Os dias que se seguiram à separação foram difíceis para Celma. As noites eram intermináveis, preenchidas por um silêncio opressor que parecia sufocá-la. As memórias da última noite com Hugo e o constante estado de alerta a deixavam exausta.
Celma estava deitada na cama, os olhos abertos fixos no teto. O relógio marcava duas da manhã, mas o sono continuava a escapar-lhe. Cada vez que fechava os olhos, as lembranças voltavam com força total, transformando-se em pesadelos assustadores.
De repente, um barulho na cozinha a fez sobressaltar-se. O seu coração acelerou, e ela ficou paralisada por um momento antes de se levantar. Olhou para o relógio que marcava 2h45, caminhou em direção ao som, tentando manter a respiração sob controle. Ao chegar à cozinha, percebeu que era apenas a janela batendo ao vento.
— Droga, Celma, precisa se acalmar... — sussurrou para si mesma, passando a mão pelo rosto cansado.
Dona Teresa, que dormia no quarto ao lado, acordou ouvindo os passos. Ela acordou o Sr. Augusto, dizendo que possivelmente Celma tivera outro sonho. O casal estava a ficar preocupado; não entendiam o que se passava, se era mesmo por ela ter assistido à tentativa de suicídio de Hugo ou havia algo mais. Sr. Augusto acreditava que naquela noite mais coisas aconteceram, algo que só Celma e Hugo sabiam, mas não entendia por que ela mantinha isso em oculto.
— Augusto, estou preocupada com nossa menina. Ela não dorme bem desde aquela noite. — Dona Teresa suspirou, olhando para o marido.
— Eu sei, Teresa. Mas sinto que tem algo mais. Não é só pelo que viu, é como ela age... tem algo que ela não está nos contando.
Na cozinha, Celma suspirou novamente, passando a mão pelo rosto cansado.
— Não posso continuar assim, isto ainda vai me enlouquecer... — pensou em voz alta, a voz trêmula.
O trauma daquela noite com Hugo a perseguia constantemente, e ela sabia que precisava desabafar com alguém, alguém que não a julgaria. Com passos lentos, caminhou até o seu quarto tentando dormir outra vez. Mal fechou os olhos, acordou com um grito sufocado. Seus olhos arregalados vasculharam o quarto, procurando por ameaças invisíveis. O suor frio escorria por sua testa, e ela abraçou os joelhos, tentando acalmar a respiração. A imagem de Hugo, os olhos desesperados, insistia em se repetir em sua mente.
— Eu não aguento mais... — murmurou para si mesma, os olhos marejados de lágrimas.
Dona Teresa e Sr. Augusto entraram no quarto correndo, empurrando a porta. Celma estava abraçando os joelhos, suor escorria por sua testa misturando-se com as lágrimas. Para Sr. Augusto, já não havia dúvidas; algo a mais havia acontecido naquela noite. Mas como perguntar para ela? Ele saiu do quarto dando um murro na porta. Dona Teresa ficou no quarto, abraçando a filha e tentando acalmá-la.
— Está tudo bem, querida, já passou... — sussurrava Dona Teresa, acariciando os cabelos de Celma. — Estou aqui, estou aqui com você.
— Mamãe, eu... eu... não consigo... — Celma soluçava, a respiração entrecortada pelo choro. — É como se ele estivesse aqui, cada vez que fecho os olhos.
— Shhh... calma, meu amor. Estamos aqui para você. — Dona Teresa apertou mais a filha contra si, tentando transmitir segurança.
Celma só conseguiu dormir com a sua mãe ao lado. Quando o sol nasceu, Dona Teresa ainda estava acordada ao lado da filha. Com um suspiro, Celma despertou, espreguiçando-se preguiçosamente.
— Mamãe, o que a senhora faz aqui no meu quarto tão cedo? — perguntou ela, dando um beijo de bom dia à sua mãe.
— Eu... só queria ter certeza de que você estava bem, meu anjo. — Dona Teresa sorriu, embora seus olhos estivessem cheios de preocupação.
Dona Teresa abraçou a filha e se retirou do quarto. Na cozinha, Celma e seus pais estavam tomando o pequeno-almoço. Sr. Augusto olhava para a filha fixamente.
— Papai, o que foi? — perguntou ela, percebendo o olhar intenso do pai. — Por que o senhor está me encarando assim? — sorriu, tentando aliviar a tensão.
— Nada, filha. Só estava pensando... — Sr. Augusto balançou a cabeça, pegando a xícara de café e dando um gole. — Você sabe que pode falar com a gente sobre qualquer coisa, não sabe?
A campainha tocou, e Dona Teresa foi abrir a porta, dando de cara com Lucas.
— Bom dia, Dona Teresa — saudou ele, com um sorriso simpático.
— Bom dia, Lucas. Entre, a Celma já está se preparando para sair.
Ela estava mais retraída, evitava contato físico e se sobressaltava com qualquer som repentino. Lucas, especialmente, notou a diferença.
— Celma, você está bem? — perguntou ele, com uma expressão preocupada.
Celma tentou forçar um sorriso, mas ele saiu torto, sem vida.
— Estou... só estou cansada, Lucas. Muita coisa acontecendo — respondeu ela, desviando o olhar.
Lucas franziu a testa, claramente não convencido. Ele queria ajudá-la, mas cada vez que tentava se aproximar, sentia que ela se afastava ainda mais.
O carro parou em frente ao edifício do escritório. Lucas deixou Celma e seguiu o seu caminho até ao seu trabalho. Durante o dia, Celma tentava manter uma aparência de normalidade, mas por dentro, sentia-se desmoronando. Os colegas de trabalho notaram a sua mudança.
Na reunião, Celma estava sentada ao fundo da sala, tentando prestar atenção, mas sua mente estava em outro lugar. Quando um dos colegas Carlos acidentalmente esbarrou nela, ela se sobressaltou violentamente, derrubando os papéis que estavam na mesa e quase caindo da cadeira.
— Desculpe, Celma, não queria assustar você. — disse o Carlos, olhando para ela com preocupação nos olhos.
— Tudo bem, foi só um susto, Carlos. — Ela tentou sorrir, mas seus olhos estavam cheios de lágrimas.
— Você está bem? — perguntou outra colega Susana, se aproximando e tocando levemente seu ombro.
Celma abriu a boca para responder, mas uma onda de emoção a tomou de surpresa. Ela cobriu a boca com a mão, os ombros tremendo enquanto tentava conter o choro. As lágrimas escorriam pelo rosto, e ela se levantou abruptamente.
— Eu... preciso sair. Desculpem-me. — murmurou, saindo apressadamente da sala.
No corredor, suas pernas fraquejaram, e ela se encostou na parede, respirando fundo. As lágrimas caíam livremente agora, e ela soluçou alto, o som ecoando pelo espaço vazio.
O chefe, percebendo a situação, interrompeu a reunião.
— Pessoal, vamos parar por 1h a reunião por agora. Celma, se Precisar da gente. Marina, vai lá dar uma olhada. — Ele falou, com um tom compreensivo.
Celma correu para o banheiro, mal conseguindo enxergar através das lágrimas. Ao chegar lá, ela apoiou-se na pia, tentando recuperar o controle, mas as náuseas a atingiram novamente. Vomitou e depois se endireitou, enxugando o rosto pálido e molhado.
Marina a seguiu até a porta, esperando do lado de fora com preocupação.
— Está tudo bem aí? — perguntou Marina, batendo suavemente na porta.
— Sim, está tudo bem. — respondeu Celma com a voz fraca, tentando tranquilizá-la.
Celma molhou o rosto, tentando se recompor. Quando finalmente conseguiu sair do banheiro, encontrou Marina esperando do lado de fora. Marina a envolveu em um abraço apertado, sua expressão era de pura preocupação.
— Desculpe, Marina. Acho que é só o stress, de noites mal dormidas. — justificou Celma, tentando dar um sorriso fraco.
— Celma, você precisa de ajuda. — disse Marina, segurando as mãos de Celma com firmeza. — Eu conheço um lugar ótimo, com excelentes psicólogos. Eles podem te ajudar a lidar com isso.
Celma assentiu, as lágrimas ainda esnumndo pelo rosto.
— Obrigada, Marina. Eu... acho que preciso mesmo de ajuda. — respondeu, a voz fraca e trêmula.
Marina a conduziu de volta à sua sala, onde Celma se sentou pesadamente na cadeira.
— Vamos marcar uma consulta agora mesmo. — Marina pegou o telefone, enquanto Celma tentava se recompor, mas uma nova onda de náuseas a fez correr de volta ao banheiro.
Ao retornar, Celma estava ainda mais pálida. Marina a observava com olhos cheios de preocupação.
— Celma, o que está acontecendo? — perguntou Marina, segurando as mãos de Celma com firmeza.
— Eu... eu não sei, Marina. Está tudo tão difícil. — Celma enxugou as lágrimas, tentando se recompor.
— Celma, querida vai ficar tudo bem. Não está sozinha nisso. — disse Marina com um sorriso encorajador.
Celma respirou fundo, sentindo-se um pouco mais relaxada com o apoio de sua amiga.
— Obrigada, Marina. Vou aceitar sua ajuda. — respondeu, finalmente sentindo uma pequena faísca de esperança.
— Liga para está clínica. Eles têm profissionais excelentes, vai para lá e faz alguns exames também. — Marina falou com convicção, os olhos cheios de empatia.
— Obrigada, Marina. Eu... eu acho que preciso mesmo de ajuda. — Celma tentou sorrir.
No final do dia, Celma abandonou o edifício caminhando até o ponto de ônibus, que a levou até ao bairro 21 de julho. Quando chegou em casa, depois de se trocar, foi para a cozinha ajudar sua mãe, mas passou mal devido ao cheiro da cebola.
— Celma, o que foi? — perguntou Dona Teresa, vendo a filha pálida.
— Estou bem, mamãe. Só... só me senti um pouco enjoada. — Celma respirou fundo, tentando se acalmar.
Certa noite, após mais um pesadelo terrível, Celma se levantou ofegante. As mãos tremiam e o suor escorria pela testa. Olhou para o relógio na parede, que marcava 3:47 da madrugada. Não podia continuar assim. Precisava de ajuda, de alguém com quem pudesse conversar sem medo de ser julgada. Decidida, pegou o telefone e procurou por psicólogos na cidade.
A primeira ligação foi rápida, mas ao ouvir o tom profissional e neutro do atendente, Celma sentiu um nó na garganta. Desligou o telefone antes de completar a chamada. Tentou novamente, mas a ansiedade a dominava.
— Você precisa ser forte, Celma. Não pode continuar desse jeito — murmurou para si mesma, enquanto discava outro número.
Finalmente, uma voz suave e acolhedora atendeu.
— Boa noite, aqui é a Clínica Vida Plena, como posso ajudar?
Celma respirou fundo, tentando controlar o tremor em sua voz.
— Eu... eu preciso de ajuda. Gostaria de marcar uma consulta com um psicólogo, de preferência uma mulher.
— Claro, podemos agendar para amanhã à tarde. Pode vir às 15h? — perguntou a atendente, com um tom gentil.
— Sim, 15h está bom. Muito obrigada.
— De nada, estamos aqui para ajudar. Até amanhã.
Celma desligou o telefone, sentindo uma mistura de alívio e apreensão. Sabia que dar o primeiro passo era importante, mas temia reviver os horrores.
***Faça o download do NovelToon para desfrutar de uma experiência de leitura melhor!***
Atualizado até capítulo 62
Comments