EPISÓDIO DEZOITO - Como Duas Crianças

"Que garoto escroto!" Era o único pensamento que conseguia dominar minha mente.

Como pude me enganar tanto com alguém assim? Como não percebi que Ferdinando não valia nada? A angústia tomou conta de mim por um bom tempo, até que minha consciência me forçou a encarar a verdade: eu me deixei enganar porque quis. Escolhi passar por isso, mesmo sabendo que havia uma grande chance de tudo terminar mal. Ferdinando me usou e depois me descartou como se eu fosse um copo de plástico, e o pior de tudo é que os sinais estavam ali o tempo todo. Eu simplesmente ignorei cada um deles.

Mas eu não sou de levar desaforo para casa. Resolvi dar uma última resposta a ele — ou pensava ser a última...

Eu: Você se acha o bonitão, mas não é porra nenhuma. Não passa de um fudido sem eira nem beira, e ainda se acha alguma coisa?

Ferdinando: Mas sou melhor do que você.

Aquele ar arrogante que tanto me irritava escorria por entre as letras.

Eu: Você não é nada. Por que não mostra a tal "coisa melhor" que você está pegando?

Ferdinando: Eu não tenho que te provar nada. Sou muito mais bonito que você, e só isso já mostra que posso ter a mulher que eu quiser. Você, por outro lado, ninguém quer. No máximo, alguém ficaria com você por pena, como foi o meu caso.

Ferdinando não economizava palavras para me humilhar a cada instante. Não parecia ser uma defesa, mas sim um jogo cruel que ele adorava jogar. Cada palavra sua era como uma lâmina afiada, cortando fundo. Por mais que eu tentasse fingir indiferença, meu coração só faltava implorar por misericórdia, sangrando de dor com cada ofensa.

Eu: Eu também posso ter o homem que eu quiser. Não se sinta tão especial, porque beleza não é tudo, e você nem é lá essas coisas. Pode ser lindo por fora, mas por dentro, é horrível.

Ferdinando: Posso ser o que for, ainda sou mais bonito que você.

O teor das suas mensagens parecia vir com um riso sarcástico, como se estivesse se divertindo com a minha dor.

Eu: Você acha que isso é tudo? Haha, a mulher que tiver coragem de dar pra você tem que ter muita raiva da buceta, porque você é podre.

Embora a conversa estivesse acontecendo por chat, a intensidade das minhas emoções fazia parecer que estávamos cara a cara. Cada palavra que eu digitava vinha carregada de ódio e ressentimento, sentimentos que Ferdinando conseguia evocar como ninguém. Ele tinha a habilidade de despertar o pior em mim, e naquele momento, eu estava no meu limite.

Ferdinando visualizou a mensagem, mas não respondeu. Fiquei me perguntando se minhas palavras o haviam atingido de alguma forma ou se ele simplesmente não se importava. Na minha mente, ele havia perdido a discussão — se é que posso chamar minha última mensagem de um "argumento" —, e talvez por isso tenha desistido de responder. Mas, mesmo assim, eu sabia que aquilo estava longe de terminar.

Uma sensação estranha começou a crescer dentro de mim. Era uma mistura de perda e desespero, a percepção de que talvez eu tivesse perdido Ferdinando para sempre. Pior ainda, imaginava que ele pudesse se envolver com outra garota, alguém que jamais sentiria por ele o que eu sentia. Essa possibilidade me corroía por dentro, deixando-me com uma angústia que eu não conseguia afastar.

O mundo ao meu redor escureceu, e tudo o que antes tinha cor e sentido desapareceu. Não havia mais motivos para sorrir, para comer, ou sequer para viver. Uma angústia implacável tomou conta de mim, crescendo dentro de mim como um câncer terminal, que devorava minha vontade de existir. Naquele momento, desejei de forma sombria ter uma doença que me levasse, mesmo que aos poucos, em vez de enfrentar a dor insuportável que estava sentindo.Tudo ao meu redor se tornou cinza e opaco, e fui mergulhando em um estado letárgico, como se tivesse sofrido uma perda irreparável. E de fato, eu sofri. Perdi Ferdinando, e a ficha estava demorando a cair. Apesar da raiva intensa que sentia, ainda o amava com todo o meu ser, e essa contradição me destruía por dentro.⁠— Donatella, tem um peixe para você tratar! — ouvi o eco dos gritos abafados da minha mãe, enquanto eu estava perdida em meus pensamentos. Eu mal conseguia prestar atenção aos seus resmungos, completamente imersa em um transe profundo, sem previsão de retorno.

— Você ouviu, Donatella?! — dessa vez, ela veio até o meu quarto. — Estou falando com você!

— Eu ouvi. Estou indo tratar. — respondi, lutando para conter a raiva que fervilhava dentro de mim.

Satisfeita com minha resposta, minha mãe saiu do quarto. Fiquei encarando o meu tablet por alguns segundos antes de jogá-lo sobre a cama com um olhar de desprezo — não pelo tablet em si, mas pelo contato desprezível que estava nele. Levantei-me da cama e fui para a cozinha, obedecendo ao que minha mãe havia exigido, apenas para me arrepender assim que cheguei lá. A pia estava cheia de peixes corvina, e o cheiro nauseante do peixe enchia o ambiente, tornando a tarefa ainda mais insuportável.⁠

⁠Enquanto terminava de tratar os peixes, a voz da minha mãe ecoava pela casa, reclamando incessantemente sobre como eu nunca fazia nada direito, nem do jeito que ela mandava.

"Que saco..."

Tudo parecia desmoronar ao meu redor. Eu tinha perdido Ferdinando, e agora minha mãe não parava de pegar no meu pé. De repente, minha cabeça começou a girar, e o mundo ao meu redor ficou nublado. Senti meu corpo ceder, e tudo escureceu. Desmaiei, mas ainda estava consciente o suficiente para ouvir minha mãe e Terêncio chamando meu nome desesperadamente.

Donatella! Donatella!

Acordei em questão de segundos, ainda zonza e confusa, sem conseguir raciocinar direito onde estava, embora fosse óbvio que eu ainda estava em casa. Minha mãe, com uma expressão de preocupação, suspirou aliviada ao ver que eu havia despertado. Terêncio me observava com a testa franzida, tentando avaliar se eu realmente estava bem. Coloquei as pontas dos dedos sobre a testa, tentando aliviar a dor pulsante que sentia naquele momento.

"Que dor horrível", pensei, enquanto tentava processar o que tinha acabado de acontecer.⁠⁠

⁠⁠⁠— Vai para o quarto descansar — minha mãe aconselhou, a preocupação evidente em sua voz.

Levantei do chão, arrastando-me para o meu quarto. Deitei na cama, fechei os olhos e tentei, desesperadamente, encontrar o alívio no sono. Somente o sono poderia me afastar, mesmo que temporariamente, da dor que me consumia. Qualquer pessoa que soubesse o que eu estava passando se comoveria com a minha dor e talvez morresse de pena. Eu estava em um estado emocional deplorável, perdida em uma espiral de sofrimento.

Quando acordei, o céu já começava a escurecer. Levantei-me da cama, sentindo-me um pouco mais forte, e fui até a sala, onde me acomodei para assistir TV. Ainda não me sentia pronta para enfrentar a escola, e minha mãe, sensível ao meu estado, não se opôs. Sabíamos que, pelo menos naquele dia, evitar Ferdinando seria o melhor para mim. A ideia de vê-lo, mesmo de longe, era insuportável.

Estava à beira de fazer alguma bobagem da qual me arrependeria profundamente. A raiva que sentia de Ferdinando era intensa, fervendo em meu peito, alimentando pensamentos de vingança. As ofensas dele não podiam sair impunes; eu precisava fazer algo, precisava me defender de alguma forma. Mas, ao mesmo tempo, eu sabia que precisava de calma, que deveria descansar minha mente antes de decidir qualquer coisa.

No entanto, por mais que tentasse, minha mente não me deixava em paz. O amor que eu ainda sentia por ele, apesar de tudo, era como uma maldição que não me permitia seguir em frente. Esse sentimento, que outrora fora doce, agora se tornara minha maior tormenta.

"O que eu posso fazer para arrancar esse sentimento do meu peito? Seja de amor ou de ódio."⁠⁠

A madrugada finalmente se instalou, e eu mal conseguia manter os olhos abertos, ansiosa para me jogar na cama e apagar instantaneamente. O cansaço dominava meu corpo, e eu sabia que precisava de descanso urgente.

Na manhã seguinte, acordei antes mesmo de minha mãe me chamar. Levantei-me e, sem hesitação, comecei a cuidar dos meus afazeres. Lavei os pratos, limpei a casa, cuidei do banheiro, e depois, com tudo em ordem, me sentei para assistir TV. Terêncio estava na escola, e minha mãe repousava no sofá, ocupada com seu crochê. Fazia tanto tempo desde a última vez que a vi com uma agulha e linho nas mãos, que eu mal conseguia lembrar quando foi.

A TV estava sintonizada em um canal evangélico. Para Dona Regiane, assistir qualquer outra coisa era impensável; ela acreditava que as outras emissoras eram obra do diabo. Minha mãe era uma cristã devota, e sua devoção a Deus às vezes me surpreendia, mas, no fundo, sua religiosidade extrema era inofensiva e fazia parte de quem ela era.

Terêncio chegou em casa faminto, quase desvairado, jogando sua mochila no chão antes de se dirigir apressado para a cozinha. Era o típico parasita doméstico, cuja rotina se resumia a comer, cagar e dormir. Não levantava um dedo para ajudar em casa, um encosto preguiçoso que parecia não ter interesse algum na vida. Ele era adotado; minha mãe o trouxe para casa ainda pequeno, quando a mãe dele, sua amiga, faleceu de câncer. Desde então, Terêncio se sentia mais filho dela do que eu e Diana. Sempre tive aquela vontade amarga de esfregar na cara dele que ele era apenas um adotado, na esperança de que isso o fizesse parar de ser tão folgado.

⁠⁠⁠⁠— Vê se não acaba com toda a comida! ⁠⁠⁠⁠— adverti, sem esconder a irritação.

⁠⁠⁠⁠— Eita, vou conseguir comer isso tudo? ⁠⁠⁠⁠— ele retrucou, com aquele tom desafiador.

⁠⁠⁠⁠— Quem não te conhece que te compre! Se pudesse, devorava a casa inteira!

⁠⁠⁠⁠— Eu não sou você, não!

Terêncio tinha o talento especial de me tirar do sério sempre que podia. Apesar das brigas e da irritação constante, eu amava meu irmão. Brigávamos como duas crianças, mas, no fundo, éramos muito unidos.

Capítulos
1 PRÓLOGO
2 EPISÓDIO - Primeiro Dia De Aula
3 EPISÓDIO DOIS - Persona Non Grata
4 EPISÓDIO TRÊS - Aquele Garoto
5 EPISÓDIO QUATRO - Em busca Do Nome Dele
6 EPISÓDIO CINCO - Bate-Papo Amigável
7 EPISÓDIO SEIS - A Monotonia
8 EPISÓDIO SETE - Naquela Quarta (Part 1)
9 EPISÓDIO OITO - Naquela Quarta (Part 2)
10 EPISÓDIO NOVE - Primeiros Sinais
11 EPISÓDIO DEZ - Proposta Inesperada
12 EPISÓDIO ONZE - "Droga...! Menstruei"
13 EPISÓDIO DOZE - Comportamento Estranho
14 EPISÓDIO TREZE - Apenas Um Sexo Oral
15 EPISÓDIO QUATOZE - Indiferente
16 EPISÓDIO QUINZE - É... Não Deu...
17 EPISÓDIO DEZESSEIS - Discussão Escolar
18 EPISÓDIO DEZESSETE - O INICIO DO PESADELO
19 EPISÓDIO DEZOITO - Como Duas Crianças
20 EPISÓDIO DEZENOVE - Visão Errada
21 EPISÓDIO VINTE - Primeiro Fake
22 EPISÓDIO VINTE E UM - Grupo Pesado
23 EPISÓDIO VINTE E DOIS - Numero Errado
24 EPISÓDIO VINTE E TRÊS - Piadinhas
25 EPISÓDIO VINTE E QUATRO - Ridicularizada
26 EPISÓDIO VINTE E CINCO - A Namorada
27 EPISÓDIO VINTE E SEIS - Sangue nos Olhos
28 EPISÓDIO VINTE E SETE - Circulou no Grupo
29 EPISÓDIO VINTE E OITO - Vejo nos Seus Olhos
30 EPISÓDIO VINTE E NOVE - Na Casa da Tia
31 EPISÓDIO TRINTA - A Gota D'Água (Part. 1)
32 EPISÓDIO TRINTA E UM - A Gota D'Água (Part. 2)
33 EPISÓDIO TRINTA E DOIS - "A Diretoria"
34 EPISÓDIO TRINTA E TRÊS - "Confissões de Adolescente"
35 EPISÓDIO TRINTA E QUATRO - Nada Mudou
Capítulos

Atualizado até capítulo 35

1
PRÓLOGO
2
EPISÓDIO - Primeiro Dia De Aula
3
EPISÓDIO DOIS - Persona Non Grata
4
EPISÓDIO TRÊS - Aquele Garoto
5
EPISÓDIO QUATRO - Em busca Do Nome Dele
6
EPISÓDIO CINCO - Bate-Papo Amigável
7
EPISÓDIO SEIS - A Monotonia
8
EPISÓDIO SETE - Naquela Quarta (Part 1)
9
EPISÓDIO OITO - Naquela Quarta (Part 2)
10
EPISÓDIO NOVE - Primeiros Sinais
11
EPISÓDIO DEZ - Proposta Inesperada
12
EPISÓDIO ONZE - "Droga...! Menstruei"
13
EPISÓDIO DOZE - Comportamento Estranho
14
EPISÓDIO TREZE - Apenas Um Sexo Oral
15
EPISÓDIO QUATOZE - Indiferente
16
EPISÓDIO QUINZE - É... Não Deu...
17
EPISÓDIO DEZESSEIS - Discussão Escolar
18
EPISÓDIO DEZESSETE - O INICIO DO PESADELO
19
EPISÓDIO DEZOITO - Como Duas Crianças
20
EPISÓDIO DEZENOVE - Visão Errada
21
EPISÓDIO VINTE - Primeiro Fake
22
EPISÓDIO VINTE E UM - Grupo Pesado
23
EPISÓDIO VINTE E DOIS - Numero Errado
24
EPISÓDIO VINTE E TRÊS - Piadinhas
25
EPISÓDIO VINTE E QUATRO - Ridicularizada
26
EPISÓDIO VINTE E CINCO - A Namorada
27
EPISÓDIO VINTE E SEIS - Sangue nos Olhos
28
EPISÓDIO VINTE E SETE - Circulou no Grupo
29
EPISÓDIO VINTE E OITO - Vejo nos Seus Olhos
30
EPISÓDIO VINTE E NOVE - Na Casa da Tia
31
EPISÓDIO TRINTA - A Gota D'Água (Part. 1)
32
EPISÓDIO TRINTA E UM - A Gota D'Água (Part. 2)
33
EPISÓDIO TRINTA E DOIS - "A Diretoria"
34
EPISÓDIO TRINTA E TRÊS - "Confissões de Adolescente"
35
EPISÓDIO TRINTA E QUATRO - Nada Mudou

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