Os dias arrastaram-se até que o coração de Anastácia pudesse se aliviar por completo, batendo em ritmo controlado apenas quando Melany despertou. Dez dias após a medicação, apesar da garota estar fraca pelo longo tempo acometida pela doença, apenas ser capaz de sentar-se na cama era uma grande vitória.
Anastácia estaria mentindo se dissesse que suas preocupações tinham se esvaído por completo. No entanto, era bom saber que Melany observava Anastácia ler enquanto claramente julgava os gostos da curandeira. Uma verdadeira vitória tê-la em seu estado natural.
— Ana, estou entediada. Eu quero sair! — Melany reclamou, quando ignorada, seu tom tornou-se triste, carregado por dramatismo desnecessário.
— Ao menos leia para mim!
— Esse livro não. — Anastácia não desviou o olhar das páginas, suas pupilas rapidamente passando pelas linhas.
— Por que?! Vossa Graça o faz! — Com força, Melany bateu nos lençóis.
— Não este livro! Aqueles romances de mistério sim. E, vamos, é apenas porque você é uma coisinha manipuladora! — Anastácia furiosamente fechou o livro, irritada aos montes pela interrupção. — Vamos, qual o acordo de vocês dois? Deve haver alguma barganha. Dê com a língua nos dentes e hoje mesmo você sai para um passeio.
— Não há acordo. — Melany virou o rosto para a parede, pela feição de irritação, ela desejava destruir o concreto a força.
— Então não sairá! — Anastácia declarou, abrindo novamente o livro e tentando retornar sua atenção às páginas.
Melany tinha se tornado mal acostumada! Estava sendo assim desde aquele dia; toda a tarde, pelo mesmo horário, Arthur visitava o hospital e agia como o irmão mais velho da garota. E, bem, ele tinha dom para isso. O dom de não enxergar maldade na pequena criatura. Às vezes era fofo de ver a mais nova manipulando-o para que trouxesse doces, detalhe que, a propósito, Anastácia não reclamava. As padarias eram longe de seu trabalho e quando saia estavam fechadas ou os doces esgotados. De todos, Anastácia realmente apreciava os croissants, apenas de pensar, seu estômago chegou a roncar. Ela tentou distrair a fome voltando-se para o livro, mas falhou miseravelmente.
Provável que Arthur demoraria com suas guloseimas, estava mais cedo do que o comum, mas isso não impediu seus olhos de brilharem no minuto em que a porta do cômodo foi aberta. Para a infelicidade de Anastácia, era uma das sete curandeiras as quais treinara.
— Senhorita Lilac? — A mulher perguntou.
— Sim?
— Tem uma visita esperando-a em frente ao hospital.
Anastácia levantou-se. Ela bateu a saia do vestido, alinhando o tecido antes de andar em direção a porta.
— Estranho… — Anastácia murmurou, confusa. — Pode ficar de olho em Melany até eu retornar? Mas, cuidado, ela está mal humorada.
A enfermeira sorriu e assentiu, permitindo que Anastácia pudesse seguir os corredores. A princípio, ela pensou que não poderia ser o Duque, sua presença sequer era avisada à ela. Estava tornando-se irritante escutar os murmúrios das paredes sobre Arthur ter um suposto interesse em Anastácia, bobagem! Os fuchiqueiros sequer sabiam que o motivo era, provavelmente, garantir que Anastácia não fizesse algo ilegal com a mercadoria que já era ilegal.
Ao contrário da expectativa da curandeira, assim que cruzou a grande porta de madeira da entrada do hospital, ela deparou-se com Arthur. Atrás do Duque, estava a carruagem que conhecia tão bem, mas, para sua infelicidade, sem croissants.
— Milorde, veio ver sua cúmplice de sabe-se lá o que?
Arthur sorriu com o cinismo na voz de Anastácia.
— Não. Vim buscá-la. — O Duque deu de ombros enquanto abria a porta da carruagem para Anastácia.
— Não mesmo! — Antes que percebesse, as palavras escaparam dos lábios.
Ela se recusava a acompanhar Arthur seja para onde fosse, não com ele vestido de forma tão casual e, em parte, perfeita.
Dias atrás Anastácia tinha notado: o Duque Montague, perfeitamente vestido, com nenhum mísero fio vermelho escapando pelo topete, era demais, mas completamente aceitável. Ela conseguia desviar seu olhar, pois ele assemelhava-se a uma pintura: bela, mas inanimada e intocável. Perfeito para que não ousasse pensar demais. Já que não era capaz de encará-lo por longos períodos, era mais fácil de disfarçar. Porém, o Arthur a sua frente ela simplesmente não conseguia.
O cabelo deixado ao vento, caindo levemente sobre a testa; ao invés do típico conjunto formal, ele vestia apenas a camisa fina e frouxa, as mangas brancas e longas longe de marcar seus músculos como o colete costumava fazer. Tudo aquilo junto a calça e bota pretas deveria ser uma afronta à moda! Como em uma sociedade rígida ao extremo com vestimenta ele ousava sair de casa daquele jeito? Para a sorte dos olhos da curandeira, ele ousava.
Sem palavras, Arthur ergueu uma das
sobrancelhas, aguardando um motivo, uma explicação por estar sendo rejeitado.
— Estou trabalhando, milorde! — Anastácia suspirou, pelo que? Ela não desejava saber. Certamente não era por uma paisagem ruim.
Encarando-a fixamente, Arthur permaneceu durante minutos, até que, não suportando mais o silêncio desagradavel, um ronco surgiu entre os dois. De imediato, as bochechas de Anastácia ganharam uma tonalidade rosada. Sem discutir mais, ela correu para dentro da carruagem, ignorando a mão estendida.
Para não rir, Arthur se viu sem opção além de morder seu lábio inferior enquanto seguia para dentro do transporte. O Duque havia arquitetado diversas formas para convencer Anastácia a seguí-lo, mas nunca pensou que seria tão fácil.
— Vamos passar na confeitaria para pegar o pedido. — Arthur comentou, casualmente.
Anastácia ignorou a diversão na voz do Duque. Então ele era esse tipo de pessoa. Ao pensar, imediatamente seus lábios curvaram-se em um sorriso.
— Onde exatamente estamos indo?
A pergunta de Anastácia não foi respondida, ao contrário, Arthur puxou as cortinas das janelas, cobrindo por completo a visão do caminho.
— É segredo? — Anastácia, novamente, não obteve resposta. Irritada, um bico se formou nos lábios carnudos. — Pode responder?
— Eu respondi com silêncio, Ana.
Anastácia bufou.
— Pois o silêncio será a única resposta que lhe darei, Vossa Graça!
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Atualizado até capítulo 48
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