Capítulo 9| Baile?

Uma garota de cor parda e cabelo liso, preso em um rabo de cavalo sai de trás dela me encarando  como se tivesse visto um fantasma.

—Não convida pra entrar? —Bianca pergunta ainda séria.

—Claro, desculpa, eu... Podem entrar. —Abro um pouco mais a porta, a garota de cabelo liso entra primeiro e logo em seguida Bianca que para em minha frente. Ela continua com as mesmas marcações no rosto, a única diferença é que agora não há mais traços infantis, mas sim de uma mulher, uma linda mulher por sinal.

Sou surpreendida com mãos rodeando o meu corpo. Um abraço que me impulsiona para trás e sinto o leve cheiro de baunilha em seu cabelo.

—Senti tua falta... —Diz baixinho com a voz falhando e posso jurar que senti um líquido quente escorrer em meu ombro.

Continuo a abraçando forte. Me sinto em casa e acolhida. Quando nos afastamos percebo os olhos marejados. Faço sinal para ela entrar e vamos em direção a cozinha.

—Então é tu a "carne nova" —A garota de cabelos lisos, da qual não sei o nome, faz apas com os desdos ao falar as últimas duas palavras.

—E você é...

—Satisfação, Juliana, mas pode me chamar de Ju também. Tu é mais bonita do que me falaram.

—Lilliana, prazer. —Lhe dou um sorriso singelo e aperto sua mão.

—Eu já  sei teu nome, tá bem famosa por aqui.—Ela sorri, mas o meu desapararece completamente.

—Quando o Samu me contou que tu tinha voltado eu não acreditei. —Bianca diz.

—Ele contou só pra vocês ou...

—Mesmo que ele não tivesse contado, metade desse povo fofoqueiro já sabe que tu tá aqui.

Entrego a elas dois copos com suco de maracujá e me junto a elas na mesa. Ok, isso está pior do que eu pensava.

—Me desculpe por vir assim dessa forma, depois do que aconteceu... —Ela parece não se importar e então sorri de novo.

— Foi bom tu ter vindo, tava precisando de uma novidade. E tenta não pensar nisso, é passado. Mas iai, como é lá na gringa? Quero saber de tudo!

Me assusto com a facilidade que ela tem em deixar um problema de lado. Uma característica que p tempo não mudou. Gosto disso.

— Sou eu quem precisa ser atualizada. — Lanço-lhe um sorriso —Aliás, Carlinha ainda está aqui?

Elas me encaram sérias e se entre olham, sinto um arrepio ao pensar no que pode ter acontecido. Após a morte da minha mãe, ganhei sequelas relacionadas a perda.

—A gente não se fala mais, ela mudou pra caramba. Sabe como é essas coisas.—Bia diz com indiferença. Mas eu estou aliviada, curiosa para saber o que houve, mas ao menos ela está viva.

Juliana ainda me encara.

—Tem alguma coisa errada em meu rosto? —Pergunto com sinceridade passando a mão, limpando. Talvez eu tenha sujado e nem percebi.

—Tô procurando o erro desde que te vi e não achei ainda. —Ela se aproxima.— Tu é de verdade?

Nós rimos.

Conversamos até a hora do almoço, apresentei João para elas, que já o conheciam apenas de vista. Até então não tinha noção do quão grande foi a mudança da rocinha após cinco anos.

As meninas me deixaram a par de como funcionam as coisas por aqui, aparentemente há regras, o que eu já esperava. Em nenhum momento da conversa falamos sobre Henrrique, no entanto, se Bianca sabe do meu paradeiro, obviamente o seu irmão também.

Agi de forma imbecil em pensar que poderia me esconder aqui, é impossível passar despercebida e uma hora ou outra vou encontrar com ele e peço aos céus que um raio caia em minha cabeça no momento.

Ouço a porta ser aberta e sei que é minha tia, mas olho para trás mesmo assim, ela entra com várias sacolas em mãos e levanto-me para ajudá-la.

— Olha só quem resolveu aparecer. — Diz em direção as meninas que acabam por se levantar também, para comprimentar minha tia. — Iaí minhas lindas, tudo bom? Tão tudo grande essas meninas já.

Tia Dete preparou o almoço com a nossa ajuda, o que se tornou uma tarefa fácil com três pessoas ajudando. Depois de um tempo João também desceu do quarto com a sua mini–câmera e nos ajudou com a louça.

Almoçamos na cozinha e enquanto conversávamos, senti o meu coração se aquecer no meu peito, havia cinco anos que não sabia o quão deliciosa a refeição fica com conversas paralelas e risadas. Tudo que eu tinha era o silêncio.

No final, provamos uma sobremesa que Juliana fez de limão. Tentei aprender a receita para fazê-la novamente e acredito que me saí bem para quem mal podia ter acesso à cozinha antes. O relógio de ponteiro marcava três e meia da tarde quando Bianca levantou do sofá se espreguiçando.

— A gente precisa ir Lilli, o Henrique já tá me azucrianando no WhatsApp. — Ela revira os olhos ao falar do irmão. E sinto meu estômago revirar os ouvir o nome dele.

— Um pé no saco, credo. — Diz Juliana com voz chorosa. Acabo rindo da situação.

— Eu acompanho vocês até a porta. ‐

Saio do sofá a procura da chave para abrir o portão, quando o faço saímos as três e por incrível que pareça não há vizinhos sentados na porta como da última vez.

— Quase esquecia. —Bia se vira para mim — Amanhã vai ter um baile aqui pertinho na quadra de futebol, quer ir com nois não?

— Baile? Aqui há Bailes? —Pergunto estranhando o fato de na favela haver festas desse tipo.

— Não é esse baile que tu tá pensando cabecinha de vento —Julian diz rindo

— É um baile funk, uma festa normal.

— Nem tão normal assim, é a comemoração do aniversário dela. —Olho para Bia.

— É seu aniversário? Meu Deus Bia! Eu havia esquecido completamente, sinto muito. — Ela sorri

— Ainda da tempo de me dar presente, tu indo pro baile com a gente. — Ela pisca e eu murcho  em desânimo com ideia. Bia parece notar —E não aceito não como resposta hein?

—Eu não sei Bia... —Hesito — Vai estar lotado, muito barulho.

— Menos né Lilliana, falando assim parece até que vou tô te convidando pra te largar lá no meio da festa.

Mordo os lábios, me sentindo entre a vida e a morte, ela me encara com cara de cachorrinho pedinte.

—Seu irmão. Seu irmão vai estar lá e pessoas que me odeiam também. Eu não quero estragar sua festa.

—Tu nunca faria isso, nem se tu quisesse. E eu te conheço Lilli, já disse que isso não tem que ser preocupação. Eu quero te ver lá... Só pra ter certeza se é real e não paranoia minha.

Sinto uma pontada de culpa com a última frase. Fizemos um juramento quando crianças, de que seríamos irmãs e em tudo que fazíamos éramos sempre nós duas. Bianca deve ter sofrido tanto quanto eu, diferente de mim ela não fugiu. Ela ficou no inferno que eu mesma causei. Ela viu a mãe ser morta e o irmão se tornar o que ela temia. E tudo por minha culpa.

—Posso ficar apenas até o parabéns? —Pergunto

—Perfeito! —A garota de cabelos cacheados da pulinhos de alegria em minha frente. Pingos de  arrependimento caem em minha cabeça mas logo os afasto. Não, eu devo isso a ela. Eu devo muito a todos eles.

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