Naquela derradeira aula noturna de segunda-feira, o cenário da sala de aula parecia estar à beira de uma metamorfose, refletindo a transição da estação para o inverno. A luz do entardecer filtrava-se pelas janelas, criando um ambiente etéreo de sombras e raios dourados, enquanto o vento outonal sussurrava suas histórias nos corredores vazios. A penumbra da noite emprestava um toque de mistério e uma sensação de isolamento, como se o mundo exterior estivesse suspenso em um limbo enquanto mergulhávamos nas profundezas do conhecimento.
Eu estava ali, sentada na minha carteira, imersa em uma atividade que consistia de um papel ofício repleto de letras impressas, cuja caligrafia delicada e antiga me transportava para épocas distantes. A tarefa, um trecho literário de Pero Vaz de Caminha, parecia ser um enigma insondável. As palavras se entrelaçavam em um emaranhado de frases arcaicas, desafiando a minha compreensão. Era como tentar decifrar uma língua estrangeira sem dicionário, uma busca infrutífera por significado.
Apesar da perplexidade que o texto me causava, perseverei, dedicando minha atenção e esforço àquelas palavras misteriosas. Cada letra, cada ponto e vírgula, cada entrelinha eram alvos da minha análise minuciosa. No entanto, a cada leitura, meu entendimento parecia escapar-me, como a areia que escorre entre os dedos de uma mão faminta por agarrar o conhecimento.
Finalmente, quando julguei que havia feito o melhor que podia, entreguei minha tarefa à professora, a guardiã do saber e do julgamento. Com um suspiro de alívio e uma pitada de ansiedade, percebi que estava prestes a me libertar daquele labirinto literário. Minha obra, contendo rabiscos de tentativas de decifração, foi depositada com humildade sobre a mesa dela, ansiosa para descobrir o veredito.
Porém, ao me levantar e preparar-me para partir, não pude deixar de notar o espectro de Carlos Ferdinando que pairava nas proximidades. Seu olhar perspicaz percebeu meu comportamento estranho, minha relutância em encará-lo. Carlos tinha uma aura de mistério e sagacidade que o cercava, observava-me interessadamente, que me fazia sentir nua diante de um olhar que parecia ser capaz de penetrar minha alma. Mesmo eu não o encarando, eu sentir seu olhar sobre mim.
Cheguei em casa naquela noite, exausta e com a sensação de que minha vida estava presa em um ciclo monótono e previsível. A rotina parecia ter engolido todos os momentos de emoção e novidade, deixando-me apenas a escola como uma válvula de escape para sair de casa. O tédio era uma sombra constante, pairando sobre mim, e, ao mesmo tempo, a preguiça me impedia de buscar algo diferente, algo que pudesse romper a apatia que me consumia. Eu me encontrava em um limbo de indecisão, incapaz de entender o que estava acontecendo comigo. A única coisa que me alegrava era saber que no dia seguinte eu teria minha tão sonhada primeira vez com o garoto que eu gostava, e nada mais me abalaria naquela cansativa noite.
Minha mãe, atenta às minhas expressões abatidas e à evidente exaustão que carregava nos olhos
— Como foi a aula? — perguntou com carinho. Aquela fala soou repetitivas demais
Meu olhar para ela era melancólico, e minhas olheiras denunciavam noites mal dormidas e dias cansativos. Aquela era a primeira vez em muito tempo que a sonolência me atingia tão rapidamente ao chegar em casa, apesar de ter feito pouco na escola. A razão para isso estava bem clara em minha mente: eu estava ocupada demais pensando na minha futura noite de "amor" com Carlos Ferdinando, marcado para amanhã, um momento que pairava no horizonte como uma promessa de escapismo e paixão, algo que quebraria a monotonia que dominava minha vida.
Naquele instante, a simples menção do nome de Carlos Ferdinando trouxe um lampejo de entusiasmo à minha rotina cinza. Ele era a chama que aquecia as minhas noites, a única aventura que eu ousava permitir a mim mesma. Aquelas expectativas secretas e, às vezes, proibidas, davam-me um motivo para sair de casa e buscar algo mais excitante do que as paredes que me cercavam.
Minha mãe, com um olhar compreensivo, percebeu que, naquele momento, havia algo mais na minha vida do que simplesmente a escola e a rotina monótona. No entanto, esse segredo guardado a sete chaves, essa paixão ardente por Carlos Ferdinando, era um mundo à parte, um refúgio que eu guardava com zelo, um contraponto à minha vida aparentemente sem graça, que eu guardaria com todo o cuidado.
— Normal como sempre. Vou deitar agora — murmurei com voz cansada, inclinando-me para dar um beijo na testa de minha mãe antes de ir para o meu quarto. O peso da rotina que pairava sobre mim era esmagador, e o descanso era a minha única fuga da monotonia que se repetia dia após dia.
— Você não vai tomar café? Fiz batata-doce — A voz suave de minha mãe quebrou o silêncio, mas suas palavras me atingiram como um soco no estômago. Ao saber que a refeição da noite seria, mais uma vez, batata, uma sensação de desânimo me envolveu. Era uma cena familiar e previsível que eu estava cansada de viver.
A constância da rotina alimentar em nossa casa não era segredo, e o fato de que a batata-doce era um prato recorrente tornava minha desilusão ainda mais palpável. No entanto, expressar minha insatisfação era um terreno perigoso, pois eu sabia que qualquer crítica anterior havia resultado em uma sucessão de reclamações repetitivas que só agravavam a sensação de monotonia.
— Não, obrigada. Estou sem fome. — respondi, tentando esconder a verdadeira razão por trás da recusa da refeição. A simples menção de mais uma refeição à base de batata me deixou sem apetite, mas não queria desencadear outra discussão sobre a monotonia alimentar.
— O que houve? Está apaixonada? — Minha mãe, com sua perspicácia característica, não perdeu tempo em ser direta. Sua observação era inconveniente, mas não estava completamente errada. Na verdade, eu estava começando a me apaixonar pelo garoto que havia acabado de conhecer, uma situação que eu achava bizarra demais para admitir.
— Não. — menti com um suspiro, decidindo manter meu novo envolvimento em segredo por enquanto — Só estou com sono. Boa noite, vou dormir.
— Vai lá, durma com os anjos — Minha mãe respondeu, mas havia um toque de estranheza em seu sorriso, como se ela soubesse que havia mais do que eu estava revelando.
Finalmente, ao chegar ao meu quarto, peguei meu tablet para verificar se Carlos Ferdinando tinha entrado em contato. Para minha alegria, havia uma mensagem dele, que aguardava para ser lida. Era um momento de expectativa e antecipação, uma fuga das preocupações do mundo real para o refúgio de um romance em desenvolvimento.
Ferdinando: Oi
Eu: Oi — respondi
A simplicidade da troca de saudações escondia a complexidade crescente de sentimentos e expectativas que começavam a florescer entre nós. Cada palavra trocada era como um pequeno passo em direção a um terreno desconhecido, onde a paixão e o desejo começavam a ganhar vida, tornando cada mensagem um laço que fortalecia o vínculo que se formava entre nós.
Ferdinando: Como você está? Vi você sair envergonhada. — Ele de fato observou.
Eu: Eu estava com pressa para chegar em casa, apenas — menti para não dar bandeira, mas acho que ele não acreditou muito na desculpa que inventei
Ferdinando: Hum... sei...kkkk
Eu: Você não está acreditando? — indaguei em um tom de brincadeira
Ferdinando: Não sei — duvidou
Eu: É sério. Kkkk — reafirmei em risos
Ferdinando: Tá bom, então. Finjo que acredito
A conversa entre nós fluía de maneira descontraída, mas havia um subtexto palpável em suas palavras, uma tensão sutil que parecia pairar entre nós. Era como se houvesse algo que ambos queríamos dizer, mas hesitávamos em fazê-lo. No entanto, a atmosfera era leve, e estávamos determinados a manter a conversa leve e amigável.
Não demorou muito até que Ferdinando finalmente revelou o que parecia estar lhe incomodando:
Ferdinando: Não vamos poder nos ver amanhã — Sentir um desapontamento na sua fala
Eu: Mas por quê? — questionei
Ferdinando: Minha mãe vai folgar, ou seja: ela vai estar em casa. Vamos deixar para quarta-feira, que tal?
Embora uma sensação de desapontamento tenha me atingido, eu entendia a situação de Ferdinando. Sua explicação parecia genuína, e eu acreditava em suas palavras.
Eu: Tudo bem, sem problemas — assenti
Mesmo que a antecipação tenha sido adiada, a ideia de finalmente encontrá-lo era suficiente para manter viva minha esperança. A história de amor que eu havia imaginado continuava a crescer em minha mente, uma fanfic pessoal que se desdobrava a cada dia.
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Atualizado até capítulo 35
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