O Ciclo De Uma Vida
Aproveitando o fim de semana, sentada na poltrona da sala, olho pela janela e penso em como minha vida chegou até aqui. Bebendo uma xícara de chá, começo a refletir os acontecimentos desde o meu nascimento. As histórias começam a fluir em minha mente. Para começar, me chamo Lara Salvador, tenho vinte e quatro anos e minha vida parece uma novela.
Quando eu nasci, minha mãe, com apenas dezessete anos, passou por muitas dificuldades. Meus avós eram divorciados e ela morava com minha tia na época. Esta, era uma jovem, poucos anos mais velha que minha mãe. Minha avó morava nos Estados Unidos com a filha mais velha e seus netos. Já o meu avô vivia em outro Estado e não ligava para as filhas, quase não se falavam.
Minha mãe era uma adolescente rebelde e revoltada. Já o meu pai era um adolescente irresponsável. Os dois estudavam na mesma escola e foi assim que se conheceram. Quando minha mãe ficou grávida, meu pai precisou arrumar um emprego e ela passou a ser protegida pela família dele, apesar de continuar morando com minha tia. A propósito, minha mãe se chama Carmélia, que me lembra um nome de personagem de novela ou algo do tipo, acho diferente, nunca encontrei mais ninguém chamada assim.
Continuando a história do meu nascimento, Carmélia contou para minha tia Jade sobre a gravidez e foi uma histeria familiar. Como pode uma adolescente sem nenhum juízo estar esperando um filho? Era a pergunta da família. Todos ficaram chocados e sem saber o que fazer diante de tal situação atípica para uma garota tão nova.
Enfim, meses depois nasci, um lindo bebê, grande e gordo. Depois que fiz um ano, eu e minha mãe começamos a morar com meu pai e sua família. Porém, um ano depois eles terminaram o namoro e mesmo assim continuamos morando juntos porque não tínhamos outro lugar para ir. Carmélia não conseguia pagar suas contas e me sustentar sozinha. Ela tinha um trabalho de meio período e ganhava pouco dinheiro.
Depois, um acontecimento trágico mudou toda a nossa vida. Foi a morte do meu pai quando eu tinha cinco anos. Ele sofreu um acidente de moto por estar bêbado, faleceu no local. Assim, perdemos nosso apoio financeiro e nosso lar. Meus avós paternos eram simples e pobres e com a morte do meu pai mergulharam em dívidas e ficaram muito carrancudos, infelizes e estressados.
Por isso, minha mãe decidiu se mudar da casa deles e se virar comigo por conta própria. Ela não tinha mais a opção de voltar a morar com minha tia Jade porque esta se casou com um homem estranho e nada sociável. Diante dessas circunstâncias, Carmélia resolveu passar uns meses morando com seu novo namorado, o Antônio.
Acontece que esses meses se tornaram anos, até o fim do relacionamento deles. O Antônio era um cara legal, ao menos ao meu olhar de criança. Ele sempre era divertido e me fazia dar muitas risadas. Mas, me lembro de presenciar muitas brigas entre eles, devido a problemas financeiros.
Minha mãe desde a adolescência permaneceu com seu espírito rebelde e era, na verdade, ainda é, uma pessoa muito, eu diria até extremamente difícil de convivência, o que causou o fim do relacionamento dela com o Antônio. Eu tinha onze anos na época. Por sorte, Antônio saiu de casa sem levar nenhum móvel, nada além de suas roupas.
Como naquela época eu já era uma garota crescidinha, lembro-me o quanto minha mãe perdeu a cabeça e ficou sem saber o que fazer. Ela dizia que precisava de mais dinheiro, que tinha muitas contas para pagar e sem a ajuda do Antônio não conseguia. Por isso, passei a estudar em um colégio público perto de onde morávamos. Confesso que estranhei muito. No colégio anterior eu tinha minhas amiguinhas e na nova escola não conhecia ninguém e por estar na metade do semestre peguei uma turma feita, todos com seus grupinhos definidos. A escola pública era muito diferente da particular e isso dificultou a minha adaptação.
Minha mãe pensou na possibilidade de passar um tempo com a avó Joana e a tia Angélica nos Estados Unidos, mas desistiu quando chegou a conclusão que seria difícil se adaptar sem saber falar o idioma e ainda vivendo na casa de familiares que ela não convivia há muitos anos. Com isso, tivemos que nos adequar a nossa nova realidade de dificuldades financeiras.
Por sorte ou não, Carmélia era uma pessoa muito sociável, sabia manipular as pessoas a seu favor. Ela sempre teve muitas amizades, uma dessas lhe ofereceu um posto de trabalho em uma grande empresa, em um cargo administrativo. O salário era muito interessante. Assim, eu com quatorze anos, quis voltar a estudar em um colégio particular, dizendo que precisava de um ensino melhor porque queria fazer medicina e o colégio público estava muito aquém do meu nível de inteligência (de acordo comigo naquela idade). Mas, foi-me negado.
Fiquei irritada por não conseguir o que queria, creio que foi um dos poucos ou único momento de rebeldia na adolescência. Eu ficava o tempo todo dizendo que minha mãe acabaria com meu futuro e que não queria ser uma pobre qualquer igual ela. Ao me escutar dizer essas coisas, Carmélia ficava furiosa, gritava e brigava muito. Me deixava de castigo e não me tratava bem por dias. Foi o início dos nossos conflitos. Ela passou a me ignorar e se irritar facilmente comigo por qualquer coisa.
Eu crescia e percebia o quanto nós eramos diferentes, opostas na personalidade. Não tínhamos nada em comum. Ela criticava tudo em mim. Quando eu fiz quinze anos, não tive festa de aniversário de debutante, como a maioria das garotas dessa idade, porque minha mãe disse que não podia pagar. Fiquei em casa emburrada e comendo sorvete. Acabei amargurada por sofrer muitas críticas dela.
Eu era uma garota inteligente, sempre tirava notas altas nas provas da escola, não entendia porque ela pegava tanto no meu pé. Eu estava fadigada. Mais um ano de revolta passou, com a idade de dezesseis anos, uma grande e nova reviravolta começou lentamente a acontecer na nossa vida. Esta reviravolta tinha um nome, chamava-se Marcelo. Tudo começou a desalinhar por completo em nossa relação quando o tal Marcelo entrou em nossas vidas, em específico, na vida dela. Eles começaram a namorar e esse homem passou a frequentar muito a nossa casa.
Logo de cara, sem razão aparente, não simpatizei com ele, achava-o estranho. Quase todos os dias, depois do trabalho dela, ele vinha para nossa casa e ficava até tarde da noite. Eu tinha a sensação de perda da privacidade. Ele era grosseiro e sentava no sofá da sala com os pés em cima da mesa de centro e os braços cruzados atrás da cabeça, como se dominasse o lugar, como se fosse o dono de tudo ao seu redor. Quando eles brigavam, ele gritava, era ciumento e controlador. Eu tentei falar com minha mãe que não gostava dele e foi tudo em vão.
Ela estava dependente emocionalmente e apaixonada por aquele homem bruto. Eu não conseguia entender o que ela via nele, não era bonito, falava muito alto, era arrogante e nervoso. Porém, ela gostava que ele pagasse coisas caras, sempre a levava em restaurantes caros e eu ficava em casa sozinha até tarde, esperando-a chegar. Dava joias e presentes caros depois das brigas. Eu achava que ele tinha um bom emprego, portava-se de forma esnobe. Às vezes, chegava em nossa casa de terno e gravata, não sei ao certo em que trabalhava.
Claro que com toda minha insatisfação, eu nunca quis saber muito da vida dele. Eu também não gostava de conversar com ele, sentia-me controlada. Era um intrometido. Certa vez, ele queria me proibir de sair com minhas amigas em um final de semana. Nós iriamos apenas comer pizza e depois dormir na casa de uma delas. Mas, esse homem teve a audácia de dizer que era errado me deixar dormir fora, porque na cabeça dele eu e minhas amigas queríamos aprontar algo errado, que ódio me deu.
Eu torcia para que eles se separassem logo, mas isso parecia nunca acontecer e o tempo passava. Eu temia que minha mãe resolvesse trazê-lo para morar com a gente. Esta ideia me aterrorizava. Comecei a me sentir deslocada dentro da minha própria casa, principalmente porque minha mãe não me escutava mais, dizia que eu tinha ciúmes dela com o Marcelo. Por fim, depois de muito desgaste, resolvi parar de falar sobre ele, nunca adiantava mesmo, ela não ligava o mínimo para minhas queixas e opiniões.
Eu não estava sendo ciumenta, tinha muitos motivos para não gostar dele. Claro que o motivo maior era a minha intuição, que me dizia lá, no fundo, haver algo estranho sobre esse homem. E eu estava certa, com o passar do tempo ele mostrou o seu verdadeiro caráter. Nunca podemos duvidar da nossa intuição. Ele foi um problema. Mas, agora vem a pior parte, o que eu temia realmente aconteceu. Eles resolveram morar juntos.
O Marcelo não veio morar no nosso apartamento, nós tivemos que nos mudar para uma nova casa. Marcelo e minha mãe haviam alugado uma casa nova. Isso foi um transtorno na minha vida. Estava acostumada com nosso lugar, com a vizinhança, além disso, minha escola ficava muito perto. Porém, nada disso importou para eles, eu me senti insignificante. Além de ter que fazer uma mudança, que foi muito cansativo, tínhamos juntado muitas tranqueiras, ainda precisei passar a pegar ônibus todos os dias para ir e voltar da escola.
Após morando juntos, percebi que eu estava enganada em apenas uma coisa sobre o Marcelo. Ele não ganhava bem em seu trabalho, não era rico como eu pensava. Descobri apenas que ele trabalhava com algo relacionado a carros. Não sei ao certo o que fazia, qual cargo ou função, nunca quis saber. Talvez era algo ilegal, vai saber. Eu continuava achando ele um estranho, um desconhecido, mesmo morando na mesma casa.
O comportamento da minha mãe também mudou para pior comigo porque ela sempre o apoiava, parecia estar cega para outras coisas, concordava em absolutamente tudo com ele. Os dois sempre me rebatiam em minhas opiniões, eu nunca estava certa em nada que falava (era bem irritante), fico nervosa só de lembrar.
Eu queria fazer o curso de medicina depois que terminasse a escola e os dois me desestimulavam. Falavam que precisava estudar muito e eu não conseguiria tirar a nota suficiente para ingressar no curso. Acho que foram os culpados por eu desistir e feito outro curso na faculdade.
Enfim, chega de falar do Marcelo, ainda tem uma história muito ruim o envolvendo, porém, quero me lembrar de algo bom, enquanto todo esse conflito rolava, algo agradável também acontecia. Não na minha casa, mas na escola. Comecei a estudar com um garoto realmente especial. Ele era o motivo da minha felicidade diária.
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Atualizado até capítulo 45
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