Ilé Ifè – Nigéria, 18 de maio de 2018
Mesmo fazendo uma semana do ocorrido, Aiyê ainda sentia dificuldades para dormir. As imagens de ser levada a força, e dos momentos torturantes que passou dentro daquela caixa de ferro, deixaram um trauma profundo que a fazia perder o fôlego sempre que fechava os olhos.
O desespero de procurar ar e não o encontrar, só dissipava quando lembrava dos batimentos calmos daquele que havia salvo sua vida naquela noite.
Logo que seus olhos pousaram sobre os dele, ela soube que ele não era comum.
Por algum motivo, não conseguiu ver as imagens que lhe eram reveladas toda vez que colocava seus olhos sobre alguém. Ele era como o céu sem estrelas, e a sombra que emanava dele consumia tudo o que tocava. Porém, assim que ele parou diante dela, a luz que naturalmente ela emitia, se uniu a escuridão dele.
Possuindo duas grandes asas escuras, assim como a própria sombra que o circulava, ora elas pareciam palpáveis, e ora pareciam ser apenas parte da neblina enegrecida que emanava de seu corpo. Os quatro chifres em sua cabeça, formavam uma espécie de coroa incomum, e sua pele pálida se destacava em meio a escuridão, assim como o par de olhos cor de sangue, que a fitaram fixamente.
Sentiu que eles fossem capazes de devorá-la, se permitisse.
Ele a olhava de cima, a postura imponente colocaria qualquer um sob tensão. No entanto, ela não havia se intimidado. Pelo contrário, tinha se sentido estranhamente atraída. Em um misto de curiosidade e encantamento, esqueceu até mesmo do perigo que sua vida corria. Sem conseguir resistir ao magnetismo que ele emanava, caminhou até ele, e tudo o que conseguiu fazer foi permanecer o olhando.
Não tinha entendido nada do que ele lhe dissera, e foi surpreendida quando, de forma ousada, ele a tocou. Se tivesse feito isso em seu reino teriam lhe arrancado a mão, e ela passaria um mês ou mais confinada. No entanto, não havia se incomodado com o ato atrevido. O toque febril fez sua pele se arrepiar, despertando seu corpo de uma forma que nunca havia sentido antes.
Um vento frio soprava, caia uma forte chuva, e seguido dos grossos pingos de água, ele era a própria tempestade. Um mistério, uma linda calamidade que se anunciava de forma silenciosa.
Tocar na sua pele não teve efeito algum sobre ele, diferente dos muitos que se atreviam, ele não caiu aos seus pés, e diante disso, apenas continuou lhe fitando.
A inexpressiva face trazia um olhar gélido, enquanto os olhos escarlates cintilavam de forma ardente, ameaçando consumir tudo o que ele desejasse. Unida a aura obscura que emergia de seu corpo, a cena grotesca dele coberto de sangue deveria lhe soar um alerta. Mas, como uma louca, se via inebriada.
Sem conseguir resistir, apenas tinha aceitado aquele desastre em sua vida. Como se os anjos tivessem entendido sua escolha, enviaram um raio para impedi-la de se entregar de forma tão cega a aquela armadilha mortal.
A imagem dele desacordado, e o desespero que se seguiu quando eles apareceram no jardim de um lugar que ela desconhecia, não saia de sua mente. Assim como o fato assustador de se perceber estar ligada a ele. Tinha o ajudado a se curar antes de todos chegarem, e se perguntava se havia cometido um erro ao fazê-lo. Seus toques sempre cobravam um preço.
Não sabia o que tinha acontecido com ele, pois assim que seu irmão mais velho lhe viu nos braços dele, a arrastou para longe. Mas, se estava viva, ele também estava.
Desde que voltara para casa, as coisas tinham se tornado mais difíceis. Temendo que a levassem novamente, seu pai a deslocou para um quarto subterrâneo no templo, protegido por várias camadas de magia. Embora tivesse um jardim, ele era úmido demais, e tendo a saúde frágil, só podia observá-lo de longe.
— “Vossa Alteza, deseja algo para comer?” – Iniko, uma das damas de companhia, lhe perguntou. Parecia preocupada com sua falta de apetite.
— “Agradeço Iniko, mas não.”
— “Nem mesmo uma fruta?” – Olhou-a com esperança. Mas, a resposta de Yê foi a mesma. – “Vossa Alteza tem se alimentado tão pouco, precisa cuidar de sua saúde.”
Aiyê lia as palavras sendo formadas pelos dedos da dama de companhia com certa preguiça. Afinal, que animo teria estando trancada naquele lugar?
— “Meu pai disse algo sobre meu pedido?” – Mudou de assunto.
— “Não, sinto muito.”
Inspirando, ignorou a dama e voltou a observar o jardim. Queria acreditar que não, mas sentia que passaria a vida inteira dentro daquele quarto. Seu pai sempre foi extremo em se tratando dela, não podia culpá-lo, mas priva-la de tudo, até mesmo de ver o sol, era um exagero. Ela não se aproximava de ninguém há anos, tinha jurado que nunca mais faria depois do episódio com o guarda. Porém, o Rei estava irredutível.
Fora as damas de companhia, somente sua Ìyá àgbà (avó) tinha autorização para visita-la, mas Aiyê a via apenas uma vez a cada mês.
A primeira vez que havia saído de sua casa fora porque tinha sido levada por pessoas estranhas, e de forma surpreendente tinha sido inundada por emoções e sentimentos ao vislumbrar um mundo do qual só havia tido conhecimento por meio de sua avó.
Luzes brilhantes, pessoas com feições diferentes das suas, e que ela nunca sequer sonhara que pudessem existir... Assim tinha sido sua vida, privada de qualquer estímulo que pudesse lhe fazer desejar sair e pôr outras vidas em risco. Seu nome significava vida, mas o que Aiyê menos se sentia era viva.
Tomar consciência desse fato fez uma lágrima escorrer de seu olho esquerdo, e percebendo-a, secou de imediato. Não podia demonstrar que estava sendo afetada, nunca se sabia quando os inimigos do reino a usariam para seus propósitos egoístas.
Vendo a dama de companhia ir até a porta, se virou para acompanha-la. Assim que ela abriu a porta dupla amadeirada, coberta por espirais, outra de suas damas de companhia se apresentou.
— “Vossa Alteza, Sua Majestade deseja vê-la.” – Anunciou. Pulando da cama, Aiyê foi até ela.
— “Iniko, ajude-me a escolher o traje perfeito. – Estava esperançosa. De certo que se tratava de seu pedido, só podia ser!
— “Sim, Vossa Alteza.” – A dama a respondeu de imediato, sem nunca olhar diretamente em seus olhos. Aiyê queria ficar linda, seria a primeira vez que sairia de seu quarto depois do acontecido.
Iniko escolheu um vestido longo, amarrado em apenas um dos ombros, com uma longa faixa de tecido dourada do lado esquerdo. Exibia as cores vermelho e dourado. Quando sua dama finalizou os cuidados, os olhos de Aiyê brilharam enquanto observava a si mesma diante do espelho. Desde a roupa aos acessórios, tudo nela emergia vida, e era dessa forma que queria se apresentar a seu pai.
O cabelo longo e cacheado tinha sido dividido em várias tranças, sendo que em seu couro cabeludo elas tinham sido feitas em estilo nagô. Entre as tranças, vários fios sintéticos dourados as enfeitavam.
Os brincos de ouro, de tamanho médio em formato de esferas, cintilavam, se destacando juntamente com a gargantilha também de ouro. Já a maquiagem tinha sido leve, pois ela não gostava de tapar sua beleza natural. Uma cor rosa sutil nos lábios foi suficiente.
Colocando seu véu, ela caminhou rumo a seu encontro com Sua Majestade.
Logo que foi anunciada, as portas do salão do Rei foram abertas. Aiyê preparou seu sorriso mais radiante para oferecer a seu pai, mas ele se desvaneceu quando seus olhos pousaram sobre os convidados que o reino recebia naquele dia.
Para uma simples visita, era incomum que até mesmo a Rainha estivesse presente. Algo estava acontecendo, e Aiyê sentiu seu corpo reagir com o frio que tomou conta de seu estômago. O olhar que a Rainha Fayola lhe jogava trazia uma felicidade cuja nunca antes havia lhe direcionado.
Sem conseguir evitar, seus olhos se encontraram com os do rapaz que a havia salvo, e foi impossível não se afogar neles.
Trazendo feições aristocráticas idênticas as do pai, que estava logo ao lado dele, o Descendente possuía uma beleza sobrenatural. A pele pálida, os cabelos negros como o céu noturno, e o traço característico de sua Descendência, que tornava seu olhar ainda mais expressivo... Possuía lindos olhos puxados e amendoados.
Seu queixo forte era exibido por uma postura austera, que visivelmente se alinhava com o corpo de músculos definidos. Porém, não exagerados. Ele os exibia de forma ousada e apertada em uma túnica de cor preta, que trazia um toque moderno, contendo o lado direito maior que o esquerdo.
Desenhos sutis em costura formavam arabescos com uma linha dourada nos punhos das longas mangas, e na extremidade que se estendia do lado esquerdo. Um pequeno broche localizado do lado esquerdo de seu peito trazia três finas correntes, um detalhe a mais para exibir com orgulho o brasão de seu clã. Um triângulo feito de ouro puro.
Aiyê tentava se manter firme, mas naquele momento se encontrava incapaz de respirar. A pressão que a presença de todos eles lhe enviavam naquele salão, a sufocava aos poucos.
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Atualizado até capítulo 73
Comments
Delha Ribeiro
Gente que homem é esse delícia kkkkkk🤭☺️
2024-04-02
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Delha Ribeiro
Mana linda desse jeito nem precisa maquiagem 😁
2024-04-02
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Delha Ribeiro
nossa por que as damas não a olhavam diretamente?🤔
2024-04-02
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