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O Ciclo De Uma Vida

Capítulo 1: O começo

Aproveitando o fim de semana, sentada na poltrona da sala, olho pela janela e penso em como minha vida chegou até aqui. Bebendo uma xícara de chá, começo a refletir os acontecimentos desde o meu nascimento. As histórias começam a fluir em minha mente. Para começar, me chamo Lara Salvador, tenho vinte e quatro anos e minha vida parece uma novela.

Quando eu nasci, minha mãe, com apenas dezessete anos, passou por muitas dificuldades. Meus avós eram divorciados e ela morava com minha tia na época. Esta, era uma jovem, poucos anos mais velha que minha mãe. Minha avó morava nos Estados Unidos com a filha mais velha e seus netos. Já o meu avô vivia em outro Estado e não ligava para as filhas, quase não se falavam.

Minha mãe era uma adolescente rebelde e revoltada. Já o meu pai era um adolescente irresponsável. Os dois estudavam na mesma escola e foi assim que se conheceram. Quando minha mãe ficou grávida, meu pai precisou arrumar um emprego e ela passou a ser protegida pela família dele, apesar de continuar morando com minha tia. A propósito, minha mãe se chama Carmélia, que me lembra um nome de personagem de novela ou algo do tipo, acho diferente, nunca encontrei mais ninguém chamada assim.

Continuando a história do meu nascimento, Carmélia contou para minha tia Jade sobre a gravidez e foi uma histeria familiar. Como pode uma adolescente sem nenhum juízo estar esperando um filho? Era a pergunta da família. Todos ficaram chocados e sem saber o que fazer diante de tal situação atípica para uma garota tão nova.

Enfim, meses depois nasci, um lindo bebê, grande e gordo. Depois que fiz um ano, eu e minha mãe começamos a morar com meu pai e sua família. Porém, um ano depois eles terminaram o namoro e mesmo assim continuamos morando juntos porque não tínhamos outro lugar para ir. Carmélia não conseguia pagar suas contas e me sustentar sozinha. Ela tinha um trabalho de meio período e ganhava pouco dinheiro.

Depois, um acontecimento trágico mudou toda a nossa vida. Foi a morte do meu pai quando eu tinha cinco anos. Ele sofreu um acidente de moto por estar bêbado, faleceu no local. Assim, perdemos nosso apoio financeiro e nosso lar. Meus avós paternos eram simples e pobres e com a morte do meu pai mergulharam em dívidas e ficaram muito carrancudos, infelizes e estressados.

Por isso, minha mãe decidiu se mudar da casa deles e se virar comigo por conta própria. Ela não tinha mais a opção de voltar a morar com minha tia Jade porque esta se casou com um homem estranho e nada sociável. Diante dessas circunstâncias, Carmélia resolveu passar uns meses morando com seu novo namorado, o Antônio.

Acontece que esses meses se tornaram anos, até o fim do relacionamento deles. O Antônio era um cara legal, ao menos ao meu olhar de criança. Ele sempre era divertido e me fazia dar muitas risadas. Mas, me lembro de presenciar muitas brigas entre eles, devido a problemas financeiros.

Minha mãe desde a adolescência permaneceu com seu espírito rebelde e era, na verdade, ainda é, uma pessoa muito, eu diria até extremamente difícil de convivência, o que causou o fim do relacionamento dela com o Antônio. Eu tinha onze anos na época. Por sorte, Antônio saiu de casa sem levar nenhum móvel, nada além de suas roupas.

Como naquela época eu já era uma garota crescidinha, lembro-me o quanto minha mãe perdeu a cabeça e ficou sem saber o que fazer. Ela dizia que precisava de mais dinheiro, que tinha muitas contas para pagar e sem a ajuda do Antônio não conseguia. Por isso, passei a estudar em um colégio público perto de onde morávamos. Confesso que estranhei muito. No colégio anterior eu tinha minhas amiguinhas e na nova escola não conhecia ninguém e por estar na metade do semestre peguei uma turma feita, todos com seus grupinhos definidos. A escola pública era muito diferente da particular e isso dificultou a minha adaptação.

Minha mãe pensou na possibilidade de passar um tempo com a avó Joana e a tia Angélica nos Estados Unidos, mas desistiu quando chegou a conclusão que seria difícil se adaptar sem saber falar o idioma e ainda vivendo na casa de familiares que ela não convivia há muitos anos. Com isso, tivemos que nos adequar a nossa nova realidade de dificuldades financeiras.

Por sorte ou não, Carmélia era uma pessoa muito sociável, sabia manipular as pessoas a seu favor. Ela sempre teve muitas amizades, uma dessas lhe ofereceu um posto de trabalho em uma grande empresa, em um cargo administrativo. O salário era muito interessante. Assim, eu com quatorze anos, quis voltar a estudar em um colégio particular, dizendo que precisava de um ensino melhor porque queria fazer medicina e o colégio público estava muito aquém do meu nível de inteligência (de acordo comigo naquela idade). Mas, foi-me negado.

Fiquei irritada por não conseguir o que queria, creio que foi um dos poucos ou único momento de rebeldia na adolescência. Eu ficava o tempo todo dizendo que minha mãe acabaria com meu futuro e que não queria ser uma pobre qualquer igual ela. Ao me escutar dizer essas coisas, Carmélia ficava furiosa, gritava e brigava muito. Me deixava de castigo e não me tratava bem por dias. Foi o início dos nossos conflitos. Ela passou a me ignorar e se irritar facilmente comigo por qualquer coisa.

Eu crescia e percebia o quanto nós eramos diferentes, opostas na personalidade. Não tínhamos nada em comum. Ela criticava tudo em mim. Quando eu fiz quinze anos, não tive festa de aniversário de debutante, como a maioria das garotas dessa idade, porque minha mãe disse que não podia pagar. Fiquei em casa emburrada e comendo sorvete. Acabei amargurada por sofrer muitas críticas dela.

Eu era uma garota inteligente, sempre tirava notas altas nas provas da escola, não entendia porque ela pegava tanto no meu pé. Eu estava fadigada. Mais um ano de revolta passou, com a idade de dezesseis anos, uma grande e nova reviravolta começou lentamente a acontecer na nossa vida. Esta reviravolta tinha um nome, chamava-se Marcelo. Tudo começou a desalinhar por completo em nossa relação quando o tal Marcelo entrou em nossas vidas, em específico, na vida dela. Eles começaram a namorar e esse homem passou a frequentar muito a nossa casa.

Logo de cara, sem razão aparente, não simpatizei com ele, achava-o estranho. Quase todos os dias, depois do trabalho dela, ele vinha para nossa casa e ficava até tarde da noite. Eu tinha a sensação de perda da privacidade. Ele era grosseiro e sentava no sofá da sala com os pés em cima da mesa de centro e os braços cruzados atrás da cabeça, como se dominasse o lugar, como se fosse o dono de tudo ao seu redor. Quando eles brigavam, ele gritava, era ciumento e controlador. Eu tentei falar com minha mãe que não gostava dele e foi tudo em vão.

Ela estava dependente emocionalmente e apaixonada por aquele homem bruto. Eu não conseguia entender o que ela via nele, não era bonito, falava muito alto, era arrogante e nervoso. Porém, ela gostava que ele pagasse coisas caras, sempre a levava em restaurantes caros e eu ficava em casa sozinha até tarde, esperando-a chegar. Dava joias e presentes caros depois das brigas. Eu achava que ele tinha um bom emprego, portava-se de forma esnobe. Às vezes, chegava em nossa casa de terno e gravata, não sei ao certo em que trabalhava.

Claro que com toda minha insatisfação, eu nunca quis saber muito da vida dele. Eu também não gostava de conversar com ele, sentia-me controlada. Era um intrometido. Certa vez, ele queria me proibir de sair com minhas amigas em um final de semana. Nós iriamos apenas comer pizza e depois dormir na casa de uma delas. Mas, esse homem teve a audácia de dizer que era errado me deixar dormir fora, porque na cabeça dele eu e minhas amigas queríamos aprontar algo errado, que ódio me deu.

Eu torcia para que eles se separassem logo, mas isso parecia nunca acontecer e o tempo passava. Eu temia que minha mãe resolvesse trazê-lo para morar com a gente. Esta ideia me aterrorizava. Comecei a me sentir deslocada dentro da minha própria casa, principalmente porque minha mãe não me escutava mais, dizia que eu tinha ciúmes dela com o Marcelo. Por fim, depois de muito desgaste, resolvi parar de falar sobre ele, nunca adiantava mesmo, ela não ligava o mínimo para minhas queixas e opiniões.

Eu não estava sendo ciumenta, tinha muitos motivos para não gostar dele. Claro que o motivo maior era a minha intuição, que me dizia lá, no fundo, haver algo estranho sobre esse homem. E eu estava certa, com o passar do tempo ele mostrou o seu verdadeiro caráter. Nunca podemos duvidar da nossa intuição. Ele foi um problema. Mas, agora vem a pior parte, o que eu temia realmente aconteceu. Eles resolveram morar juntos.

O Marcelo não veio morar no nosso apartamento, nós tivemos que nos mudar para uma nova casa. Marcelo e minha mãe haviam alugado uma casa nova. Isso foi um transtorno na minha vida. Estava acostumada com nosso lugar, com a vizinhança, além disso, minha escola ficava muito perto. Porém, nada disso importou para eles, eu me senti insignificante. Além de ter que fazer uma mudança, que foi muito cansativo, tínhamos juntado muitas tranqueiras, ainda precisei passar a pegar ônibus todos os dias para ir e voltar da escola.

Após morando juntos, percebi que eu estava enganada em apenas uma coisa sobre o Marcelo. Ele não ganhava bem em seu trabalho, não era rico como eu pensava. Descobri apenas que ele trabalhava com algo relacionado a carros. Não sei ao certo o que fazia, qual cargo ou função, nunca quis saber. Talvez era algo ilegal, vai saber. Eu continuava achando ele um estranho, um desconhecido, mesmo morando na mesma casa.

O comportamento da minha mãe também mudou para pior comigo porque ela sempre o apoiava, parecia estar cega para outras coisas, concordava em absolutamente tudo com ele. Os dois sempre me rebatiam em minhas opiniões, eu nunca estava certa em nada que falava (era bem irritante), fico nervosa só de lembrar.

Eu queria fazer o curso de medicina depois que terminasse a escola e os dois me desestimulavam. Falavam que precisava estudar muito e eu não conseguiria tirar a nota suficiente para ingressar no curso. Acho que foram os culpados por eu desistir e feito outro curso na faculdade.

Enfim, chega de falar do Marcelo, ainda tem uma história muito ruim o envolvendo, porém, quero me lembrar de algo bom, enquanto todo esse conflito rolava, algo agradável também acontecia. Não na minha casa, mas na escola. Comecei a estudar com um garoto realmente especial. Ele era o motivo da minha felicidade diária.

Capítulo 2: O Garoto

O motivo da minha felicidade na adolescência era um garoto, o Estefano. Ele era o garoto mais inteligente que conheci. Muito maduro para sua idade, escrevia muito bem, desenhava muito bem e era bom em todas as matérias da escola. Sempre sabia responder às perguntas dos professores e era elogiado por todos, nas apresentações de trabalhos escolares falava como um adulto.

Porém, todas essas qualidades eu só levei em consideração alguns anos depois, naquela época ele era apenas um garoto legal que eu gostava de conversar sobre diversos assuntos e passar o tempo. Não sabia até então o quanto especial ele era.

Após meses de amizade, ele começou a dizer que estava sentindo algo por mim, um sentimento além da amizade. Começou a me elogiar e dizer que gostaria de ser mais do que um amigo. Mas, eu não queria saber de namorar, via-me apenas como uma garota imatura e relacionamentos amorosos me faziam lembrar da minha mãe com todas as suas desilusões amorosas.

Por isso, todas as experiências amorosas desastrosas que vi minha mãe se meter, deixavam-me com o pé atrás no quesito relacionamentos. Foi por isso que eu disse ao Estefano que não queria nada além de sua amizade. Só que ele era realmente um garoto muito legal e não ficou ofendido, nem magoado, ainda assim continuou próximo, como amigo, não ficou me pressionando.

Ele estava sempre ao meu lado na escola, sempre grudado, era o meu melhor amigo. Fora da escola nos dois continuávamos em contato, mandávamos mensagens reciprocamente durante o dia, principalmente aos finais de semana, que eram os dias onde não nos encontrávamos porque naquela época eu quase não saia de casa a não ser para escola.

Ele era muito fofo, respeitoso e diferente dos outros garotos do colégio. Tinha uma sensibilidade aflorada para tudo, para os relacionamentos pessoais, artísticos, comportamentais, absolutamente tudo. Apesar de tantos elogios, eu não era apaixonada por ele. Na verdade, pensando bem, acho que eu gostava um pouco dele, porém, não percebia ou não entendia esse sentimento.

Eu tinha uma relutância interior que não me deixava prosperar o sentimento e ficava feliz sendo apenas amiga dele. Ficamos dois anos estudando juntos, sem nos desgrudar por todos os dias, nós conversávamos sobre tudo, ficávamos por várias horas compartilhando ideias, ele parecia me conhecer tão bem. Era generoso, oferecia-se para me ajudar com o que precisasse.

Certa vez, em nosso colégio, alguns alunos eram escolhidos para ficar depois do horário das aulas para limpar as cadeiras da sala de aula, quando chegou o meu dia de fazer a limpeza, ele se ofereceu para fazer em meu lugar e isso me deixou muito tocada por achar um grande ato de gentileza.

Quando estávamos no nosso último ano escolar, começamos a fazer planos para a faculdade. Eu desisti de medicina e resolvi fazer psicologia, o Estefano estava em dúvida entre direito e medicina. Ele era um garoto muito dedicado e começou a estudar em casa, por conta própria, porque sabia que o ensino da nossa escola não era bom o suficiente para ajudá-lo a passar no vestibular, que era muito concorrido para o curso desejado.

Por outro lado, eu fui contraditória, como sou em vários momentos da minha vida. Em vez de começar a estudar bastante, meu último ano do colégio foi o mais relapso de toda a minha vida estudantil. Eu sequer prestava atenção nas aulas, como sempre fazia nos anos anteriores. Ficava apenas de papo furado com as colegas e fazendo coisas inúteis enquanto deveria estudar.

No entanto, o Estefano teve a ideia de fazer um grupo de estudos comigo e mais dois colegas. Foi um desastre, nós não estudamos nada, ficamos conversando todo o tempo. Porém, uma coisa sobre esse grupo de estudos me marcou muito. Depois de vários meses sem falar sobre seus sentimentos, o Estefano resolveu tentar outra vez ser mais do que meu amigo. Acho que ele deve ter achado que seria a última oportunidade antes de acabarmos a escola e cada um seguir seu caminho.

Ele me chamou para irmos juntos e sozinhos para atrás de uma árvore que tinha no fundo da escola, disse querer me mostrar o que havia escrito com um estilete nessa árvore. Naquele momento eu analisei toda a situação. Era uma garota sem experiências amorosas, mas não era estúpida, senti que ele queria algo a mais, essas coisas a gente consegue sentir por extinto, como intuição. Provavelmente ele me daria um beijo.

Fiquei apreensiva, todas às vezes que ele tinha confessado seus sentimentos foi por mensagens no celular, ou quando pessoalmente foi em tom de brincadeira ou um elogio. Entretanto, senti a diferença, aquele momento eu podia perceber que ele estava realmente preparado para o ataque. Eu estava surpresa porque ele era sempre tão passível.

Eu neguei acompanhá-lo, porém, ele não desistiu de uma aproximação, acho que estava realmente decidido. Me olhou profundamente nos olhos, até senti borboletas no estômago, e me pediu que o acompanhasse até a cantina da escola e eu fui. Ele continuou olhando no fundo dos meus olhos por alguns segundos, mas pareceu uma eternidade, e começou a andar bem rente ao meu lado, quase grudado, nossos braços se encostavam.

No caminho, ele começou a falar que nosso grupo de estudos não estava funcionando e que em pouco tempo não estaríamos mais nessa escola, que nossas vidas mudariam por completo. Então, de repente parou no meio do caminho. Não havia ninguém por perto, era um horário que não tinha aulas e quase nenhum aluno na escola. Senti que só existiam nós dois naquele lugar. Fiquei nervosa e tentei sair, só que ele segurou a minha mão e me olhou daquele jeito profundo novamente.

Não tinha como fugir, ele declarou seus sentimentos novamente, dessa vez foi olhando nos olhos e dizendo todas as palavras mais claras possíveis. Confesso que não me lembro exatamente quais palavras ele usou para confessar o que sentia. Segurando a minha mão, disse algo como: “Quero que você seja minha namorada, quero te beijar agora mesmo, e se não for agora, vou esperar o momento certo, eu gosto muito de você”.

Depois da confissão, como em uma cena de novela, fomos interrompidos, nossos colegas do grupo de estudos chegaram e ele imediatamente soltou minha mão tão rápido que ninguém percebeu. Nós voltamos para os nossos estudos, mas ficamos nos olhando o tempo todo, não conseguia focar em mais nada. Logo fomos embora. Quando cheguei em casa, recebi uma mensagem dele dizendo: “Se você estiver preparada, pode me dar uma resposta agora, mas, se a resposta for: “não”, é porque não está preparada e vou esperar até que seja um “sim”.”

Fiquei sem saída, se eu dissesse “não” ele alegaria que não estou preparada, mas eu não podia dizer “sim”. Então, respondi que daquela forma eu não saberia o que falar. Em resposta, ele disse: “Você ainda saberá a resposta, estou certo disso. Eu gosto muito de você e posso ser muito legal contigo, então, apenas não diga nada agora, eu entendo e espero”. Foi o que fiz, não disse nada e não sei o que ele entendeu disso.

Isso aconteceu em uma sexta-feira, quando nos encontramos na segunda na escola parecia que nada disso tinha acontecido, ninguém tocou no assunto. Entretanto, minha amiga mais próxima começou a me tratar de forma estranha. Ela era um dos membros do grupo de estudos daquele dia. Ela não queria conversar comigo e durante o intervalo das aulas eu a perguntei se tinha acontecido alguma coisa ruim durante o fim de semana.

Ela respondeu que não aconteceu nada de mais e começou a me perguntar sobre o meu relacionamento com o Estefano, dizendo: “Vocês estavam bem grudados no nosso último encontro e sumiram do grupo por um bom tempo, estou vendo que algo está acontecendo entre vocês dois”. Eu prontamente neguei, mas admiti que o Estefano confessou seus sentimentos.

Ela era minha melhor amiga, não via malícia no desejo dela em saber sobre nós dois. Hoje em dia, analisando todo o contexto, talvez ela tenha ficado com um pouco de ciúmes. Essa amiga se chama Diana, parecia um pouco invejosa porque corriqueiramente queria tudo o que eu tinha. E se aproveitava de mim em diversas situações. Nas provas sempre me pedia cola, nos trabalhos me deixava fazer a maioria sozinha. Dizia-se menos inteligente que eu, falava que se achava burra, mas com o propósito de me deixar com pena e assim poder me usar ao seu favor.

Sempre se apaixonava por garotos que nunca se importavam com ela, por isso, acho que sentiu inveja, quando soube que o Estefano gostava de mim. Inclusive, ela dizia achar o Estefano uma gracinha. Falava que eu não parecia interessada nele e não deveria forçar nada contra minha vontade porque nós dois eramos bem amigos e isso estragaria nossa amizade. Também, deixava claro em suas atitudes não querer que eu tivesse um namorado e ela não.

Anos depois essa amiga acabou por estudar na mesma faculdade que eu, no mesmo curso. Porém, vou deixar essa história de amizade durante a faculdade para outro momento. Enfim, os meses passavam rápido e o final do ano letivo se aproximava. Fizemos nossas provas para tentar entrar na universidade. Tentamos várias faculdades. Os resultados chegaram e não foram tão bons como estávamos esperando.

O Estefano não conseguiu passar em nenhuma Universidade para medicina, por muito pouco. Suas notas não foram ruins, só que ele estava tentando as melhores universidades do país e era o curso mais concorrido de todos. Já eu, por outro lado, consegui ser aprovada para o curso de psicologia em apenas uma universidade, dentre as quatro que havia tentado, porém, ficava do outro lado do país, um Estado bem longe de onde morava.

Foi então que um dos primeiros dilemas da minha vida surgiu. Eu deveria entrar na faculdade agora ou tentar novamente ano que vem em uma universidade melhor e mais próxima? Eu era uma garota muito acomodada, buscava facilidade e praticidade na vida, não queria mudar para outro Estado. Também, não tinha dinheiro para pagar as despesas que surgiriam.

Estaria por conta própria, sem ajuda, fiquei com medo de não conseguir me virar sozinha. Fui covarde e desisti, não me matriculei no curso. Fico pensando, o que teria acontecido de diferente na minha vida se eu tivesse ido? Com certeza nada seria igual. Uma única decisão é capaz de mudar completamente uma vida.

Ao acabar o colégio, eu e o Estefano não tivemos uma despedida, era como se quiséssemos nos encontrar outra vez, mesmo com cada um seguindo caminhos diferentes. Passamos a conversar apenas por mensagens. Ele me disse que ficaria o ano todo estudando, fazendo aulas preparatórias para passar na prova e entrar na faculdade. Eu procurei a mesma motivação e comecei a estudar, coisa que deveria ter feito no meu último ano de escola e não fiz.

Nessa época eu perdi o contato com todos os colegas da escola, com exceção do Estefano. Porém, não nos falávamos com frequência como antes, eram raras nossas mensagens, acho que ele realmente estava muito focado nos estudos. Assim, passou um ano inteiro. No dia da inscrição da faculdade, sem contar para ninguém, mudei de ideia sobre qual curso fazer.

Eu era muito jovem, não tinha certeza do que queria da vida. Resolvi tentar o curso de Direito, um desejo oculto. Fui aprovada e apenas depois contei para minha mãe e ela ficou surpresa. Quando fui contar para o Estefano, ele também teve uma dose de surpresa, assim como eu, optou por cursar direito, uma grande coincidência. Porém, em outra universidade. Ele me contou ter planos de ser juiz no futuro.

Capítulo 3: Novidades

Quando eu entrei na faculdade conheci todo tipo de gente e vi coisas legais e algumas nem tanto. Meu curso ficava em um grande campus e pude ter contato com alunos de diversos outros cursos, trocar muitas experiências e conhecer pessoas com pensamentos diferentes dos meus. Logo no meu primeiro ano, criei uma rede social e comecei a seguir meus antigos colegas de escola para saber o que estavam fazendo, inclusive o Estefano. Foi assim que descobri que ele estava namorando. Acho que foi por isso que se afastou completamente nos últimos meses.

Eu fiquei com uma sensação estranha e foi nesse momento que percebi meus sentimentos, no fundo, sentia algo maior que amizade, queria ele como namorado. Só que era tarde de mais para isso, deixei passar a oportunidade. Resolvi não entrar em contato para não ficar com ciúmes e tentar esquecer. Em contrapartida, comecei a prestar atenção em outros garotos, os da faculdade. Um deles me chamou muito atenção, ele era muito bonitinho, não era um garoto muito lindo, porém, era simpático.

Ele tinha os cabelos castanhos e bem curtos, olhos acinzentados e um sorriso maravilhoso. O fato dele estar sempre sorrindo me cativou. Também, tinha um olhar expressivo e compenetrante. Era muito sociável, conversava com todos. Acho que logo percebeu meu interesse porque começou a trocar olhares comigo, que durou por meses, sem nenhum de nós tomar qualquer atitude.

Certa vez, o professor pediu um trabalho em grupo, e, não sei como, o destino nos colocou no mesmo grupo. Foi aí que tive chance de me aproximar. Começamos a conversar devido ao trabalho, o que antes era apenas um “bom dia”, passou a ser troca de ideias por uma hora contínua. Claro, a maioria do tempo sobre a matéria do trabalho. Porém, melhor do que nada.

O pessoal do grupo marcou de finalizar o trabalho na casa de uma colega em uma sexta-feira depois da aula. Lá fomos, um grupo de cinco pessoas. Depois de duas horas de planejamento e adequação do trabalho, estávamos conversando outros assuntos e rindo por qualquer motivo. A dona da casa resolveu pedir a um dos colegas que comprasse cervejas para ficarmos até tarde da noite divertindo. Aquela foi a primeira vez que me senti uma legítima universitária curtindo a vida.

Após bebermos por um tempo, todos estavam bem soltos e jogados, gritando e cantando. O garoto de quem eu gostava se aproximou e começou a conversar comigo. Eu estava bêbada e não lembro o que conversávamos, só me lembro que em determinado momento me contou que percebia o jeito que eu olhava para ele e também começou a se interessar por mim. Disse que gostava de garotas inteligentes como eu.

Depois, aproximou-se lentamente, tão próximo que pude sentir sua respiração, até que ele encostou seus lábios aos meus. O meu coração se acelerou. Era a primeira vez que eu beijava alguém já que passei o ensino médio lutando contra encontros amorosos. Também, foi o meu segundo beijo, terceiro, quarto e seguintes, porque nos beijamos por toda a noite, trocamos amassos e carinhos sem parar.

O fim de semana passou, na segunda-feira eu não sabia como reagir quando chegasse na faculdade, estava ansiosa para ver o garoto, por um lado queria mais dele, mas por outro, estava satisfeita e não queria mais nada. Ao chegar na faculdade, o garoto veio sorrindo ao meu encontro e me deu um beijo demorado na bochecha para me cumprimentar, algo que ele nunca fazia.

Me disse: “sexta passada foi bem louco, né?”. Eu apenas assenti com a cabeça em confirmação e a aula começou. Trocamos olhares por umas cinco vezes durante uma hora de aula, ele sempre com um sorrisinho suspeito. O intervalo chegou e me chamou para conversar junto ao seu grupo de amigos, mas eu recusei, afirmando estar ocupada.

Na verdade, eu não queria mais nada com ele além daqueles beijos trocados. A ilusão tinha passado, apesar de sentir meu coração palpitar todas às vezes que ele me olhava, não era grande coisa. A partir daquele dia, estranhamente comecei a parar de trocar olhares e me afastei dele. Acho que rapidamente ele notou a mudança e também se afastou de mim.

No início do semestre seguinte, encontrei na faculdade a antiga amiga da escola, a Diana. Ela veio conversar comigo imediatamente ao me ver. Fiquei surpresa por encontrá-la fazendo o mesmo curso que eu. Todas às vezes que nos esbarrávamos pelos corredores, ela vinha conversar comigo. Uma amiga, chamada Gabriela, que sempre estava comigo pela faculdade, começou a estranhar a Diana, dizia que era do tipo de pessoa com algum interesse por trás de suas atitudes. Eu não julguei, no ensino médio ela tinha uns comportamentos duvidosos.

A Diana tentava forçar nossa amizade, que já não era a mesma desde o ensino médio. Certa vez, conversou comigo por um longo tempo, falávamos sobre nossos colegas de escola. Foi quando ela mencionou o Estefano. Disse que falou com ele algumas vezes depois que terminamos a escola, que alegou estar muito bem em sua universidade. Eu contei que ele estava namorando e ela ficou surpresa. Falou: “Ele não era apaixonado por você? Parece que muita coisa mudou desde então”. Claro que mudou, ele não poderia me esperar para sempre, pensei.

Por tal conversa, ela sugeriu que marcássemos um encontro para relembrar os velhos tempos. Disse que enviaria mensagem ao Estefano o convidando para uma saída em grupo. Eu aceitei, mas não imaginei que ela realmente faria acontecer. No entanto, estava enganada, descobri dias depois que ela realmente falou com ele e planejavam o encontro.

Até aquele momento, não imaginava poder encontrá-lo novamente. Confesso que fiquei empolgada e ansiosa. Logo depois, estávamos com datas marcadas, sábado seria nosso encontro, eu estava tão ansiosa que não sabia o que vestir no dia. Tinha quase dois anos que não nos víamos, fiquei com um frio na barriga.

Quando chegou o dia, eu e a Diana combinamos de chegar mais cedo que o horário marcado. Estávamos conversando quando o Estefano chegou, de longe eu o vi e fiquei observando concentrada até se aproximar, assim consegui analisar bem. Ele estava muito diferente da época do ensino médio.

Seus cabelos estavam maiores, mais ondulados e brilhantes, seu castanho escuro parecia mais claro, podia ser a luz do lugar, não sei. Seus olhos castanhos-claros brilhavam, sua pele estava lisa e reluzente, sem nenhuma espinha, que costumava ter na época da escola. Quando ele nos viu bem mais próximo, soltou um sorriso. Um sorriso enorme e encantador. Tirou os aparelhos que usava na escola e seus dentes estavam perfeitos, nunca vi dentes tão bonitos e brancos, seu sorriso iluminava.

Reparei que ele estava muito bem-vestido, quando se aproximou, também, notei ser muito cheiroso. Fiquei encantada, e como não ficar, ele tinha se tornado um lindo homem. Ao chegar, disse: “Olá garotas, quanto tempo! Fiquei muito feliz por vocês marcarem esse encontro. Vocês estão bem?”. Ele parecia muito feliz e empolgado com nosso reencontro, bem interessado em saber como estava nossa vida.

Nós respondemos suas perguntas, contando sobre a faculdade e perguntamos sobre ele. Então, ele contou uma longa história, que durou vários minutos, sobre estudar muito. Eu só conseguia prestar atenção e memorizar tudo o que dizia. Ele parecia tão maduro, definitivamente não era mais apenas um garoto, um adolescente, como da última vez que o vi. Se tornou um homem cheio de planos e muito inteligente, com uma conversa agradável e envolvente.

Estava muito culto, falou sobre livros, escritores que gostava, política, programas sociais, etc. Disse desejar contribuir com a sociedade, ajudava pessoas necessitadas por meio de um grupo criado com seus colegas de faculdade. Eu mais escutava do que falava, era claro que a vida dele estava muito mais fascinante que a minha.

Após horas, nos despedimos e fomos embora. Quando cheguei em casa estava em êxtase. Inesperadamente uma hora depois, recebo uma mensagem dele. Era interessante que depois de tanto tempo ele ainda tinha meu número de telefone. Ele disse: “Você continua a mesma garota do ensino médio, considere isso como um elogio. Eu gostei muito de te ver novamente, queria poder te encontrar mais vezes”.

Eu não sabia o que responder, meu coração quase saiu pela boca, foi muito inesperado. Apenas respondi ter gostado muito do nosso encontro, não quis falar nada a mais para não alimentar as minhas esperanças. Entretanto, não ficou por isso mesmo, no dia seguinte ele me mandou mensagem novamente, conversava sobre um livro que tinha mencionado no encontro anterior, desde então não paramos mais de trocar mensagens.

Dias depois, após conversarmos bastante, criei coragem e perguntei sobre a namorada dele, que vi nas redes sociais. Para minha surpresa, ele me contou que haviam terminado há meses. Eu fiquei feliz em escutar aquilo, mas procurei não demonstrar nenhum sentimento. Eu disse: “Poxa, que pena, mas acontece mesmo, ao menos você vai poder aproveitar mais a faculdade e também estudar mais”. Ele concordou comigo e logo mudou de assunto.

Eu não demonstrava que estava finalmente interessada nele, conversava como a amiga do ensino médio, sem intenções a mais. Durou meses de conversas por mensagens, sem que eu tivesse coragem de chamá-lo para sair, mas sempre ansiosa e na expectativa que ele me convidasse. Foi então que, perto do meu aniversário de vinte anos, ele me convidou para sair e disse querer me dar um presente para comemorar a data. Marcamos de jantar juntos.

Chegou o dia do encontro e ele estava lindo, como sempre, bem-vestido. Sem demoras, foi logo me presenteando, era o tal livro que tinha falado naquele encontro com a Diana, do qual também foi o motivo de iniciarmos nossas longas conversas por mensagens. Fiquei muito feliz e achei representativo.

As horas pareciam passar muito rápido, não queria que acabasse logo esse momento. Quando nos demos conta, o restaurante começou a dar indícios que estava fechando, era bem tarde da noite e fomos embora. O Estefano se ofereceu para me deixar em casa. Eu aceitei e no caminho conversávamos:

— Estou surpresa por você ter um carro novo porque a vida universitária é recheada de perrengues e falta de dinheiro. Foi um presente dos seus pais?

— Na verdade, eu mesmo comprei.

— Não sabia que você estava trabalhando.

— Lembra que no ensino médio eu fazia curso de inglês? Então… Hoje em dia sou fluente, por isso, consegui um emprego de professor. Um amigo da família me convidou para dar aulas em sua escola de idiomas, já venho fazendo isso há muito tempo e consegui juntar um dinheiro, mas também tive ajuda financeira dos meus pais, admito.

— Uau, tem muitas coisas que não sei mais sobre você, estou impressionada. Pelo que você disse antes, achei que não tinha tempo para mais nada.

— Um dos motivos da falta de tempo, além dos estudos para ser juiz, também são as aulas que leciono. Mas, não são todos os dias e duram apenas duas horas, por três dias da semana, consigo me programar bem. Cada semestre eu escolho meus horários, consigo bastante flexibilidade como professor.

— Entendi, muito legal! Parabéns por isso.

— Porém, você deve ter entendido mal a questão da falta de tempo, na verdade, eu consigo tempo para mais uma coisa.

— Que coisa?

— Namorar a garota pela qual fui apaixonado boa parte da minha vida, na verdade, a primeira garota pela qual fiquei apaixonado. – Fiquei sem nenhuma reação, eu sabia que ele estava falando de mim, por isso, não conseguia sequer responder algo. Nós paramos no sinal vermelho e ele ficou me olhando, desviei o olhar e ele percebeu que fiquei envergonhada.

— Desculpe, se não estava preparada para escutar isso. Na verdade, eu nunca desisti de você, Lara. Você sempre foi uma garota especial para mim. Eu queria saber o que acha disso agora, com o passar do tempo? Vai me deixar na “friendzone” novamente? – Eu simplesmente comecei a rir, achei muito engraçado ele chamar nossa situação de “frindzone”.

— Por que você chamou assim? Não era “frindzone”. Isso foi muito engraçado. Era assim que você enxergava nossa relação?

— Não exatamente, estava tentando quebrar o gelo. Sempre gostei da relação que tínhamos, nós eramos e ainda somos bons amigos. Acho que bons relacionamentos podem surgir de boas amizades. Eu estava satisfeito por apenas estar ao seu lado.

Ele era tão fofo que fez meu coração pular, poderia atribuí-lo tantos elogios, muito gentil, atencioso, encantador e uma boa pessoa, tinha um bom coração. Eu sabia que encontrar outro garoto como ele era impossível e não podia dizer “não” novamente. Mas, fiquei sem palavras, não sabia o que dizer naquele momento. Apenas o olhei e dei um sorriso agradável, acho que fui compreendida.

Nós chegamos em minha casa e quando fui sair do carro ele segurou o meu braço e disse: “Você não precisa dizer nada, mas talvez as atitudes falem mais do que palavras”, e me beijou. Foi ótimo, muito melhor do que beijar aquele outro garoto da faculdade. O Estefano era por quem eu realmente sentia paixão verdadeira, uma conexão, quem eu desejava e isso foi perceptível através do beijo. Finalmente, eu conseguia deixar que acontecesse algo a mais que amizade entre nós.

O beijo foi tão longo que fiquei até sem ar. Depois, eu saí do carro rapidamente e ele ficou me olhando com um sorriso bobo no rosto. Entrei em casa e não conseguia acreditar em tudo o que tinha acontecido. Eu não imaginei que ele tentaria algo novamente comigo. Achava que tinha partido para outra, seguido a vida e me esquecido.

Muitas coisas mudaram desde o ensino médio, mas aparentemente uma única coisa não mudou, os seus sentimentos. Era como se estivéssemos predestinados a ficar juntos no momento certo. O ensino médio não era o momento certo, eramos adolescentes e imaturos, se tivéssemos nos relacionado antes, provavelmente, não estaríamos juntos naquele momento.

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