Capítulo 2| De volta a Rocinha.

—Desculpa, eu não entendi.

Eu entendi, só não quero aceitar.

Eu estou sem reação, petrificada e só consigo escutar as batidas do meu coração me alertando de um infarto iminente ou um surto, ou os dois ao mesmo tempo.

—A favela, fofa.

Ela me olha com suas sobrancelhas franzidas tentando adivinhar o porquê eu não sabia disso.

—Tia. Eu não...

—Tu tá bem garota?

Pergunta e tenho certeza de que todo tipo de emoção de desgraça transparece em meu rosto, e é exatamente o que tá acontecendo.

Céus eu não posso, eu não posso voltar lá!

O carro está muito abafado, o motor faz um barulho incessante, a etiqueta da minha roupa está pinicando meu pescoço e logo sinto o tecido da roupa roçando por todo meu corpo suado. A música do rádio está muito alta e está um calor infernal.

Solto um gemido de pura agonia.

—Não quero ir para lá, não podemos ir para outro lugar?

—Oxi, indoidou foi? Teu pai não te disse pra onde tu tava vindo?

Ele disse? Não, ele não disse. Mas antes que eu proteste com ela, o motorista avisa que já estamos chegando.

Nos minutos seguintes eu fico calada tentando me concentrar enquanto minha tia explica que ela teve de se mudar a pouco tempo para lá, por problemas financeiros.

Disse que meu pai entrou em contato com ela, e que está apenas fazendo um favor. Ela me afirmou que a casa da qual ela mora não é a mesma da minha vó, e tem uma certa distância uma da outra.

Eu apenas escuto quieta, já que não tenho escolha. Eu nunca tenho escolha e se em algum momento eu tiver, não saberei fazer uso. Me sinto como um animal silvestre, que, se fosse libertado não saberia ser um animal silvestre pois viveu a vida toda em cárcere e consequentemente morreria em poucos dias.

A diferença é que eu não fui libertada.

Nos aproximamos da "entrada" do lugar, tenho apenas fotografias em minha memória de determinados lugares da favela, uma dessas fotografias é justamente o trajeto para entrar.

Não está muito diferente, mas houve modificações, principalmente no que diz respeito a novos espaços sendo ocupados por bancadas de vendas.

Seguimos com o carro por uma grande passarela, olho pela janela e contemplo a imensidão do morro cheio de casas amontoadas e embaralhadas, e sinto uma angústia ao lembrar o quão íngreme e apertado são alguns becos.

—Onde eu me meti...

—O que tu disse minha filha?

Ouço minha tia falar ao meu lado. Só então percebi que não havia falado português.

—Que é linda a vista. Aqui. De fora.

Ela bate em meu ombro de leve

–Com o tempo tu te acostuma.

Espero que eu nãofique tanto tempo.

                                      °°°

Não demorou para chegarmos até a casa dela, não está localizada muito próximo à entrada, mas também não está longe, acredito que apenas 30 minutos caminhando seria tempo necessário para chegar até a passarela. Segundo o motorista há outros meios de entrar na Rocinha, sem ser pela zona sul.

O que eu já sabia.

O carro estaciona fazendo um barulho de borracha sendo pressionada, os dois se apressam em sair do veículo enquanto eu, espero a coragem vir como uma velha amiga me acolher.

É, ela não vem.

Puxo a trava da porta, no entanto ela nem se move, tento mais uma vez e falho.

—A Porta ela... Tia!

Nenhum dos dois estão prestando atenção em mim, estão conversando um pouco distante do carro.

—Oii! A porta!

Nada. Ainda estão lá parados, minha tia está com as mãos na cintura, o homem da mesma altura que ela, está tirando o boné e coçando a cabeça. É como se estivessem discutindo sobre algo.

Volto minha atenção para a porcaria de porta que não abre, o carro está começando a ficar muito quente, já que o senhor e a senhora inteligência resolveram fechar as janelas, de um carro que deveria estar no ferro velho.

—Ok, é apenas uma porta Lina. Uma porta de um carro velho, mas ainda é uma porta, e ela vai ter que abrir.

Me concentro pra tentar mais uma vez, puxou o trava, inclino meu corpo para trás e tenciono a mão que segura a trava, quando puxo sinto a porta de levada para a frente, sorrio vitoriosa. Lina 1 Porta 0.

—Tá fazendo ainda aí filha? Gostou do carro ?

Meu sorriso some quando vejo minha tia puxando a porta, não fui quem abriu, foi ela do lado de fora. Estava tão concentrada na oitava abaixo do vidro que nem notei ela.

—A porta estava emperrada.

Ela me dá espaço para sair do carro, vejo as malas em frente a casa, olho para a rua e observo onde estou.

A rua é larga, não parece nem um pouco com os becos de que me lembro, há casas do outro, umas de dois andares e outras apenas com um, percebo que a maioria está com tijolos aparentes ou apenas com um reboco mal feito, umas estão pintadas, outras estão com telhado que parece aço mas é fosco e não reflete a luz do sol.

A rua vai ficando íngreme na medida que vai subindo a frente, onde realmente há casas amontoadas, escadas e becos. Viro-me para onde minha tia está descarregando as malas junto com aquele homem que já esqueci o nome.

A casa da qual irei ficar nessas férias tem dois andares, está pintada em um tom de verde escuro na parte de cima, já em baixo contém um portão de aço na frente

Ela não é grande aparentemente, mas ainda não entrei, então não tem como saber apenas olhando a frente dela. Mas é uma casa brasileira comum.

—Garota tu vai ficar parada aí? Vai ficar parecendo um camarão desse jeito.

Olho para minha tia que já está dentro da casa junto com minhas malas

—Eu estava olhando o lugar, acho que mudou um pouco desde que estive aqui

Entro no local e ela fecha o portão se despedindo

do homem que nos trouxe, fico parada esperando ela trancar o portão, sem saber exatamente o que fazer, estou parecendo uma criança perdida no supermercado, mas realmente eu não sei o que fazer, por mais que seja a casa da minha tia.

Bernate vira e me olha arqueando uma das sobrancelhas como se já estivesse cansada de tentar me ajudar a ser um pouco mais introvertida e entender que estou no meu segundo lar e não há motivos para eu ter vergonha, como ela mesmo já disse no carro.

Segundo ela, irá me explicar tudo que eu precisava saber para não ter problemas quando saísse para trabalhar, comentou também a cozinha estava á minha disposição caso eu quisesse usá-la, além disso, apresentou todos os cômodos da casa. Mesmo não tendo necessidade alguma.

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