Khan alinhava a roupa cheia de detalhes e não conseguia deixar de franzir o cenho toda vez que o fazia. Sentia o suor escorrer pela testa, e irritado, o secava com o lenço que, já começava a ensopar. De quem diabos tinha sido a ideia de casar pela manhã?
Ah, claro! Dele!
Queria que a cerimônia de iniciação de Aiyê em seu clã fosse no mesmo dia, e se o casamento fosse a tarde, chegariam muito cansados. Maldita hora que havia decidido isso. Sentia que seu corpo entraria em combustão a qualquer momento.
Com os batimentos acelerados, os pulmões pareciam sufocados, fazendo-o respirar fundo várias vezes. Travava uma batalha interna com um inimigo invisível. A garganta seca, era regada vez ou outra com uma água com limão, que mesmo estando gelada, descia queimando.
— Se não se acalmar, terá um ataque cardíaco. – Huan sussurrou em seu ouvido.
Teve vontade de manda-lo ir a merda, mas, mais uma vez, respirou fundo. Antes disso, havia passado pelas cabanas de Bàbá Àgbà e dos pais da noiva. Fora prestar seu respeito e receber suas bençãos, mas as palavras da avó de sua noiva tinham grudado em sua mente.
— Tive conhecimento das revelações de Ifá, embora boa parte do destino que compartilham, esteja nublado. – Citou de início. O oráculo tinha ficado em choque ao não conseguir ver quase nada sobre eles, e Khan ainda mais. A incerteza que os cercava, o deixou temeroso se ia ou não conseguir desfazer a ligação que possuíam.
A experiência que tinha com o Daemon, era um péssimo sinal.
— Sim, Bàbá Àgbà. No entanto, sinto-me satisfeito em saber que Aiyê será minha única esposa.
— Temo que essa deva ser a menor de suas preocupações, meu jovem. Acredito, que o motivo de Ifá não conseguir ver o futuro de vocês, seja Yê. O destino dela torna tudo incerto... Nem mesmo sei se é capaz de ter uma vida normal. Ela tem uma saúde delicada, consequência de anos de isolamento. Precisará de uma atenção dobrada a suas necessidades.
— Estou ciente disso, e farei tudo para que ela se mantenha saudável.
— Suas ações o precedem, jovem Liang. Existe nelas um poder esmagador, que talvez não seja capaz de controlar.
— Se o que me pergunta é se irei ferir Aiyê, posso afirmar a senhora que jamais o farei.
De fato, não faria. Mesmo se quisesse. Só de pensar nessa possibilidade seu peito apertava, sem que conhecesse o motivo. No entanto, isso não impedia Beleth de fantasiar mil e umas merdas com ela. Temia ceder aos desejos dele, embora nunca tivesse sentido nada por nenhuma outra mulher, e não conhecesse seu comportamento em se tratando desse assunto, sua intuição dizia que por Aiyê ele seria capaz de qualquer coisa.
Sim, ela mexia com o Daemon. Com as piores partes dele. Porém, também exercia certo poder sobre Khan. O encanto que tinha sentido por ela na noite em que a salvou, o deixou desnorteado por vários dias. Era como se tivesse voltado a época em que não conseguia controlar suas habilidades inatas. Sem ela, sentiu-se perdido. Havia bagunçado não só sua mente e seu corpo, como seu auto controle.
Se existisse um ser a quem ela pudesse ser comparada nesse quesito, seria uma Ninfa. Famosas por confundir os sentidos e os sentimentos com o pólen do fascínio.
— Posso confiar em suas palavras? – A senhora o inqueriu, séria. Seu olhar forte penetrava a alma de Khan.
— A palavra de um Liang é mais forte do que suas ações, Bàbá àgbà. Mas, quando elas são ignoradas, é com as ações que mostramos o porquê devemos ser ouvidos.
Ela o analisou em silêncio.
— E para quem é direcionada essa intenção?
— Nossas palavras para nossa família, e nossas ações para nossos inimigos. Embora, sempre optemos pelo diálogo. A família é um elo sagrado em nosso clã, manchá-lo não é uma opção. Proteção e fidelidade são princípios essenciais, votos feitos não apenas com palavras, mas também com sangue.
— Se esse é o caso, confiarei no que me diz. Mas, estarei vigilante. – Afirmou. – Que Olódùmarè abençoe sua união com Aiyê, e os Orixás os guiem pelo caminho da luz, quando se sentirem perdidos.
— Honrarei sua benção.
Estava prestes a se levantar, quando foi parado por ela.
— Antes que vá, devo lhe informar que, precisará limpar seu clã quando chegar nele...
Confuso, Khan franziu o cenho.
— Receio que, um rato, tenha se infiltrado nas bagagens de Aiyê.
De imediato, sua expressão se tornou sombria.
— Entendo. Não se preocupe, darei a ele o tratamento digno de sua espécie. – Garantiu. Hadiya sorriu satisfeita.
Avisou Huan logo que saiu da cabana, e ele lhe daria a resposta até o fim da cerimônia. Se o que Bàbá Àgbà lhe disse se comprovasse, não teria nenhuma misericórdia. Traição era o que mais repudiava. Entre os parentes de Aiyê, poucos eram os que de fato lhe desejavam bem. A existência dela incomodava, e ainda que estivesse indo embora, ela sempre seria uma mancha. Se perguntava o motivo de tanta raiva.
Enquanto esperava, continha a vontade de perguntar as horas a Huan. Aiyê estava demorando uma vida, de certo que seu pai a estava alugando com seus monólogos sobre o clã. Estava prestes a quebrar o rito e ir busca-la, quando ela por fim apareceu.
Sua respiração foi roubada de imediato, sua mente ficou em branco por um momento. A imagem dela vestida de vermelho e dourado o lembrou da primeira vez que visitou o reino. O vestido colado em seu corpo marcava o quadril largo. Ela era pequena, mas as curvas de seu corpo eram uma visão única. O rosto, como sempre, estava coberto por um véu.
Por um momento se imaginou deslizando os dedos sobre as curvas que via, cada centímetro delas. Atordoado, engoliu em seco. No que estava pensando?
Embora Yê possuísse uma beleza surreal, não era esse seu objetivo. Voltando a realidade, percebeu o que até aquele momento não tinha notado. A tristeza no semblante dela, o que o deixou incomodado.
Era óbvio que o casamento não era o que desejava, nem muito menos se separar de sua família. Contudo, diante os infortúnios que a seguiam, poucos desejariam tê-la por perto. Talvez, Khan fosse o único “louco” que desejasse isso. Tinha seus próprios motivos, ninguém precisava saber deles, mas, também não se desagradava da presença de Aiyê. Apesar da confusão que ela causava a seu corpo e a sua mente.
Julgava culpado o mistério em torno da ligação que possuíam. Porém, não tinha certeza. Algo nela era magnético, e para sua infelicidade, ele não era o único afetado.
Se sentando ao seu lado, Aiyê o embriagou com seu cheiro de pêssego. Preocupado, pensou se a dose extra do sedativo aguentaria aquela aproximação. Não precisou esperar muito para ter sua resposta. Com a mente lenta, mal conseguia raciocinar. Em contrapartida, seus sentidos gritavam. Sentia tudo, ouvia tudo, não conseguia se focar em nada, e seu humor estava piorando. Não era um bom sinal.
Percebendo, Huan se aproximou.
— Deseja beber algo? – Perguntou, sussurrando no seu ouvido.
Beber? De que merda ele tava falando?
Encarando o irmão, Khan ficou em silêncio. Beber... Era isso!
— Encha a porra daquela seringa e coloque em algo para que eu possa beber. – Ordenou. Surpreso, Huan o fitou.
— O sedativo é injetável.
— Que se foda, se vira! Antes que eu comece a matar todos para apreciar um pouco de silêncio.
A expressão de Huan era de puro desespero. Momentos desesperados demandavam ações desesperadas, não havia escolha. Ou era isso, ou a desgraça iminente. No fim, Huan fez o que o irmão pediu, e o resultado não foi tão ruim. Conseguiu conter Khan por mais um tempo.
Depois da entrega de presentes, onde o último foi um garotinho que presenteou Aiyê com uma concha minúscula, — por isso conseguiu tirar um lindo sorriso dela — Khan pediu licença a ela e decidiu tomar um ar. A música alta começava a perturbar a sua cabeça.
Depois de um tempo só, foi agraciado com a presença da Rainha e sua filha mais nova. Ambas o parabenizaram com um sorriso debochado nos lábios, e antes de sair, a Rainha lhe deixou um aviso.
— Mantenha a rédea curta sobre aquela garota, pois ela é indomável, não possui qualquer respeito por regras, e adora sujar o nome de quem a trata com dignidade.
— Agradeço o conselho majestade. – Foi sincero. Sorrindo satisfeita, ela deixou-o. Estreitando os olhos, Khan observou a Rainha ir embora. Ela tinha uma visão interessante sobre Aiyê. "Sujar o nome", como uma prisioneira poderia sujar o nome de alguém? E como viver dessa forma poderia ser digno?
A rainha tinha se referido a alguma situação que fora ocultada até mesmo das conversas que teve com o Rei, e Khan se viu incomodado. Odiava surpresas. Precisava descobrir que tipo de sujeira ela havia se referido.
— Khan... Tenho suas informações. – Huan anunciou.
— Já era hora. – Falou, deixando de lado o copo de água com limão que tomava para se refrescar. Seu irmão se aproximou da mesa em que estava, salva do sol por uma cabana, e o encarou.
— Não temos um rato nas bagagens. Temos uma víbora... – Anunciou, lhe oferecendo um frasco.
Khan franziu o cenho, a expressão fechou por completo. Parecia que aquele dia tinha nascido para lhe testar a paciência.
Abrindo a tampa do pequeno frasco de vidro, o cheiro forte de veneno invadiu seu nariz. Fechando-o, ele deu um riso forçado.
— Quanta ousadia. Mande preparar um prato especial para o nosso convidado, ainda é cedo. A festa está apenas começando.
— Como desejar.
Levantando da cadeira, focou Aiyê na companhia de sua avó e da dama de companhia. Traição... Porque as pessoas insistiam em subestimá-lo?! Talvez tivesse sido muito complacente, ou se deixado afetar pela atmosfera meramente acolhedora. Descendentes eram Descendentes, afinal.
Não podia deixar que esquecessem quem ele era de fato.
Um assassino nato!
***Faça o download do NovelToon para desfrutar de uma experiência de leitura melhor!***
Atualizado até capítulo 74
Comments
Delha Ribeiro
olha eu estou escrevendo sobre uma ninfa também legal 🤔🤭
2024-04-03
2
LadySillver34
ui, deu medinho
2024-04-18
1
LadySillver34
o que tem a ver?
acho que não entendi seu Khan 😕
2024-04-18
1