Abrindo os olhos lentamente, Aiyê tentou respirar fundo, mas foi atingida por uma fina pontada em seus pulmões. Fazendo uma careta, resmungou, chamando a atenção da pessoa que estava sentada a seu lado. Vindo até seu campo de visão, a mãe de Khan a encarou.
— “Oi querida, como se sente?” – Perguntou. Yê mergulhou nos olhos castanhos escuros, confusa por um breve momento. Quis mexer as mãos para responde-la, mas descobriu que não tinha forças. Assustada, sentiu os olhos encherem de lágrimas.
— “Não, não chore. Está tudo bem, o médico está ali fora. Sente dor?”
Mexeu a cabeça minimamente, afirmando. Sentia o estômago doer e arder, assim como a garganta e os lábios.
— “Irei chamá-lo.”
A mulher saiu, e não demorou muito para voltar acompanhada. O homem ao lado dela era jovem, magro, não muito alto, e tinha uma expressão tranquila no rosto. Tendo olhos tão escuros quanto a noite, a fitou por detrás dos óculos oferecendo um leve sorriso.
— “A senhora sente dor no estômago?” – Perguntou, como se estivesse em seu corpo. Surpresa, Yê confirmou com a cabeça. Ser chamada daquela forma lhe fazia sentir estranha, mas agora era casada, tinha que ser assim.
— “A senhora ingeriu uma substância muito forte, que por sorte foi diluída em seu chá. Se a tivesse ingerido pura, as consequências seriam piores. As dores que sente, foram provocadas pelo ácido da substância, mas as queimaduras em seu estômago não são graves. Se voltar a ingerir líquidos, logo estará bem.”
Confusa com o que o médico lhe contava, olhou para Shu Ian.
— “Sua dama de companhia querida, por pouco não a tirou de nós.”
O choque da revelação atingiu seu peito em cheio. As lágrimas caíram, totalmente fora de seu controle. Como era possível, que alguém que havia crescido com ela, tivesse feito algo tão absurdo? Tentou puxar na memória qualquer motivo que tenha dado para a ação de Iniko, mas não encontrou nenhuma. O que só fez a dor em seu peito aumentar.
Por isso ela tinha estado longe desde que haviam chego, tramava sua morte por suas costas. Desde quando? Por quanto tempo tinha alimentado aquele desejo venenoso?
A mãe de Khan tentava secar suas lágrimas, mas quanto mais secava, mais saiam. A única coisa que conseguia sentir naquele momento era que sua existência era um erro, e que não merecia nem mesmo estar sendo consolada. Por incitar o que existia de pior dentro das pessoas, sua única punição deveria ser o que seu pai sempre fizera...
Abandoná-la na solidão.
Chorou até não poder mais, e quando por fim pareceu se acalmar, o médico se aproximou. Já nem lembrava que ele estava ali.
— “Tirarei sua medicação, mas é temporário. Ainda precisa recebê-la, até que esteja totalmente recuperada.”
Concordou com ele. Não havia nada que pudesse fazer.
Recebeu ajuda de sua sogra para se sentar na cama, e pouco tempo depois do médico se retirar, uma empregada trouxe um copo com leite para que tomasse. Com toda aquela dor, tanto do envenenamento quanto da traição de Iniko, esqueceu até mesmo do vexame que passou com Khan. Nem conseguia imaginar como ele devia ter se sentido ao vê-la naquele estado, e nem queria.
Por mais que lhe doesse admitir, aquela situação lhe mostrava que não era merecedora de nada. Por bem ou por mal, ter sido envenenada havia evitado que tivesse feito algo que talvez nunca se perdoasse. Arrastar Khan para o mar de sangue que lhe seguia era imprudência, e acima de tudo ganância.
Como ela podia desejar viver, ou mesmo ser amada, quando tudo o que fazia era tirar e estragar a vida dos outros? Não era digna disso!
Não voltou a ver Khan, Shu Ian lhe disse que ele tinha viajado a trabalho, e foi assim por duas semanas. Agradecia por isso, se sentia triste, um incomodo, e não queria afetá-lo com seu sofrimento. Várias noites chorou em silêncio, se perguntando porque seu destino tinha que ser tão cruel. E depois de voltar em suas memórias, só então encontrou o motivo por trás da raiva de Iniko.
Ela e seu irmão mais velho eram muito próximos, e achava estranha a interação deles, porque Daren podia ser conhecido por tudo, menos por ser um Príncipe amigável. Em uma das muitas noites de seus passeios no jardim, os viu em algo mais íntimo, e se escondeu temendo que o acidente lhe trouxesse consequências ruins.
Era sempre assim, por algum motivo Daren conseguia fazer com que seu pai piorasse suas restrições. Seu casamento com Khan e sua ida para o clã Sun Yee On provavelmente a deixou em completo desespero, pois não veria mais Daren, e por isso devia tê-la culpado desde o começo. Não estava errada, como sua dama de companhia, não podia deixá-la.
Em sua aflição de ter se dado conta da situação em que estava, se atreveu a perguntar a Shu Ian o que havia acontecido com Iniko.
— “Khan já resolveu tudo.”
— “Com resolver, a senhora quer dizer...”
— “Entenda querida. Somos um clã muito tolerante, mas não com traidores. Se Khan não tivesse sido rápido em chamar o médico, Deus sabe o que teria lhe acontecido.” – A mulher lhe fitava séria, e Yê conseguia sentir um pouco de raiva nos gestos e nas expressões que ela fazia. Não podia culpa-la, mas temia ainda mais a fúria de seu irmão quando soubesse.
Dificilmente ele só aceitaria calado.
Conforme ia melhorando, tentou fazer com que a mãe de Khan a deixasse, mas Shu Ian não cedeu a nenhuma de suas tentativas. Parecendo adivinhar que tudo o que Aiyê desejava era evitar a todos, não a deixava sozinha um único segundo. Mostrou álbuns e mais álbuns de fotos da família, Khan sempre mal humorado em todas elas, ora evitando olhar para a câmera, ora encarando quem tirava a foto de um jeito mortal.
Ao menos algo do que Iniko tinha lhe dito era verdade, ele era mais conhecido por suas ações. Não gostava de ser expor, e isso lhe deixou curiosa. Parada na frente de um grande retrato da família que havia na sala, observava mais uma foto em que Khan evitou olhar para a câmera.
De braços cruzados, mirava o vazio com expressão de poucos amigos. Virando para Shu Ian, perguntou:
— “Porque Khan não gosta de tirar fotos?”
— “Não é que não goste, é só rabugento mesmo.” – Fez uma careta, Yê riu.
— “Estou brincando, ele tem um bom motivo para ser rabugento. Wei o proibiu de se expor desde cedo, porque, na teoria, Khan não existe.”
Surpresa com as palavras dela, esperou que continuasse antes que tirasse qualquer conclusão indevida.
— “Diga Aiyê, consegue ver o que Khan tem dentro dele?”
Ela estava se referindo a escuridão que cobria seu marido. A curiosidade por sua resposta era evidente.
— “Sim.” – Foi sincera.
— “É claro que sim, afinal, é filha de Yanluo! Khan nasceu com aquilo, não teve escolha. Herdou uma maldição antes mesmo de se formar no útero de sua mãe, mas a Ordem não se importa com o como, apenas com o que...”
Shu Ian explicava sem olhar para Yê, fitava a imagem de Khan no retrato com tristeza no rosto.
— “Se descobrirem a existência dele, farão de tudo para destruí-lo, ou para encontrar uma forma de controla-lo. Passarão por cima de tudo e todos, para o conseguirem.” – Voltando a olhá-la, Aiyê mergulhou nas ondas inconstantes dos olhos castanhos escuros. As coisas eram mais complexas do que seu mundinho limitado podia imaginar.
Estar ligada a Khan era apenas um pequeno fragmento do problema em que se encontravam. Os amigos podiam ser contados nos dedos de suas mãos, já os inimigos, se aglomeravam como abutres esperando o último suspiro de um animal fraco. Esperando o momento certo para se aproximarem. Todos estavam contra ele.
— “Apenas a Sociedade da Lótus Branca, e você agora, tem conhecimento do que Khan realmente é. O respeitam, mas não porque o admirem, e sim porque o temem. Meu filho é uma erva daninha que eles não têm poder para exterminar, o que não significa que não procurem incansavelmente uma forma para conseguir...”
Olhando mais uma vez para ele no quadro, Shu Ian sorriu. O sorriso não tinha felicidade alguma.
— “O destino de Khan sempre foi uma incógnita, e agora que sei que está ligado a você, faz todo sentido. Não vou negar, tomei um susto quando ele disse que conseguia sentir você. Ele compartilhando o corpo com um Daemon, e você uma humana com uma alma Celestial. Era como uma piada sem graça. Uma doce tentação que o faria mergulhar no inferno mais cedo que o esperado...”
Yê lia as palavras da mulher sentindo sua respiração falhar, seu coração ameaçava passar por sua garganta. Já não sabia se ela lhe dizia tudo aquilo para lhe avisar, ou se era porque sentia raiva de sua existência. Não duvidava que fosse os dois.
— “Fomos enganados desde o início, nunca tivemos controle. Nunca o protegemos, apenas atrasamos o inevitável. É como se alguém quisesse esfregar na nossa cara que ele não nos pertence. Algum Celestial por aí está brincando com a vida do meu filho, usando você...”
Shu Ian a encarou, Aiyê engoliu em seco.
— “Sei que não é culpa sua, mas não consigo olhá-la sem sentir um pouco de incômodo.”
— “Si... Sinto muito.” – Foi tudo o que conseguiu dizer. As mãos tremiam.
— “Não criança, não sinta. Eu sou uma tola. Você sequer conhece nosso mundo, dias atrás não era nada além de uma prisioneira. Ao menos algo é positivo em tudo isso... Você o escolheu.” – Shu Ian riu, um riso sarcástico.
Confusa, Yê a encarou. Não fazia ideia do que ela estava falando.
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Atualizado até capítulo 73
Comments
Delha Ribeiro
Tadinha agora ela vai ficar com medo 😱 de fazer mau pra ele por achar que está perto dele pode feri-lo 😔😔😔
2024-04-04
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Delha Ribeiro
Ou meu pai acredito que um vai ser a cura do outro 😭😭😭😭
2024-04-04
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Delha Ribeiro
Aí tadinha gente ela é muito inocente ainda não entendi que existe muitas pessoas ruins nesse mundo 🥹🥹🥹🥹
2024-04-04
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