William não ficaria feliz com o que Arthur fizera. Seu irmão, por algum motivo desconhecido, durante sete anos tinha escondido a verdade sobre aquele dia. Sentado sobre uma das caixas de mercadoria, já descidas do navio, Arthur tentava se arrepender, buscar uma desculpa para não ter respeitado a decisão do mais novo, mas ele não conseguia. Roderick pagaria com a vida por seus crimes. A única coisa a qual o Duque se arrependia, era por seu autocontrole.
Arthur fechou os olhos, os passos apressados e pesados no cais tomaram sua audição, assim como o cheiro único da proximidade com a água de seu olfato. Por minutos, ele permaneceu imerso em um mundo imaginário e único; um mundo onde os passos leves se destacavam e o cheiro de flores frescas brilhava sobre o d’água.
— Milorde?
Arthur abriu os olhos, fixando-os na dama em sua frente. Não era o mundo imaginário, era o mundo real.
— Está acordado. Pensei que não. — Anastácia parecia cansada. No meio tempo, olheiras tinham se formado abaixo dos seus olhos. — Está amanhecendo.
Arthur piscou lentamente, seus olhos sonolentos, a visão parcialmente borrada.
— Eles se aproveitaram dos seus talentos, não? — Arthur observou os marinheiros correndo, exibindo seus curativos e feridas tratadas uns para os outros.
Anastácia negou com sinal de cabeça lento e arrastado.
— É meu trabalho. Pode ser cansativo, mas gosto do que faço. Ajudar pessoas é gratificante, mesmo que eu precise me enfiar em navios cheios de contrabando. — Anastácia já não olhava para Arthur. A curandeira vislumbrava o horizonte; distante, mais do que podia sequer imaginar, o sol exibia seus fios de luz alaranjados, colorindo o céu como se pintasse uma tela.
As nuvens mais afastadas entravam em completa sintonia. Quanto mais longe, mais rebeldes se tornavam e as cores lutavam com garras e dentes, uma buscando sobressair a outra: o rosa contra o roxo, o roxo contra o azul, mas, no fim, o azul-claro vencia as nuvens coloridas. O azul sempre vencia.
— Por que é tão fascinante? — Sem perceber, Arthur deixou que as palavras escapassem por seus lábios.
Sorrindo, ainda mais encantadoramente que no labirinto, olhos curvados e as covinhas profundas surgindo nas bochechas, Anastácia se virou para Arthur. A saia, agora seca, flutuava pelo ar, revelando o par de botas marrons de cano alto.
— Porque é lindo, milorde! Tanto visualmente quanto aquilo que simboliza — Anastácia correu para perto de Arthur, sem pensar, ela segurou a mão enluvada do Duque. Um biquinho de frustração surgiu nos seus lábios quando ela puxou-o para que se levantasse, mas ele não se moveu. — Por favor, venha!
Então, Arthur cedeu, era impossível não fazê-lo enquanto fosse mirado por aqueles olhinhos brilhantes. Sem resistência, ele deixou Anastacia guiá-lo pelo cais, até a beira da construção de madeira, o mais próximo possível daquilo que nunca poderia tocar.
— Observe! — Anastácia, com a mão livre, apontou para o horizonte.
— Estou observando. — O céu estava belo e realmente o observava, mas não era aquilo que atraia seu olhar. Toda sua atenção parecia ser sugada para a dona da mão que, certamente fora da intenção da curandeira, se recusava a soltar a sua.
— Eu tinha medo do escuro quando pequena, não penso que tenha existido uma criança que nunca temeu a escuridão. Mas, por que a tememos tanto? Já pensou que não é ela que nos assusta, mas o que se esconde nela? Tememos porque ela é desconhecida, incompreendida. Eu gosto de pensar que o nascer do sol não é a dispersão da escuridão, mas a compreensão dela. Descobrimos aquilo que não podíamos ver, deixamos de nos assustar. Por isso acho que há uma beleza indescritível escuridão, milorde. Pode ser um paradoxo, mas a escuridão brilha.
O Duque concordava, mais do que nunca ela estava correta. O sol vinha para desvendar aquilo que a escuridão escondia, Arthur sabia o quão profundo deveria ser o significado desse pensamento para Anastácia, mas toda a sua atenção estava focada demais no belo rosto, recém tocado pelos raios da manhã. Certamente, algo tinha finalmente clareado para o Duque, mas ele desejou que jamais tivesse acontecido. Estava começando a sentir-se culpado por aquilo, pelas atrocidades que cometera aquele calor em seu peito deveria desaparecer.
— Quer vir comigo até o hospital? — Repentinamente, Anastácia virou-se para Duque. Sua voz animada e agitada. — Quero dizer, não é todo dia que alguém te ajuda a roubar ervas medicinais da marinha. Precisa saber para que elas serão usadas.
Para onde quiser.
Mas, talvez o Duque pudesse desfrutar daquele breve sentimento antes de enterrá-lo. Por um dia Arthur iria para onde Anastácia quisesse, desde que pudesse permanecer com ela à sua vista por mais um mísero dia.
— Apenas quer que eu te leve, não é? — Arthur brincou, não transparecendo seus pensamentos.
— Como imaginou? Vamos logo, milorde!
Anastácia não podia imaginar que seu desejo tinha se tornado realidade com tamanha facilidade. Ela queria virar a vida de Arthur do avesso, como um furação e, sem esforço algum, havia conseguido. Mal sabia o Duque que um dia poderia arrastar-se por uma vida toda.
***Faça o download do NovelToon para desfrutar de uma experiência de leitura melhor!***
Atualizado até capítulo 48
Comments