Seus dedos roubam os meus, entrelaçados, nossas mãos unidas como um casal de amantes ordinários. Sou arrastado pelos corredores sendo apresentado ao público como propriedade privada de Sacarllet Hoover.
Os telespectadores apontam para nós, compartilhando pensamentos em voz alta. Metade da escola colocaria a mão no fogo para provar que Scarlett é lésbica, então estar tão a vontade comigo quebra a expectativa deles. Ela faz questão de sorrir para cada olhada destinada a ela, enquanto isso estou sendo arrastado por um furacão.
— Deve estar bem feliz, né, pilantra? — me aproximo dela como se estivéssemos acorrentados.
— Um pouquinho — ela levanta nossas mãos unidas com sorrisinho irritante. — Ainda não nos beijamos.
— Pode esquecer.
— Assim todo mundo vai achar que você não gosta de mulher.
— Não é problema meu.
— Verdade, esqueci que você só gosta de professoras jovens.
— Fala baixo, sua... — puxo Scarlett para mim em pânico.
Mary caminha na nossa direção roubando o holofote em que estávamos há alguns segundos. Ela desfila entre os alunos recebendo cumprimentos e elogios, está abraçando um livro e acena levemente com a cabeça para cada elogio.
Quando ela enfim passa por nós, escuto um boa-tarde frio com capacidade de congelar as paredes e até mesmo um filete de suor que ousou deslizar por minha testa. A Rainha de Gelo é inquebrável dessa perspectiva, às vezes não acredito que já me esquentei com o corpo dela.
— Qual é a relação entre vocês? Ela nem mesmo esboçou alguma reação, que mulher fria.
Solto a mão de Scarlett após a vibração do meu celular. Me deparo com uma mensagem desagradável:
"Missão: encontre o Toyota XS prateado a quinze metros de onde você está."
Sacarllet fica na ponta do pé para poder bisbilhotar meu celular, mas dou um passo para o lado. Ficamos nos encarando até ela falar alguma coisa. Saio correndo de volta pelo caminho empurrando qualquer um na minha frente, esses últimos dias estão me deixando puto.
Avisto o veículo parado perto do estacionamento do colégio. Engulo em seco sem saber o que esperar da minha nova missão. Tiro a mochila e a carrego pela alça até o carro sem tirar os olhos dos indivíduos lá dentro. Quando já estou perto o bastante, a janela do motorista é aberta.
— Cooperador número quatro — minha voz falha assim que vejo dois homens armados, tatuados e com expressões sinistras.
— É o seguinte, tá rolando um confronto entre a gente e os vermes na W Liberty.
— O que eu preciso fazer? — pergunto ao motorista entrando no XS pelas portas traseiras.
— Ajude os nossos homens feridos. — Ele me fita através do retrovisor.
Assinto.
Sinto meu coração pulsando na minha mão.
Primeiro uma chantagem, e agora um envolvimento direto em um confronto armado, o que falta para melhorar?
— Vai precisar disso.
O outro homem me entrega uma pistola como se estivesse me dando uma barra de chocolate. Fico olhando para o objeto por algum tempo antes de criar coragem e pegar a droga da arma. O carro começa a andar.
Porcaria.
Não quero morrer tão novo por um motivo que nem ao menos me importo. Os Gray's e a Bullet estão em guerra há muito tempo, seus conflitos são até mesmo noticiados na mídia, sempre tem mais cadáveres do que presos em flagrante, não quero fazer parte da estatística.
Guardo a arma na cintura sentindo o metal frio machucando meu quadril. Minhas opções são inexistentes, se eu fugir minha dívida irá aumentar e aí a próxima missão será ainda mais problemática.
O carro se aproxima da W Liberty estacionando ao lado de uma loja.
Escuto gritos de desespero.
Tiros, muitos deles.
Os dois homens saem do XS às pressas se abaixando como cobras rastejantes me deixando para trás. Abro a porta e me jogo no asfalto, os disparos estão vindo de todos os lados.
Com os cotovelos, me arrasto pelo chão, dando a volta na loja. Os Gray's estão atacando com tudo, não aqueles moleques fracassados que espanquei, os verdadeiros, homens sedentos por sangue usando máscaras cinzentas. Os membros da Bullet estão usando as construções em volta e os carros como escudo.
Tiros e mais tiros.
Meus tímpanos estão balançando.
Consigo ficar de joelhos para analisar melhor a situação e encontro um homem provavelmente baleado tentando se apoiar na parede da loja. Vou até ele e sirvo de apoio levando-o para longe dali. Olho ao redor, desesperado em busca de algum tipo de abrigo.
Outros cooperadores carregam os feridos para o lado oposto, eles arrombaram uma cafeteria e estão usando o local para abrigar os debilitados. Levo o homem até lá me esquivando dos garotos cooperadores determinados. Deixo o homem sentado de qualquer jeito perto dos outros. Assim sigo meu dever junto dos outros salvando esses malditos.
Em algum momento, paro para pegar um fôlego. Não são só os criminosos de ambas as gangues que estão espalhados pelo chão, pessoas inocentes morreram nesse conflito idiota que se iniciou no meio de um dia comum para todos esses trabalhadores, infelizmente não pude salvar nenhum deles. Mulheres, idosos, crianças, pais de família... todos mortos.
Eu e os garotos ficamos em frente à cafeteria após recolhermos os feridos. O conflito parece infindável, assim como meu desespero.
De repente, ouvimos sirenes, então mais tiros.
Dessa vez os disparos se apresentam atrás de nós.
Em câmera lenta, assisto os dois cooperadores que estavam ao meu lado serem baleados na cabeça, sangue espichando, molhando meu rosto, gosto de ferro.
Um grupo de policiais lança uma rajada de tiros e granadas de fumaça, derrubando alguns membros de ambas as gangues.
Corro para dentro da cafeteria.
A Bullet não vai me proteger, o objetivo deles é morrer aqui mesmo. Posso até não conviver com eles, mas conheço bem suas atitudes suicidas. Os cooperadores não estão aqui para salvar os homens feridos, só estamos evitando que eles morram rápido demais.
— Tem um rato aqui. — Um dos policiais me persegue disparando várias vezes, quebrando qualquer utensílio de vidro presente.
Continuo correndo com a cabeça baixa. Chuto a porta da cozinha, percebendo que é impossível escapar, aperto minha nuca com o coração na boca.
Eu vou morrer.
A porta se abre atrás de mim.
São apenas alguns minutos.
Vejo apenas a farda do policial.
O tempo necessário para ele levantar sua arma, é o mesmo que eu uso para socar o lado da sua cabeça com tudo o que tenho e afundar seu rosto contra a madeira.
O policial cai de joelho completamente atordoado.
— De onde vem tanta força, filho da puta... — ele desmaia antes que consiga ver meu rosto.
Olho para cima.
Uma janela.
Subo na mesa e me jogo na parede em um pulo, agarrando a base da janela. Tenho que usar bastante força para impulsionar meu corpo através da abertura. Quando caio daquela altura, sem saber o que me espera lá embaixo, escuto outro policial aparecer na cozinha.
Para minha sorte, uma lata de lixo transbordando serve como um amortecedor.
A única coisa que faço é correr.
As pessoas me olham de forma estranha.
Às vezes paro para vomitar quando lembro dos corpos dos civis.
Não pense.
Apenas corra.
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Atualizado até capítulo 110
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