Capito 5| João

...Cinco anos atrás...

...05 de Janeiro | Rocinha...

—Gente

Falo, mas parece que estão mais focados em brigar do que me escutar. E o homem que agora está mais perto -e parece bem grande- se aproxima com algo na mão. Mais o que...

—GENTE ELE TEM UMA ARMA!

Eles se viram para olhar quando o homem aponta a arma para cima e solta o primeiro disparo, e meus ouvidos só faltam explodir com o som.

Um zumbido infernal.

Escuto a voz dos meus amigos abafadas mandando correr, quando sinto uma mão tocando meu braço e me puxando.

Henrrique.

—Corre rápido Lili!—Ele manda e eu aperto o passo, mais a frente vejo os outros correndo, entramos em um beco, mas deveríamos ter descido pela escada de tijolos.

Não conheço esse lugar e parece distante da favela que conheço.

—Puta que pariu o que foi aquilo?

—Corre porra! Ele tá vindo

Samu fala para Carla que continua correndo, assim como todos nós.

—Bora separar e descer pro lado da entrada, lá tem polícia hoje —Henrrique fala mal respirando, mas ainda não soltou minha mão.

—Eu não aguento mais gente.

—Morre agora não Bia —Carla responde

—Samu tu conhece o beco de Seu Braga? É por lá que desce pra entrada. Encontro cês lá

Gabriel ordena e por um instante penso em soltar a mão de Henrrique e ir com a meninas, mas ele me puxa fazendo com que a gente entre em outro beco na esquerda.

—O beco em que o Biel falou não fica pro outro... outro lado? —Soltei mais ar do que palavras.

—É um atalho, tu tem que chegar rápido em casa, teu pai vai vir te buscar hoje.

—Meu Deus, eu tinha esquecido completamente. Agora que tenho certeza que vou morrer.

Começo a correr mais rápido e escuto um riso abafado saindo de Henrrique.

—Relaxa linda ainda dá tempo, teu pa...

Ele para de falar quando olha pra trás, de repente ele para e eu junto. Entramos em um espaço entre uma casa e outra e ficamos abaixados frente a frente.

—É ele?

—Xiiu...

Henrrique continua olhando em direção ao canto onde eu suponho que o homem está. A sua mão continua segurando a minha.

—Ele vai já embora, só esperar.

Eu começo a entrar em desespero.

—A gente vai morrer?

—Vira essa boca pra lá menina, tá doida —Sussurra

—Henrrique, se a minha mãe souber que eu morri desobedecendo, ela me mata uma segunda vez.

Ele abre um sorriso.

—Não vou deixar ninguém fazer nada contigo Lili.

Escuto passos se aproximando, logo em seguida uma cacofonia aguda acompanhado de alguém chamando pelo meu nome.

—Lili... Liliana!!

Abro meus olhos e me sento na cama, mas logo me arrependo pois sinto minha cabeça latejar.

—Aí...

—Até que enfim Lili!

Vejo minha tia com um vestidinho rosa, que por sinal está com um rasgo do lado esquerdo. Em sua cabeça está uma touca preta, mas seu cabelo está completamente fora dela, seu rosto um pouco inchado de sono.

—Bom dia tia, o que... o que houve?

—Houve que o teu bendito despertador acorda a vizinhança inteira, menos tu. Desliga isso minha filha são cinco da manhã.

Pego meu celular e destravo silenciando o toque do celular.

—Desculpe Tia, eu não lembrava que tinha colocado despertador.

Ela se vira saindo do quarto resmungando algo que não consigo entender.

Levanto da cama e vou à procura de uma roupa para fazer uma pequena caminhada matinal. Não sei exatamente o motivo, mas está em outro país longe do meu pai, é como um energético para mim.

Entro no banheiro realizando os hábitos de todos os dias, penso em tomar um banho mas está fazendo muito frio e vou suar de qualquer jeito então dá na mesma.

[...]

—Ah qual é, eu tenho certeza que coloquei na mala.

É, Definitivamente eu não coloquei a calça moletom. Pensei que o Brasil fosse quente de mais para se usar algo pesado, mas não tem haver com clima, mas sim, com as mentes pervertidas do sexo oposto.

Uma das coisas que aprendi mesmo fora do Brasil, é que homem independente de nacionalidade consegue ser babaca.

Sem contar que estou em uma Favela e santo Deus, com certeza aqui não deve ser diferente.

Pego a calça legging preta, e começo a colocá-la, sinto o tecido liso e gelado cobrindo toda minha perna. Em seguida coloco a parte superior do conjunto, que por sorte a manga é longa. Ambas as peças têm o mesmo tecido e cor. Infelizmente a blusa é um pouco curta e colada, mas isso eu resolvo colocando a mesma jaqueta de algodão que usei no avião.

—Prontinho, agora é só colocar o tênis Lina, vai dar tudo certo, você só vai caminhar.

Digo ao meu reflexo no espelho fingindo que está tudo bem sair para caminhar em uma favela, onde tenho quase certeza de que 30% da população me odeia.

Eu mesma faço parte desses 30%

Deixo meu celular em cima da penteadeira, saio do quarto em direção a escada. As luzes da sala estão apagadas e lá fora ainda está um pouco escuro.

Não vejo minha tia em nenhum cômodo, então ela está no quarto dormindo, ótimo, tenho que procurar as chaves.

Ontem à noite recebemos a visita do motorista que nos trouxe até a favela, e acho que ele está um pouco afim da minha tia, mas de acordo com as ações dela o coitado não tem chances.

Passo a mão em cima da geladeira, onde tem todo tipo de coisa, caixa de fósforo, copos, uma vela, abridor de garrafas... E tem a chave da porta, que está com um chaveirinho de aço super prático onde se consegue prender ele em qualquer lugar.

Destranco a porta, sinto a brisa gélida da madrugada e silêncio, total silêncio. Ao dar a última volta na chave, lembro-me da minha câmera que deixei dentro da mala, seria uma ótima ideia trazê-la comigo e fotografar, o amanhecer aqui deve ser tão lindo. Dependendo do ângulo

Puxo o ar para dentro dos meus pulmões e solto devagar.

Ok, Lina é apenas uma caminhada, você consegue. Além do mais não tem ninguém na rua.

E não sei se isso é bom ou ruim.

Começo a me mover, indo em direção à subida íngreme, entrando na favela. Não quero correr o risco de ir para o lado onde fica a entrada. Pois se eu sair dos arredores, tenho certeza que terei um trabalho dobrado para entrar novamente sem ser vista.

[...]

Já faz um bom tempo que estou andando, subindo e descendo escada, quando sinto os raios de sol baterem em meus rosto percebo o quão longe já estou de casa. Sento um pouco na escada e espero até recuperar meu fôlego novamente para fazer todo o trajeto de volta. Há poucas pessoas saindo de suas casas para trabalhar.

—Moça.

Me movo rápido para o lado com o susto.

–Meu Deus do céu, menino.

Respiro fundo reiniciando. Olho para o autor do susto e desço os olhos para baixo, um garotinho.

—Você quase me matou do coração... —Coloco a mão no peito onde meu coração luta para sair, eu ainda vou ter um ataque cardíaco desse jeito.

A criança me encara, a sua altura é a mesma que dá ponto dos meus pés até meu busto, o cabelo é raspado mas formam pequenas ondas em sua raiz, a sua pele bronzeada com alguns arranhões e hematomas, veste apenas um calção azul.

—Passa o relógio tia.

A sua voz engrossa e me espanta com a facilidade com que ele muda de personalidade.

—Você está me assaltando?—Questiono abismada sem querer acreditar no que estou ouvindo e ao mesmo tempo querendo rir dessa situação.

Ele me encara furioso.

—Coé tia, tá tirando? Passa a porra do relógio logo.

—Ei! Falar palavrão é feio. E não, eu não vou te passar relogio nenhum.

O garoto me encara, agora que parei para reparar, a situação dele apenas piora, nos seus pés não há um calçado, o seu peito completamente exposto, e o seu olho esquerdo está inchado.

—Você está bem? Quem fez isso com você? Onde estão seus pais? —Preocupada tento tirar alguma informação útil do porque uma criança daquelas está nesse estado.

O garoto franziu o cenho frustrado, quando um líquido escorre pela sua bochecha mas rapidamente ele o limpa. Sinto uma pontada no peito meu e logo me lembro do escutei ontem, a criança chorando. Espera, era ele?

—Ouvi você chorando ontem no beco, foram aqueles homens que bateram em você? —A preocupação transborda entre as minhas palavras.

Ele enfia a mão no bolso e o objeto de prata reflete sobre os raios solares. Uma faca.

Observo para saber até onde ele irá com isso.

—Teu relógio da uma grana boa tia, para de papinho e me passa essa porra logo.

O garoto aponta a faca vacilante. Sua mão treme e ele não consegue ficar me encarando por muito tempo.

—Posso te dar bem mais que o relógio se você responder minhas perguntas. —Puxo a faca de sua mão antes que ele possa escondê-la novamente. As aulas de defesa pessoal fizeram efeito. —Por que fizeram isso com você?

A criança começa a chorar na minha frente, olho para os lados para ver se alguém está olhando, vão pensar que eu o fiz chorar.

—Ei, ei, espera não era pra você chorar —Toco seu braço —Minha tia vai me matar...—balbucio para mim mesma. —Vem comigo, vamos cuidar desses machucados.

[...]

Tive um certo trabalho em trazê-lo comigo, até porque quem em sã consciência vai seguir uma doida até a própria casa? Ele veio o caminho todo atrás de mim olhando para cima das casas que são cobertas por laje.

—Chegamos! —sorrio para ele que me encara sério — Ok, olha só, dentro dessa casa mora a dona, não precisa dizer nada deixa que eu respondo as perguntas, certo? Ah, — paro e me viro para ele — e nada de gracinhas ouviu?

Abro a porta e deixo que ele entre primeiro, o levo até a cozinha e lhe ofereço um copo de água. Consigo escutar o líquido descendo pela garganta de tão rápido que ele bebe, pedindo mais em seguida.

Consigo convencê-lo a tomar um banho e fico na porta do banheiro esperando com uma das minhas camisas grandes, a maior que tenho, na cor branca sem detalhe algum.

Quando o garoto sai do banheiro está apenas com a toalha em volta de sua cintura, o levo até a sala para fazer seu curativo. O braço direito está com um arranhão bem em seu cotovelo, como se tivesse sido arrastado por um asfalto. Assim como seus joelhos. A costela inferior esquerda, está com um grande hematoma roxo e vermelho, o local está inchado, passo um gel ao redor para aliviar a dor. Logo após lhe entrego a camisa pra vestir por cima.acon

—Prontinho, quase novo — Lhe lanço um sorriso acolhedor. Mas recebo um rosto sério. —Agora você pode me contar o que está acontecendo

[...]

Eu me enganei quando achei que seria fácil tirar alguma informação dele. Tive que alimentá-lo primeiro, o garoto é um poço sem fundo, quanto mais lhe dava comia, mais ele queria. Coloquei um desenho no televisor e só depois disso ele me disse o que havia acontecido.

A sua mãe tem sérios problemas de vício em drogas, o que resultou em comprar mais do que pode pagar.

Sabendo que logo iriam atrás dela prestar conta, a mulher fugiu para outro lugar e o abandonou aqui, desde então ele se esconde, mas não durou muito pois conseguiram achar ele, por mais que o menino não tenha nada haver, irão prestar conta através dele lhe dando um prazo para achar a mãe e conseguir o dinheiro.

João, –seu nome– foi à escola até os 5 anos de idade, atualmente ele possui 9 anos. Três anos inteiros sem contato com os estudos, apenas com os becos da favela.

Ele revelou que antes vendia picolé em saquinho de porta em porta, mas sua mãe roubou todo o seu dinheiro impossibilitando o menino de comprar mais para revender. Mas se recusou a roubar, ele sabe que é errado e disse que só tentou a sorte comigo pois estava desesperado com as ameaças de ontem.

Esses rápidos minutos me fazem sair da bolha social em que estava metida, não que eu seja leiga no que condiz a questão "pobreza", mas sentar de frente para um menino de oito anos e não apenas escutá-lo, mas ver em seu rosto e corpo, marcas de todo sofrimento que passou sem merecer, me deixa mórbida e em completo choque.

—Quanto a sua mãe está devendo? —depois de um bom tempo calada, consigo pronunciar as palavras.

—Dez de cem —Ele junta as mãozinhas apertando o dedo da esquerda em um gesto de timidez.

—Mil? —Confirma com a cabeça. Quem diabos deve mil reais em drogas e ainda continua viva?

—Liliana quem é esse? —Minha tia aparece na escada.

                                      °°°

—Tu tá doida menina?

—A senhora precisava ver a situação em que ele estava, é apenas uma criança eu não podia simplesmente ignorá-lo.

Estamos conversando longe de onde o João está assistindo desenho.

—Tem uma penca de guri espalhado na favela, vai trazer eles pra cá também?

—É apenas hoje, eu mesma irei arcar com os custos, por favor...

—Ele tá devendo a boca menina! Tu tem noção da merda em que tu tá te metendo? Esses home não tem pena dele, quem dirá de tu minha filha.

Suspiro cansada

—Vou levá-lo até a casa dele, mas deixe ele ficar aqui. Ao menos só esta manhã.

Ela me encara sem paciência

—Tá, coloco mais arroz no fogo hoje, mas é só hoje em?

Caminho em direção a sala onde João está

—E cuidado viu? —Viro-me para ela — Vão querer saber onde ele tá.

Faço que sim em um gesto e sigo até a sala. O garoto dorme em cima do sofá e essa é uma boa oportunidade para subir e tomar um banho.

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