Capítulo 5: A Fazenda Kilassa

Fazenda Kilassa

A manhã na fazenda Kilassa começou com uma atmosfera tensa, refletida pelo tumulto que ecoava no escritório da casa do Coronel João Silva. O local exalava uma aura de autoridade e poder, com móveis robustos de madeira escura e paredes adornadas com pinturas de paisagens bucólicas. O cheiro de café fresco pairava no ar, misturando-se com o aroma de couro dos móveis e o leve perfume de tabaco queimado.

O Coronel João Silva, um homem imponente com cabelos grisalhos e olhos penetrantes, estava sentado atrás de sua imponente escrivaninha de mogno, enquanto seu capataz Rodrigo Lima e seu filho Pedro Silva se postavam diante dele, aguardando suas ordens com uma mistura de respeito e temor.

As janelas altas deixavam entrar a luz matinal, banhando o escritório em uma luminosidade suave que contrastava com a tensão palpável no ar. Fora, os pássaros cantavam nos galhos das árvores próximas, alheios ao drama que se desenrolava dentro da casa.

O Coronel João Silva olhava fixamente para Rodrigo Lima, seu capataz, com uma mistura de indignação e incredulidade estampada em seu rosto. Seus olhos faiscavam de raiva enquanto ele confrontava o homem à sua frente.

"Como você permitiu que isso acontecesse, Rodrigo?" O tom de João Silva era áspero, carregado de autoridade e descontentamento. "Por que não fomos informados antes? Essas fronteiras fechadas são um ultraje! O que eles querem em troca?"

Rodrigo permanecia imperturbável diante das acusações de seu patrão, mantendo uma expressão impassível enquanto respondia. "Coronel, eu entendo sua frustração, mas não fomos informados sobre os planos da fazenda Quilombo. Eles querem que o patrão ligue de volta à energia elétrica."

O Coronel, cujo semblante já era naturalmente autoritário, ficou ainda mais furioso ao saber da verdadeira intenção por trás do plano dos Almeidas. Andando de um lado para o outro no escritório, ele parecia uma fera enjaulada prestes a explodir.

"O que é que o Miguel está pensando!" retrucou o Coronel, sua voz ressoando pelo escritório. "Quem ele pensa que é! Eu não ligarei a energia sem antes pagarem as suas dívidas comigo."

O capataz tentou argumentar, alertando para as consequências que a falta de água poderia trazer para o gado e para as plantações da fazenda Kilassa. No entanto, o Coronel estava irredutível em sua posição.

"Ainda estamos na época de chuva, vamos deixar assim como se eles tivessem o poder", declarou o Coronel, ignorando as preocupações de seu subordinado. Mas Rodrigo insistiu, apontando para a realidade da situação.

"Senhor, as nossas lagoas são intermitentes e, nesta altura do ano, já não está chovendo o suficiente. Além disso, o nosso gado pasta nas terras do Quilombo durante o cacimbo. Não podemos ignorar essa realidade."

O Coronel foi interrompido antes que pudesse concluir sua linha de raciocínio, enquanto Rodrigo destacava os desafios práticos que a fazenda enfrentaria se a situação não fosse resolvida. Era evidente que meu plano havia colocado o Coronel entre a espada e a parede, forçando-o a confrontar a dura realidade de suas decisões.

Enquanto isso, o meu informante  observava a cena de longe, escondido nas sombras do corredor adjacente. Era fascinante ver o poder em ação, os jogos de influência e as estratégias sendo tramadas em tempo real. Eu sabia que o próximo passo seria crucial e que as consequências poderiam ser devastadoras para ambas as partes envolvidas.

Ao final da discussão, o Coronel parecia ainda mais determinado em sua posição, mas havia uma sombra de dúvida em seus olhos. Ele sabia que estava diante de um dilema difícil, e não havia uma solução fácil à vista.

Rodrigo, por sua vez, permanecia calmo e calculista, sua postura indicando que estava preparado para enfrentar qualquer desafio que se apresentasse. Ele conhecia bem o Coronel João Silva e sabia como lidar com seu temperamento explosivo.

"Coronel, precisamos considerar todas as opções antes de tomar uma decisão precipitada", disse Rodrigo, mantendo a voz firme e controlada. "Temos que pensar no bem-estar dos nossos animais e na viabilidade das nossas plantações. Fechar as fronteiras com a fazenda Quilombo pode ser prejudicial para nós a longo prazo."

O Coronel João Silva olhou para seu capataz com um misto de admiração e desconfiança. Ele reconhecia a astúcia e a determinação de Rodrigo, mas ainda estava relutante em ceder às demandas da fazenda Quilombo.

"Você tem razão, Rodrigo", admitiu o Coronel, sua voz mais calma agora, mas ainda carregada de autoridade. "Precisamos encontrar uma solução que beneficie a todos, mas não podemos parecer fracos diante daqueles insolentes. Vou pensar no assunto e decidir o melhor curso de ação."

Enquanto o Coronel retirava-se para o seu escritório privado para refletir sobre as próximas medidas a serem tomadas, Rodrigo permaneceu no escritório, organizando documentos e fazendo planos para lidar com a crise iminente.

Pedro Silva

Pedro Silva, o filho do Coronel, não conseguia conter sua raiva diante da situação que se desenrolava. Ele via aquilo como um desafio direto à autoridade de seu pai e à integridade da fazenda Kilassa. A ideia de permitir que a fazenda Quilombo ditasse os termos era intolerável para ele.

"Isso é inaceitável!" bradou Pedro, sua voz ecoando pelo escritório com uma intensidade impressionante. Ele golpeou a mesa com força, fazendo os objetos sobre ela tremerem. Sua expressão era de determinação feroz, os olhos faiscando com o desejo de retribuição. "Precisamos resolver isso imediatamente. Não podemos permitir que esses insolentes nos desafiem, meu pai não merece esse ultraje!"

Rodrigo Lima, o capataz, observava silenciosamente, absorvendo as palavras e a energia de Pedro. Ele entendia a gravidade da situação e a urgência em encontrar uma solução. Porém, sua mente pragmática já começava a traçar planos para lidar com a crise de forma eficiente.

"Compreendo sua indignação, Pedro", respondeu Rodrigo com calma, sua voz contrastando com a fervorosa de Pedro. "Mas devemos agir com cuidado e estratégia. Uma abordagem precipitada pode resultar em consequências indesejadas."

Pedro passou as mãos pela cabeça, sentindo a frustração borbulhar dentro dele. Ele sabia que precisava agir rapidamente para proteger os interesses de sua família e da fazenda. O peso da responsabilidade pesava sobre seus ombros, mas ele estava determinado a encontrar uma solução.

"Rodrigo, reúna os homens", ordenou Pedro com firmeza. "Vamos até a fronteira com a fazenda Quilombo e romper a barreira. Precisamos garantir que nossos animais tenham acesso à água do rio, custe o que custar."

Enquanto isso, Rodrigo sentia o peso da responsabilidade sobre seus ombros, sabendo que era sua função garantir que as ordens do Coronel e de seu filho fossem cumpridas. Ele respirou fundo, preparando-se para liderar a equipe em direção à fazenda Quilombo, onde uma confrontação iminente aguardava.

O meu informante observou tudo isso com interesse, percebendo como a dinâmica de poder e as relações de lealdade estavam em jogo. Era um jogo perigoso, no qual cada movimento poderia ter consequências irreversíveis.

À medida que a manhã avançava e o sol alcançava o seu auge no céu, o destino da fazenda Kilassa parecia mais incerto do que nunca. A tensão pairava no ar, e eu sabia que o desfecho dessa disputa teria um impacto profundo não apenas nas duas fazendas envolvidas, mas também em toda a comunidade de Kandumba.

Enquanto isso, eu me perguntava qual seria o próximo passo do Coronel João Silva e como eu poderia usar essa situação a meu favor. A batalha estava apenas começando, e eu estava determinado a sair vitorioso.

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