Se ajoelhando no chão, Aiyê fez uma reverência Ikúnlè ao Rei e a Rainha. Suas mãos suavam e tremiam, mas ela tentava ao máximo controla-las.
- “Aiyê, minha preciosa filha...” – Seu pai a cumprimentou, uma autorização para que voltasse a ficar de pé. Atendendo sua ordem de imediato, ela manteve seus olhos no Rei. – “Sua felicidade é a minha, e sinto-me feliz que esteja recuperada.”
Yê lia as palavras de seu pai feliz em ter conseguido mentir tão bem, e forçava um sorriso para manter sua mentira. Debaixo daquelas cores e acessórios brilhantes, ela se sentia diminuta.
- “É a joia rara desse reino, e por esse motivo merece tudo o que este mundo pode oferece-la de melhor...”
Não sabia onde seu pai queria chegar com todos aqueles elogios, mas temia o momento que ele os finalizasse.
- “Nosso reino é pequeno para você, por isso a Rainha e eu decidimos que é chegado o momento de deixarmos que viva sua liberdade. Cumprimente seu salvador, e agora, seu futuro esposo... Khan Liang”
Ao fim da sentença, ela pode ver o largo sorriso deslumbrante de Fayola. Em choque, sua respiração falhava, seu corpo tremia. De raiva, de indignação. Não sabia o que ele havia dito a seu pai, mas era claro como o dia que havia sido comprada.
Enquanto estava perdida na beleza dele, e na prisão a qual seu pai a tinha condenado, esquecera do fato mais importante que aquela noite a havia revelado. A descoberta de estar, de alguma forma, ligada a ele. E que, por algum motivo, sua pele não possuía qualquer efeito sobre ele.
Ele estava ali para reivindica-la, e seu pai a havia entregue de bom grado!
Não tinha poder de escolha algum, e assim que levou seus olhos a ele, percebeu que ele estava totalmente consciente desse fato. Curvando seu corpo levemente, fez uma reverencia simples a ele. O olhar de indiferença diante sua situação a fez cerrar os punhos de forma violenta enquanto segurava seu vestido.
Sentia as lágrimas ameaçarem, mas teve que contê-las, pois seu pai a obrigou a participar de um banquete com seu “futuro esposo”.
Khan era contido em tudo o que fazia, provou de tudo um pouco, mas comeu pouco. De certo, a culinária africana não era de seu agrado. A mesa estava recheada de comidas doces, apimentadas e salgadas, assim como acompanhava bebidas refrescantes. Aiyê degustava seu chá de menta magrebino, enquanto assistia os patriarcas discutirem sobre algo que certamente envolvia negócios. Dado o interesse do Rei.
Vez ou outra via seu pai se direcionar a Khan, e embora tentasse não olhar na direção dele, algumas vezes seus olhares se cruzaram por acidente. Não sabia como se sentir em relação a ele, mas no momento queria evita-lo. O que para seu desprazer não pode ser realizado, pois o assunto do casamento foi mencionado novamente, graças a Fayola.
Ela estava com pressa, queria tirar Aiyê de suas vistas o quanto antes.
- Devemos escolher as cores dos tecidos que os parentes do noivo irão usar, querido.
- Tem razão. “Quais cores deseja enviar para os parentes do noivo, querida?” – Seu pai a questionou, chamando sua atenção. Piscando, Yê pensou por alguns segundos.
- “Vermelho. É a cor da aura da Descendência deles, certo?” – Perguntou, se direcionando a Khan. Tinha total consciência que a aura dele não era daquela cor, e imaginou que ele fosse se sentir incomodado. Porém, a surpreendendo, ele mesmo a respondeu em língua de sinais.
— “Está certa, gostei de sua escolha. Vermelho também fica lindo em vossa Alteza.”
Encarando-o, ela o viu lhe dar um riso contido, tão forçado quanto os que ela dava a seu pai. Tirando sua atenção dele, o som agudo típico do sorriso de seu pai a chamou a atenção. O Rei estava impressionado com o conhecimento de Khan, e Yê também, dado que lembrava que ele não possuía qualquer capacidade de se comunicar com ela naquela noite.
Como ele tinha aprendido a língua de sinais em tão pouco tempo? Talvez fosse uma das habilidades que sua Descendência possuía, ou havia aprendido apenas para impressionar o Rei. Independente do motivo, ele tinha conseguido atenção.
Depois de decidir as cores que usariam ambas as partes envolvidas com os noivos, foi acordado que haveriam duas cerimônias, uma Yorubá, e a outra oriental, no estilo Chinês. Aiyê estava cansada de discutir algo que não desejava, e pediu licença a seu pai para caminhar no jardim mais isolado do reino.
Autorizando-a, Khan pediu para acompanha-la, e ela não teve como recusar. Afinal, eram noivos.
— “Não precisa se forçar a estar comigo, senhor Liang.” – Comentou, olhando para os lados, procurando por alguém que pudesse entender o que dizia em linguagem de sinais. Por algum motivo, o corredor do castelo tinha se tornado mais estreito do que se lembrava.
— “Senhor? Me sinto até um idoso ao ser chamado assim. Temos apenas quatro anos de diferença. E não estou me forçando a nada, não é do meu caráter fazer isso.” – Mencionou, olhando para frente. Caminhava de forma calma.
— “Então, porque me segue?”
— “Se consegue lembrar o que aconteceu no contêiner, sabe porque estou aqui. Vim fazer um acordo.”
— “Chama casamento forçado, de acordo?” – Ela o questionou, tentando conter a irritação.
— “Diante da situação, não tive outra alternativa. Poderia ter ignorado sua existência, dada a informação que obtive sobre ser uma prisioneira nesse lugar. No entanto, não pude fingir não saber, que foi sua própria madrasta que a entregou para a Ordem naquela noite.”
Frente a confissão, Aiyê parou de andar e o encarou. Se virando para ela, ele prosseguiu.
— “Se permanecer aqui, cedo ou tarde será morta, e eu não pretendo ser um mero espectador do meu próprio fim. Casamento foi a única saída que encontrei para tirá-la daqui, sem criar suspeitas.” – Pontuou, olhando em volta. Fazendo o mesmo, Yê decidiu continuar andando. Não podia se deixar abalar com aquela informação.
Conhecia bem Fayola, sabia que ela era capaz de coisas piores, ainda assim, a ousadia dela era absurda.
— “Vossa alteza deseja ser livre, e eu desejo desfazer a ligação que temos. Até que eu obtenha sucesso, precisa ficar segura. E, não vejo melhor lugar, se não em meu clã.” – Khan finalizou.
Após ler suas palavras, ela andou até uma rosa do deserto, em meio a muitas outras que existiam no jardim. Tocando em suas pétalas de forma sutil, pôs-se a pensar. Ele tinha razão, por mais que lhe doesse admitir. Seu lar não lhe era mais seguro, depois da morte de sua mãe tudo havia mudado. Quando viva, ela conseguia manter a Rainha longe, mas agora, Aiyê estava por si mesma. Não podia confiar nem mesmo em seu pai. Enquanto ele estivesse sendo manipulado por Fayola, ela nunca teria paz.
Voltando a olhar para Khan, ela o fitou de forma intensa.
— “Já tinha tudo preparado, antes mesmo de vir me ver, não é mesmo, senhor Liang?” – O perguntou, mas na verdade estava afirmando.
— “Me chame de Khan, estaremos casados em breve. Meu clã será seu clã, minha casa será sua casa. Poderá ir onde desejar, contanto que seja em nosso território. Não preciso que cumpra com as obrigações do casamento, apenas que siga as regras do clã. Quando a ligação for quebrada, lhe darei o divórcio, e com a quantia que receberá estará livre para começar sua vida onde quer que deseje. E então, temos um acordo?” – Era um homem irritantemente pragmático, como uma peça em seu xadrez, estava sendo manuseada com o único propósito da satisfação pessoal dele.
Havia decidido sua vida sem se importar em lhe consultar, ou em como se sentiria quanto a isso. Aiyê estava cansada de ser tratada dessa forma, sem direito a nada, nem mesmo de decidir a própria morte.
— “Eu nunca tive escolha.” – Finalizou.
Se aproximando dela, ele apoiou um dos joelhos sobre a grama. Retirando do bolso da calça uma pequena caixa preta, Khan a abriu, sem tirar seus olhos dos dela.
Dentro dela, haviam duas alianças de ouro. Uma delas, era a que ele usaria. Larga, simples. A outra, era a que ela usaria. Trazendo três pedras de diamante branco no centro, parecia delicada. Por um momento, se perguntou se ele sabia o significado por trás da aliança que havia escolhido para ela. Porém, a resposta não importava. No fim, era tudo uma encenação.
Entre seu quarto no subsolo e aquela aliança, o peso daquele metal em seu dedo e em seu coração seria menor. Queria poder dizer não as duas opções, mas crer que tinha escolha era uma mera ilusão. A realidade era apenas uma. Ficar viva.
Oferecendo a ele sua mão esquerda, Yê assistiu Khan tirar a aliança e coloca-la em seu dedo anelar. Em seguida, ele segurou sua mão com delicadeza, e depositou um beijo cálido no dedo onde a aliança havia sido colocada.
Levando a mão direita até o rosto dele, ela acariciou sua bochecha esquerda. Pego de surpreso, Khan a encarou. Não conseguiu conter o riso diante a confusão dele, estava tão absorto em seus próprios planos, que sequer tinha notado a aproximação das damas de companhia dela.
Não precisava ter feito aquilo, mas tinham de ser convincente.
Enquanto olhava para ele, se perdeu por um momento nos olhos castanhos avermelhados. Mesmo com a visão limitada pelo véu, conseguia ver a beleza dele perfeitamente. O que antes tinha jurado ser indiferença, percebeu ser uma característica comum nele. O olhar de constante cansaço. Um detalhe sutil, mas não menos importante, trazia dois pequenos sinais logo abaixo do olho esquerdo. Um ao lado do outro. Isso dava ao rosto dele um charme que Aiyê não conseguia evitar admirar.
Se fosse em outro momento, e se ela não soubesse as verdadeiras intenções dele, talvez não se importasse em se envolver em um matrimonio com ele. Khan era muito atraente... No entanto, estava vazio de sentimentos. Era como qualquer outro homem que colocava os olhos sobre ela, só a via como uma espécie de objeto raro, que devia ser mantido escondido de todos.
Para as damas de companhia que assistiam a cena, aquela era a prova que faltava para afirmar que eles estavam apaixonados. Enquanto, apenas eles conheciam a verdade. Que tudo não passava de um mero acordo.
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Atualizado até capítulo 73
Comments
Delha Ribeiro
Detalhes interessante 🤔 o que será?
2024-04-02
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Delha Ribeiro
Gosto dos pensamentos dela 🤭☺️ primeiramente sobreviver depois...
2024-04-02
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Delha Ribeiro
kkkkk 🤣 adoro quando começam assim com raiva um do outro e depois.... aí aí!
2024-04-02
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