Naquela noite, quando o ônibus estacionava no ponto Largo do Sol no bairro social, Celma desceu e começou a caminhar pelas ruas escuras. As lágrimas foram inevitáveis. Cada canto trazia lembranças e saudades, e enquanto ela andava até sua antiga casa, o peso dessas memórias a fazia respirar com dificuldade. O ar parecia denso, quase palpável, carregado de uma nostalgia dolorosa.
Ao chegar à entrada da casa, ela subiu as escadas até a varanda, sentindo cada passo como se fosse uma subida interminável. A porta estava fechada, mas a chave ainda estava em seu bolso. Com mãos trêmulas, Celma a inseriu na fechadura e entrou, fechando a porta atrás de si. O som do rádio ecoava pela casa vazia, uma música antiga que ela e Hugo costumavam ouvir juntos. Na mesa, um copo e uma garrafa de uísque ao lado de um envelope amassado de intimação eram os únicos indícios de vida recente.
Celma andou pela casa, tocando a madeira, as paredes, cada superfície familiar. As lágrimas escorriam livremente pelo rosto, e cada toque trazia uma torrente de lembranças. No quarto, ela se sentou na cama, abraçando o travesseiro e cheirando-o com os olhos fechados. O cheiro era uma mistura agridoce de conforto e dor.
— Não sobra mais nada além de nós dois aqui na minha cabeça. — sussurrou, sentindo o cheiro familiar do travesseiro.
As palavras ecoavam em sua mente enquanto ela lembrava dos momentos bons e ruins com Hugo. Cada suspiro parecia trazer mais uma lembrança dolorosa.
— Como queres que eu te esqueça assim? — murmurou, as lágrimas misturando-se com o travesseiro.
Celma deitou-se na cama, sentindo o peso das emoções sobre ela. Era como se o travesseiro ainda guardasse a essência dos dias felizes que passaram juntos.
— Está tudo tão confuso. E eu já nem sei se te quero de volta... — falou para si mesma, enquanto o cheiro do travesseiro a fazia reviver momentos de carinho e paixão.
O quarto estava escuro, apenas a luz fraca da lua entrava pela janela. Celma sentia-se sozinha, mas as lembranças a mantinham acordada. Ela olhou em volta, os olhos se fixando nos cantos que um dia abrigaram risos e amor.
— Mas quando o sol se põe e o vento fecha a porta, ainda te sinto tão meu, sim. — disse ela, quase inaudível, enquanto o vento fazia a porta ranger levemente.
Ela fechou os olhos, tentando abafar as lembranças, mas elas vinham com mais força. O som do rádio no fundo tocava uma música que eles costumavam ouvir juntos.
— Quando ligo o rádio, é o nosso som que toca. — sussurrou Celma, com um sorriso triste.
As memórias vinham como um filme, cada cena trazendo uma nova onda de saudade. Ela se lembrava das promessas feitas e não cumpridas, das esperanças que agora pareciam tão distantes.
— São tantas lembranças que me fazem andar às voltas... — murmurou, enquanto os dedos traçavam padrões invisíveis na colcha da cama.
Celma levantou-se e começou a andar pelo quarto, cada passo trazendo uma nova lembrança. O som do chão de madeira rangendo sob seus pés era familiar e reconfortante, mas ao mesmo tempo, doloroso.
— Era tão bom quando estavas aqui, a gente corria por este lugar — disse, a voz quebrando-se em um soluço.
Ela parou diante do espelho, encarando seu reflexo. Os olhos vermelhos de tanto chorar, a expressão cansada, refletiam a dor que sentia por dentro.
— De nós, tantas saudades de nós. Eu tenho tantas saudades de nós. — repetiu, quase como um mantra.
A cada palavra, mais lágrimas caíam, mas ela não se importava. Deixou-se afundar nas emoções, permitindo que a dor e a saudade fluíssem livremente.
— Ficou no passado, promessas sem fim que por nós foram postas de lado. Olha o resultado em mim... — disse para o espelho, tentando encontrar algum conforto em suas próprias palavras.
Ela voltou a sentar-se na cama, abraçando o travesseiro novamente. O quarto parecia mais vazio do que nunca, e o silêncio era ensurdecedor.
— Mesmo que eu queira, a razão me revolta. Dói demais e agora nada mais importa. — murmurou, os olhos fechados, tentando abafar a dor com a força do abraço no travesseiro.
De repente, Celma ouviu o som distante de passos no corredor. Ela sabia que estava sozinha, mas a mente pregava peças, trazendo de volta sons e cheiros que agora pertenciam ao passado.
— O ar que respiras já não é o meu... — sussurrou, sentindo o peso da solidão.
O rádio continuava a tocar, cada nota parecia uma faca que cortava seu coração. As lembranças eram tão vívidas que quase podia sentir a presença de Hugo ao seu lado.
— Quando ligo o rádio, é o nosso som que toca. São tantas lembranças que me fazem andar às voltas. Era tão bom quando estavas aqui... — repetiu, as palavras ecoando no quarto vazio.
Ela se deitou, exausta, deixando que o travesseiro absorvesse suas lágrimas. O som do rádio era uma companhia amarga, um lembrete constante do que havia perdido.
— De nós, tantas saudades de nós. Eu tenho tantas saudades de nós. Tantas saudades de nós, de nós. — murmurou, enquanto o cansaço finalmente a dominava.
A noite em Lagoas estava fria e silenciosa. A tempestade interna de Celma era refletida pelas nuvens escuras que se acumulavam no céu. Cada som, cada cheiro, cada toque era um lembrete do passado, uma dor que não podia ser apagada.
Depois de um tempo no carro refletindo, Hugo já não tinha certeza se Celma viria mesmo naquela noite. Ao sair do carro, notou pelo vidro da janela uma pessoa dentro de casa na cozinha. Ele correu até a varanda a passos rápidos, o coração batendo forte.
Hugo abriu a porta e, na sala, deu de cara com Celma apoiada na porta de entrada da cozinha. Um silêncio caiu entre os dois, apenas o som do rádio preenchia o ambiente.
— Oi, Hugo. — disse Celma, tentando manter a voz firme, quebrando o silêncio.
— Oi, Celma. — respondeu Hugo, sem tirar os olhos dela. — Você veio. Como foi seu dia?
— Foi... complicado. E o seu? — perguntou Celma, sentando-se no sofá oposto.
— Cheio de merda, como sempre. — respondeu Hugo, com sarcasmo.
— Bem, estou aqui como prometido. — disse Celma, olhando para ele com tristeza. — Vamos conversar...
— Conversar? Sobre o quê? Sobre como você quer me abandonar? — perguntou Hugo, com ironia.
— Não é isso, Hugo. Eu também já não estou a te entender! Você sabe que não está funcionando, anda atrás de mim querendo conversar. — respondeu Celma, tentando conter as lágrimas.
— E o que você espera que eu faça? Assine esses malditos papéis e deixe você ir embora? — disse Hugo, levantando-se e caminhando até ela.
— Sim, Hugo. Para o bem de nós dois. Daí cada um segue em frente com seu caminho. — respondeu Celma, com a voz trêmula.
Hugo se aproximou, a raiva evidente em seu rosto. — Seguir em frente? Com quem? Com aquele idiota do Lucas? — perguntou ele, sarcástico.
— Isso não tem nada a ver com Lucas. — disse Celma, tentando se manter calma.
— Claro que tem! Sempre tem a ver com ele! — gritou Hugo, jogando o copo de uísque contra a parede.
Celma se encolheu, o coração acelerado. — Hugo, por favor. Não torne isso mais difícil do que já é. — implorou ela. — Desse jeito não vai dar para falar contigo e não me faça me arrepender de ter vindo aqui.
Um silêncio caiu sobre a sala, Celma retomou seu lugar com Hugo ainda em pé olhando para fora.
Hugo a encarou, os olhos cheios de dor e fúria. — Você realmente acha que pode me deixar assim? — perguntou ele, com um sorriso amargo.
— Não temos outra escolha. — respondeu Celma, sentindo as lágrimas escorrerem pelo rosto.
— Eu não vou assinar esses papéis. — disse Hugo, com firmeza.
— Então vamos continuar nos destruindo? É isso que você quer? Olha para ti, Hugo! — perguntou Celma, desesperada.
Hugo a puxou para perto, segurando seus braços com força. — Você é minha, Celma. E sempre será. — disse ele, com um tom possessivo.
Celma lutou para se libertar, mas Hugo a segurava com força. — Me solte, Hugo! — gritou ela, sentindo o pânico tomar conta.
Nesse momento, o telefone de Hugo tocou. Era Edgar, furioso e ameaçador. Hugo atendeu, ainda segurando Celma.
— O que você quer, Edgar? — perguntou Hugo, irritado.
— Você acha que pode fugir de mim? Eu vou destruir você e tudo o que você ama. — ameaçou Edgar.
— Vá se ferrar, Edgar! — gritou Hugo, desligando o telefone.
Celma aproveitou a distração e se soltou, correndo para a porta. Hugo a seguiu, mas ela conseguiu sair antes que ele a alcançasse.
— Volta aqui, Celma! — gritou Hugo, mas ela já estava longe, correndo pelas ruas escuras de Lagoas.
Celma correu até o ponto de ônibus, as lágrimas escorrendo livremente. Ela sabia que precisava sair dali, deixar tudo para trás.
Ao entrar no ônibus, ela olhou para trás uma última vez, vendo Hugo na varanda, gritando seu nome. O ônibus partiu, levando Celma para longe da dor e do passado.
Ela sabia que o caminho à frente não seria fácil, mas estava determinada a seguir em frente, a encontrar uma nova vida, longe de Hugo e das memórias dolorosas.
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Atualizado até capítulo 62
Comments
Solange Araujo
Caramba mulher burra. o cara poderia matar ela na casa 🏡 ela que foi atrás ..
2024-09-08
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