo, que ainda estava deitado, olhando para a parede.
— Hugo, como você está se sentindo? — perguntou Celma, a voz suave.
Hugo não respondeu imediatamente. Lágrimas silenciosas escorriam pelo seu rosto. Finalmente, ele se virou para olhar Celma, os olhos vermelhos e cheios de dor.
— Eu... eu não acredito que você fez isso por mim, depois de tudo o que aconteceu — disse Hugo, a voz falhando.
Celma se aproximou mais, sentando-se ao lado da cama.
— Hugo, eu não podia deixá-lo morrer. Não importa o que tenha acontecido entre nós, eu não poderia viver sabendo que não fiz nada para ajudar — respondeu Celma, as palavras carregadas de sinceridade.
Hugo suspirou, o peito subindo e descendo pesadamente.
— Celma, você contou tudo à polícia? — perguntou ele, com medo na voz.
— Contei o que era necessário para eles saberem. Não se preocupe, Hugo. Não contei nada que pudesse incriminá-lo — disse Celma, tentando acalmá-lo.
Hugo olhou para ela, incrédulo.
— Por quê? Por que você fez isso? Você poderia ter me destruído — disse ele, a voz cheia de confusão e gratidão.
— Porque, apesar de tudo, eu não quero vê-lo sofrer mais do que já está. Mas você terá que contar a mesma versão que eu dei, quando a polícia vier falar com você. Eles vão querer ouvir de você também — respondeu Celma, com firmeza.
Presente - Na Delegacia
Celma continuava a dar seu depoimento, mantendo a versão anterior, protegendo Hugo. Quando terminou, saiu acompanhada de o seus pais, o coração ainda pesado com a decisão que havia tomado.
No corredor, Celma viu Hugo entrando com o seu advogado. O pânico tomou conta dela, e ela virou-se para sua mãe, os olhos arregalados.
— Mãe, por que ele está com um advogado? O que ele vai dizer? — perguntou Celma, a voz trêmula.
— Não sei, filha. Só ele pode responder isso — respondeu Dona Teresa, segurando a mão de Celma para tentar acalmá-la.
Dentro da sala do delegado, Hugo e o seu advogado se sentaram. O delegado olhou para Hugo, esperando por seu depoimento.
— Senhor Hugo, preciso que você me conte exatamente o que aconteceu naquela noite — disse o delegado.
Hugo olhou para o advogado, que assentiu. Ele respirou fundo, as lágrimas já começando a brotar nos olhos.
— Foi como Celma disse. Eu... eu estava desesperado. Tentei tirar minha própria vida. Mas Celma me salvou. Ela me salvou duas vezes naquele dia — disse Hugo, a voz quebrada.
Cada palavra era acompanhada de lágrimas, e o delegado observava, tentando discernir a verdade por trás das emoções.
— Senhor Hugo, preciso que você seja específico. Houve algum tipo de violência ou conflito entre vocês? — perguntou o delegado, insistindo.
— Não. Não houve. Eu estava em um estado emocional tão caótico que nem sei como consegui chegar até aqui. Celma não fez nada além de tentar me ajudar — respondeu Hugo, ainda chorando.
Lá fora da delegacia, Celma se recusava a partir. Queria ter certeza de que Hugo não havia mudado o depoimento.
— Celma, precisamos ir. Não há mais nada que possamos fazer aqui — disse seu pai, tentando convencê-la.
— Eu não posso ir, pai. Preciso ve-lo sair. — insistiu Celma, os olhos fixos na porta da delegacia.
Finalmente, Hugo e seu advogado saíram pela porta. Não havia nenhum policial os seguindo, e Celma suspirou aliviada. Se Hugo tivesse contado a verdade, ele não estaria saindo dali tão facilmente.
Hugo caminhou em direção a Celma, o rosto ainda marcado pelas lágrimas.
— Celma, eu manterei a minha palavara — disse Hugo, a voz carregada de sinceridade.
Antes que Celma pudesse responder, um carro parou bruscamente em frente à delegacia. Edgar saiu do carro aos gritos, partindo em direção a Hugo.
— Seu desgraçado! — gritou Edgar, antes de desferir dois socos no rosto de Hugo, que caiu no chão.
Sr. Augusto segurou Edgar imediatamente, tentando evitar mais violência.
— Edgar, pare! Estamos na frente de uma delegacia! — gritou Sr. Augusto, segurando o filho com força.
Hugo, ainda no chão, limpou o sangue da boca, olhando para Edgar com uma expressão de resignação.
— Não houve nada, Edgar. Foi um mal-entendido. Está tudo bem — disse Hugo, tentando acalmar a situação.
Os policiais se aproximaram, mas Hugo os deteve.
— Está tudo bem, senhores. Foi apenas um desentendimento. Não há necessidade de intervir — disse Hugo, com um tom calmo.
Hugo então se virou para o advogado.
— Por favor, entregue os papéis ao seus advogado. Eu já assinei o divórcio — disse Hugo, resignado.
Os dias passaram, e Celma revivia a cada noite o terror daquele evento. Tinha sustos noturnos, perda de apetite, e ficou uma semana fora do trabalho enquanto procurava ajuda médica.
O processo de divórcio seguia seu curso. No dia da audiência, Celma e Hugo estavam no tribunal. O juiz decretou a partilha dos bens. O carro foi vendido, e ambos decidiram que não queriam nada. O dinheiro da conta conjunta, a mobília da casa e o valor do carro foram doados à igreja onde haviam se casado.
— Hugo, eu não quero nada além de paz. Espero que possamos encontrar isso separados — disse Celma, a voz firme, mas triste.
— Eu também, Celma. Espero que você encontre felicidade, mesmo que não seja comigo — respondeu Hugo, com sinceridade.
Com o martelo batido, o juiz decretou o divórcio. Celma e Hugo estavam oficialmente separados.
Ao saírem do tribunal, Hugo só queria sair da cidade, enquanto Celma queria encontrar um lugar onde pudesse chorar em paz. Seus pais chamavam por ela, mas Celma não olhava para trás enquanto corria pela rua, as lágrimas escorrendo livremente.
O relógio marcava o tempo, e a vida continuava, apesar das cicatrizes que cada um carregava.
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Atualizado até capítulo 62
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