EPISÓDIO DOIS - Persona Non Grata

Na manhã seguinte, despertei sob os berros estridentes de minha mãe, que expressava um profundo descontentamento diante da minha condição de jovem desempregada de vinte e dois anos, dormindo até tarde do dia e acordando nas últimas antes do amanhecer.

— Acorde, Donatella! — ecoavam as palavras incisivas de minha mãe.

Encontrada em um estado deprimente de melancolia, tentei me erguer. Movimentando-me lentamente, busquei prolongar ao máximo minha permanência na cama antes de despertar completamente. Contudo, não havia escapatória, minha mãe jamais me permitiria ficar na cama por mais tempo.

Levantei-me da cama com uma sensação de apatia e, então, me lembrei de que, após abrir os olhos e abandonar o leito, minha obrigação era limpar a casa, que permanecia em constante desordem ao longo das vinte e quatro horas do dia. Não valia a pena arrumá-la meticulosamente, uma vez que, inevitavelmente, algo ou alguém a transformaria novamente em um caos. Não compreendia o poder que as pessoas tinham de desorganizar tudo, porém, me faltava energia para restaurar a ordem. No dia em que me exaltei e comecei a exigir que todos zelassem pela casa, mantendo-a limpa o máximo de tempo possível, acabei sendo mal interpretada e acusada de requerer demais dos outros, algo que eu mesma não praticava. Talvez, de fato, eu não correspondesse às expectativas, mas, ao menos, tentei fazer algo pela casa, mesmo que, não importasse quantas vezes alguém a arrumasse, ela sempre voltava a se desorganizar.

Passei o dia imersa em pensamentos acerca dos rapazes atraentes da escola – embora não fossem tão exuberantes, possuíam um padrão estético comum. De qualquer forma, nunca tive o privilégio de ser alvo do interesse amoroso desses rapazes, algo que estava distante da minha realidade. Não se tratava de uma questão de ser feia por conta da minha desleixada aparência, vestimentas modestas e óculos na face, mas sim de não possuir atributos físicos agradáveis aos olhos masculinos. Aquele que desejasse estar ao meu lado seria apenas por interesse em relações sexuais ou por não conseguir conquistar outra mulher, e, inevitavelmente, deveria ser em segredo, oculto de todos para evitar zombarias por parte dos amigos. Quando digo que as mulheres foram destinadas a sofrer, incluo também essa situação.

A noite chegou e mais um dia de aula começou. Preparei-me com um sentimento de desânimo, pois não desejava sair de casa, muito menos ir para a escola, onde as pessoas fingiam que eu não existia — uma realidade comum em todas as instituições de ensino por onde passei –, mas aprendi a me acostumar.

Descer a escadaria da minha casa nunca foi um problema; o verdadeiro desafio era subi-la. Só de olhar para os degraus, minhas costas já começavam a doer, mas não havia outra alternativa ou caminho a ser seguido.

Dirigi-me à escola e, a cada passo em direção à entrada do estabelecimento, uma sensação de apreensão e desconforto percorria meu corpo. Meu coração acelerava sem motivo aparente, mesmo que fosse apenas mais um dia de aula comum. Experimentava uma estranha premonição, como se algo inimaginável estivesse prestes a ocorrer naquele dia.

Adentrei a sala de aula, um tanto receosa, mas sabia que precisava enfrentar a situação. Dessa vez, não me arrumei como uma tentativa de atrair atenção, até porque sabia que não funcionaria; ninguém se importava comigo ou com minhas mudanças de visual. As pessoas apenas esperavam que eu fizesse algo inusitado para rirem de mim, assim como ocorria com Ana Francisca em "Chocolate com Pimenta", a patinho feio que sofria nas mãos da maligna Olga em sua escola. Identificava-me muito com Ana Francisca, pois as pessoas riam dela e ela não conseguia reagir, nem mesmo o homem por quem ela nutria sentimentos a defendia. Ansiava profundamente por uma reviravolta semelhante à de Aninha, mas minha situação era a de um mundo real e não de uma novela. Em certos momentos, eu conseguia ser bastante realista e pé no chão.

Era aula de português da professora Verena. Escolhi um lugar central, uma cadeira atrás da primeira fileira. Infelizmente, acabei sentando ao lado de alguns garotos que pareciam não me notar, nem se misturavam comigo. Naquela época, eu nutria um desejo de ser amiga deles, mas com o tempo percebi que não valiam a pena. Estava prestes a passar por um momento embaraçoso quando Verena pediu para que formássemos equipes. Quase me juntei aos garotos, mas eles tiveram uma atitude que deixou claro que não me queriam em seu círculo. — senti-me uma "persona non grata" — Foi uma situação constrangedora, desnecessária. Tentei disfarçar para minimizar a vergonha, mas acredito que muitos perceberam o constrangimento que experimentei. Naquele momento, só queria enfiar minha cabeça em algum buraco e nunca mais a tirar de lá.

Por sorte, um garoto que parecia ser bem mais velho que a maioria da classe me chamou para participar de seu grupo. Peguei minha cadeira e me juntei a ele e mais três pessoas — um garoto e duas garotas. A professora, ao ver nosso grupo de cinco pessoas, não parecia muito satisfeita.

— Tem muita gente nesse grupo. Um de vocês vá para aquele grupo ali — disse a professora, apontando para um conjunto de três meninos.

Os membros do grupo em que eu estava se entreolharam, ponderando sobre quem seria descartado. Obviamente, a opção seria eu.

— Eu vou. Não tem problema — disse, já me levantando com minha cadeira e me juntando aos meninos.

Percebi que o garoto que me convidou para o grupo ficou um pouco chateado com minha saída, mas não se opôs.

Finalmente, a aula terminou e eu só queria ir para casa, deitar em minha cama e dormir para esquecer aquela noite tão vergonhosa. Parti com as bochechas vermelhas de vergonha, parecendo um pimentão. Talvez ninguém tivesse percebido minha tentativa de me juntar a eles, e não quero culpar ninguém pelas minhas frustrações. Fui eu quem acreditou que poderia surgir uma possível amizade, mas não foi o caso. A partir daquela noite, decidi manter meus pés no chão e não forçar amizades com ninguém.

Chegando em casa, encontrei minha mãe com os olhos fixos no celular. Ela apenas levantou a cabeça para verificar se era eu quem tinha chegado, afinal, quase sempre eu era a última a voltar para casa, ou meu irmão Terêncio, quando retornava da casa de algum amigo, onde gostava de passar horas jogando videogame.

— Você chegou — disse minha mãe, fazendo uma pergunta retórica.

— Sim. O que temos para jantar? — perguntei, aparentando estar faminta.

— Fiz sopa — Ela respondeu.

Quando minha mãe, em momentos de preguiça culinária, optava por preparar uma refeição rápida, ela recorria sempre ao feijão dormido com macarrão, e às vezes até com arroz, adicionando a carcaça de frango para criar uma mistura conhecida como sopa. Como uma pessoa que não tinha muitos motivos para reclamar, eu me dirigi à cozinha e peguei minha vasilha de quinhentos mililitros de margarina. Com a concha de prata cheia, despejei o conteúdo na minha vasilha. "Droga! Ela não colocou sal", resmunguei em meus pensamentos. Minha mãe tinha o hábito de ser moderada no uso de sal, o que me irritava. — quem faz uma sopa sem sal deveria ser condenado à prisão perpétua, com a chave da cela dissolvendo-se em soda cáustica — Eu não esperava que um punhado de sal branco fosse jogado na sopa, mas ao menos que fosse temperada com aqueles cubos de tempero. Depois de tomar minha sopa, fui para o meu quarto, mexer no meu tablet e em seguida, dormir. Eu precisava de uma boa noite de sono para tentar esquecer a confusão que eu havia enfrentado na escola.

Na manhã seguinte, acordei bem mais tarde, sob os berros da minha mãe. Eu detestava acordar cedo, e ela detestava me ver acordando tarde.

— Acorda, Donatella! Já é quase meio-dia! — Minha mãe gritou ao pé do meu ouvido.

Me revirei preguiçosamente na cama, tentando aproveitar ao máximo o tempo de descanso, nem que fosse por um milésimo de segundo, e depois fui me levantando aos poucos. Fiz uma breve pausa na beira da cama para refletir e, em seguida, me levantei por completo e me preparei para tomar meu café da manhã. Pão com manteiga e um copo de leite, essa era a refeição matinal mais comum para nós. Não havia uma rotina estabelecida para o café da manhã ou o almoço, tudo era feito de forma individual e fora de hora.

Capítulos
1 PRÓLOGO
2 EPISÓDIO - Primeiro Dia De Aula
3 EPISÓDIO DOIS - Persona Non Grata
4 EPISÓDIO TRÊS - Aquele Garoto
5 EPISÓDIO QUATRO - Em busca Do Nome Dele
6 EPISÓDIO CINCO - Bate-Papo Amigável
7 EPISÓDIO SEIS - A Monotonia
8 EPISÓDIO SETE - Naquela Quarta (Part 1)
9 EPISÓDIO OITO - Naquela Quarta (Part 2)
10 EPISÓDIO NOVE - Primeiros Sinais
11 EPISÓDIO DEZ - Proposta Inesperada
12 EPISÓDIO ONZE - "Droga...! Menstruei"
13 EPISÓDIO DOZE - Comportamento Estranho
14 EPISÓDIO TREZE - Apenas Um Sexo Oral
15 EPISÓDIO QUATOZE - Indiferente
16 EPISÓDIO QUINZE - É... Não Deu...
17 EPISÓDIO DEZESSEIS - Discussão Escolar
18 EPISÓDIO DEZESSETE - O INICIO DO PESADELO
19 EPISÓDIO DEZOITO - Como Duas Crianças
20 EPISÓDIO DEZENOVE - Visão Errada
21 EPISÓDIO VINTE - Primeiro Fake
22 EPISÓDIO VINTE E UM - Grupo Pesado
23 EPISÓDIO VINTE E DOIS - Numero Errado
24 EPISÓDIO VINTE E TRÊS - Piadinhas
25 EPISÓDIO VINTE E QUATRO - Ridicularizada
26 EPISÓDIO VINTE E CINCO - A Namorada
27 EPISÓDIO VINTE E SEIS - Sangue nos Olhos
28 EPISÓDIO VINTE E SETE - Circulou no Grupo
29 EPISÓDIO VINTE E OITO - Vejo nos Seus Olhos
30 EPISÓDIO VINTE E NOVE - Na Casa da Tia
31 EPISÓDIO TRINTA - A Gota D'Água (Part. 1)
32 EPISÓDIO TRINTA E UM - A Gota D'Água (Part. 2)
33 EPISÓDIO TRINTA E DOIS - "A Diretoria"
34 EPISÓDIO TRINTA E TRÊS - "Confissões de Adolescente"
35 EPISÓDIO TRINTA E QUATRO - Nada Mudou
Capítulos

Atualizado até capítulo 35

1
PRÓLOGO
2
EPISÓDIO - Primeiro Dia De Aula
3
EPISÓDIO DOIS - Persona Non Grata
4
EPISÓDIO TRÊS - Aquele Garoto
5
EPISÓDIO QUATRO - Em busca Do Nome Dele
6
EPISÓDIO CINCO - Bate-Papo Amigável
7
EPISÓDIO SEIS - A Monotonia
8
EPISÓDIO SETE - Naquela Quarta (Part 1)
9
EPISÓDIO OITO - Naquela Quarta (Part 2)
10
EPISÓDIO NOVE - Primeiros Sinais
11
EPISÓDIO DEZ - Proposta Inesperada
12
EPISÓDIO ONZE - "Droga...! Menstruei"
13
EPISÓDIO DOZE - Comportamento Estranho
14
EPISÓDIO TREZE - Apenas Um Sexo Oral
15
EPISÓDIO QUATOZE - Indiferente
16
EPISÓDIO QUINZE - É... Não Deu...
17
EPISÓDIO DEZESSEIS - Discussão Escolar
18
EPISÓDIO DEZESSETE - O INICIO DO PESADELO
19
EPISÓDIO DEZOITO - Como Duas Crianças
20
EPISÓDIO DEZENOVE - Visão Errada
21
EPISÓDIO VINTE - Primeiro Fake
22
EPISÓDIO VINTE E UM - Grupo Pesado
23
EPISÓDIO VINTE E DOIS - Numero Errado
24
EPISÓDIO VINTE E TRÊS - Piadinhas
25
EPISÓDIO VINTE E QUATRO - Ridicularizada
26
EPISÓDIO VINTE E CINCO - A Namorada
27
EPISÓDIO VINTE E SEIS - Sangue nos Olhos
28
EPISÓDIO VINTE E SETE - Circulou no Grupo
29
EPISÓDIO VINTE E OITO - Vejo nos Seus Olhos
30
EPISÓDIO VINTE E NOVE - Na Casa da Tia
31
EPISÓDIO TRINTA - A Gota D'Água (Part. 1)
32
EPISÓDIO TRINTA E UM - A Gota D'Água (Part. 2)
33
EPISÓDIO TRINTA E DOIS - "A Diretoria"
34
EPISÓDIO TRINTA E TRÊS - "Confissões de Adolescente"
35
EPISÓDIO TRINTA E QUATRO - Nada Mudou

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