Capítulo 7| Carne Nova

— Eu... —Não consigo formar palavras, Samuel me encara a espera de uma reação. — Não sei o que pensar sobre isso.

—Não tem que pensar nada. —Ele se inclina na cadeira — Qual é a do menó que tava contigo? Manda aí pô.

—O João? —Ele concorda com a cabeça. — Vim aqui pra isso, na verdade.  Acho que é dívida, não dele, mas da mãe.

—Tá pagando caô dos outros Lili? —Ele ri— Rico é foda mermo.

—Isso era pra ser uma ofensa?

—Não, relaxa aí. Já tava sabendo da parada desse guri lá, a desgraçada da mãe tá comprando de outros cara. O Henrique mandô os vapor trocar uma ideia com ela e o filho foi o pagamento.

—Espera, vapor?

—Os cara que trabalha pra nois.

—Então não foi em dinheiro o pagamento? —Ele nega com a cabeça —E qual a necessidade de abordar o garoto daquela maneira? Ele não tem culpa.

—Porquê nesse inferno, a grana, vale mais que a vida.

Uma realidade que não aceito muito bem, a comunidade deveria ter apoio do governo, a qual sua única função era dar estabilidade, mas a vida não é tão simples.

Na falta de um governo presente, se estabeleceu outro, que oferece estabilidade com a mesma mão que a tira. Talvez eu esteja errada, mas não acho que um lugar como esse seja justo. Porém, não moro aqui, não tenho o direito de dar opinião baseado apenas no meu ponto de vista.

—Tenho o dinheiro.

—Tô ligado que tu tem, se dependesse de mim ele tava livre, mas eu não tô no topo da cadeia alimentar. Não é comigo que tu tem que falar.

—Por favor, não. —Peço, sabendo exatamente o que ele quis dizer com isso.— Não sei se...

—Tá com medo? Manda teu papai vir aqui pô—Ele gargalha.

—Rá rá, seria muito engraçado se não fosse triste.—Irozino— Mas não quero ter que encontrar com o Henrique.

—E vou te passar a visão em? Não é Henrique mais não, aqui na favela é alemão.

—Alemão? Por que alemão?—Ele bafora o cigarro que acabou de colocar na boca.

—Porquê era o nome que os polícia carregava pra meter medo em muleque, o Henrique fez por merecer o nome. As gangue rival, se hoje respeita nois é por algum motivo e acho bom tu não saber qual.

—Eu só quero deixar claro que não estou a procura de problema, não devia ter vindo até aqui. Mas não podia deixar o garoto naquela situação, não tem mesmo como você falar com ele? Sem citar meu nome?

—Gata, —Ele amassa o cigarro no cinzeiro— Só de tu pisar o pé aqui, já é um problema. O Henrique tem olho por toda parte, acha que ele nunca viu tu trilhando pelos beco?

—Não viu, tem várias pessoas na favela também, acho que não vale minha preocupação e muito menos a dele.

—Confia pô, até porque deve ter mina de olho verde e branca na favela, ainda mais usando traje de marca.

Ele está certo. Mas se eu admitir em voz alta, toda essa situação ganha força em minha cabeça, me atormentando. Olho através da janela meio aberta de madeira desgastada o sol se despedindo.

—Eu tenho que ir. Tenta por favor falar com ele. O garoto pelo visto não tem mãe, e acredito que ninguém da família irá querer a guarda enquanto ele for o pagamento de uma dívida. —Me levanto e Samuel faz o mesmo.

—Já vai?

—Sim, já é noite e o "alemão" —faço aspas com os dedos — Tem olho por toda parte. —Samuel ri sem fazer som e então sai de trás da mesa.

—Bora, eu te levo.

Saímos pelo mesmo  beco que entrei e algumas pessoas nos encaram sem o menor pudor. Homens sem noção passam a língua nos lábios quando olham em minha direção. Tento focar em caminhar direito.

—Tem certeza que foi um boa ideia você vir comigo? —Pergunto caminhando ao lado de Samuel.

—Tá comigo, tá com Deus gata, ninguém vai mexer em tu não.

Ao passarmos para fora do lugar vejo João, sentado ao lado de um homem cheirando um pô branco em cima de uma calçada. Ele vem correndo, mas seu sorriso se disfaz ao ver quem está ao meu lado.

—Vão levar eu tia? —Pergunta preocupado

—Não, prometi pra você que iria pagar, vou arrumar forma de fazer isso.

Passo minha mão para a sua segurando firme.

—O carro tá lá na frente, bora andando.

[...]

Samuel para em frente a casa da minha tia, as luzes apagadas provavelmente indicam que ela não está aqui. Ele sai do carro e logo em seguida eu. O moreno mantém os olhos atentos para cima, sigo na mesma direção e em cima de uma laje há um homem armado.

—Olho por todo lado. —Diz, lembrando-me de seu aviso mais cedo.

—Pode entrar João, tome um banho e descanse. —O garoto abre a porta adentrando o local, deixando ela apenas semi aberta.

—Não te dou firmeza, mas vô mandar uns papo com ele.

—Obrigada, isso vai ser muito útil.

—Mais fala aí, voltou porque mano? — Pergunta se encostando no carro com os braços cruzados.

—Porquê acho que meu pai é bipolar. —Ele ergue uma sombrancelha

—Tu vai ter que botar mais fé nessa tua lorota aí. O Henrrique não vai querer saber do filha da puta do teu pai, ele vai bater de frente contigo. —Sinto meu estômago se revirar ao pensar nessa possibilidade.

—Espero que não. —Algo vibra, mas tenho certeza que não é em mim. Samuel puxa um celular do bolso, a maçã meio mordida na capa do aparelho indica sua marca. Vejo seu dedo deslizar algumas vezes.

—Já era gata, os cara te acharam.

Ele vira a tela do celular e uma mensagem a aparece. "Carne nova na área" Em seguida uma foto minha mais cedo chegando com minha tia e João ao meu lado. 

Estou cansada de sentir meu coração parar por milésimos de segundos toda vez que algo me surpreende. Se Henrrique não me matar, o meu próprio coração vai.

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