A solidão era dolorosa demais. Você poderia lutar com todas as forças, gritar implorando por ajuda até as suas cordas vocais sangrarem, mas para quem? Algumas pessoas nascem fadadas ao cruel destino de estarem sozinhas, fadadas a perder tudo. Anastácia sabia o quão cruel poderia ser a sensação desgastante e desesperadora da solidão, a curandeira vira da primeira fila do teatro Melany definhar.
A jovem nunca conheceu seus pais biológicos, crescera em um orfanato. Anastácia se lembrava do sorriso anos atrás, apesar de tudo, ela se divertia com as crianças, eram como irmãos, uma família, ao menos até aquele dia. O fogo poderia ser fonte de calor, luz e vida, mas também era capaz de destruir, levando um orfanato ao chão.
Anastácia e suas irmãs se identificavam com Melany, ela estava sozinha, então a acolheram, não como uma das suas, não como uma flor no jardim, mas como uma borboleta. A questão foi que, com o tempo, as asas da borboleta cederam e ela começou a adoecer. A curandeira conhecia bem a praga que acometera a menina, apesar de não saber as causas exatas, lembravada suaa mãe ensiná-la como curar. Anastácia tentava a meses e tinha finalmente conseguido, ela poderia salvar Melany.
A menina já sofrera demais, não merecia a morte.
O quarto era pequeno, longe de todos os outros. Não haviam sons, tosses ou correria, apenas o silêncio das palavras que Melany não podia dizer e a respiração sincronizada de Anastácia e Arthur. No cômodo havia uma cadeira próxima à cama, ambas ao lado da porta, longe dos riscos que tempestades eram capazes de trazer. Abaixo da janela estava uma mesa, acima dela, frascos, vasilhas e um pilão. Anastácia deixou sobre o cômodo de madeira um jarro de água que havia pego logo ao chegar.
— Milorde, pode abrir a janela?
Enquanto Anastácia virava-se em direção a cama, Arthur seguiu o pedido, empurrando a madeira e permitindo que a luz da manhã invadisse o quarto. Os olhos do Duque queimaram com a claridade, ele piscou-os rapidamente.
Anastácia sentou-se sobre a cama, o seu olhar tornou-se banhado em pesar ao observar a jovem. Melany tinha apenas quinze anos, mas as bochechas profundas e a pele pálida, sem cor ou vida não condiziam com sua idade.
— Você tem que ser forte. Eu dei o meu melhor, depois de hoje só vai depender de você, pequena. — Anastácia acariciou os fios loiros da garota. A curandeira levantou-se. Lentamente, ela bateu em seu vestido, alisando o tecido. Arthur encarou-a com curiosidade. — Estou bem, milorde. É apenas o cansaço.
Era uma mentira clara, mas Arthur permitiu-lhe escapar.
— Qual o nome dela? — O Duque perguntou enquanto Anastácia prontamente deixava as ervas sobre a mesa.
— Melany, fora isso, ela não tem um sobrenome.
— É um nome interessante.
Assim que Anastácia começou a destampar os frascos, um aroma estranho inundou o ar, principalmente quando o frasco ilegal foi aberto. Não era agradável, mas algo como enxofre. De imediato, Anastácia tapou o seu nariz com as costas da mão, mas logo se forçou a ignorar seu olfato. Arthur não se importou com o cheiro. Ele pegou a velha cadeira de madeira e colocou-a ao lado da mesa.
— O cheiro não o incomoda? — Anastácia despejou uma pequena porção da erva seca no pilão.
— Depois de tempos ao mar, uma embarcação da Marinha Real não é exatamente sinônimo de limpeza. — Preguiçosamente, Arthur apoiou o seu cotovelo sobre a mesa e repousou seu rosto sobre a palma enluvada.
Com olhos arregalados, Anastácia destinou seu olhar para o Duque.
— Milorde?!
Arthur deixou uma risada baixa escapar por entre os dentes. Suas pupilas estavam sonolentas, os longos cílios mais marcantes em seu olhar. Lentamente, ele ajustou sua postura. As luvas não eram mais confortáveis, Arthur retirou-as.
— Não estou falando de mim, senhorita Lilac. — O Duque defendeu-se. — Mas garanto que algumas coisas tornam-se triviais…
— Quando a preocupação maior é proteger?
— Proteger? — Curioso, Arthur levantou uma das sobrancelhas.
— Estou errada? — Anastácia copiou a ação de Arthur, fazendo questão de vencê-lo no quão distante conseguia deixar a sobrancelha distante do olho. — Não é esse o objetivo da marinha? Digo, ao menos é o que meu pai costumava dizer. Ele lutava para proteger sua família.
— O pai da senhorita? — Ele permitiu que Anastácia deduzisse o sentido da pergunta.
— Ele era certamente a pessoa mais honrada daquela organização. — Orgulhosamente, Anastácia sorriu. — Não deve conhecê-lo, infelizmente ele faleceu há muito tempo e seu cargo não era alto, mas o que ganhou foi mais do que o suficiente para garantir uma boa vida a família, durante alguns anos ao menos. E, sinceramente, pode me chamar de Anastácia, ou Ana, eu não tenho uma preferência. Apenas não me chame de senhorita, é formal ao nível de dar arrepios! — Anastácia retornou seu olhar ao pilão, cuidadosamente moendo as folhas secas.
— Ah, se quiser. Digo, querendo ou não me ajudou a roubar propriedade da marinha…
— Ana me parece bom. — Arthur interrompeu-a, sorrindo pela tentativa de mudança de assunto que culminara na confusão de palavras.
— Ana é bom! — Anastácia, ao terminar de moer, pegou mais um dos frascos. — Pode ficar tranquilo, milorde. Este é diferente.
Apesar do olhar desacreditado do Duque, no momento em que a tampa deixou o frasco, o cheiro de enxofre cedeu ao aroma doce que inundou o quarto.
Finalmente, Arthur pode relaxar. Ele podia aguentar, mas não era exatamente agradável um péssimo odor.
— Camomila?
Anastácia assentiu com um sutil movimento de cabeça, seus olhos estavam fechados levemente enquanto apreciava o aroma da flor.
— Milorde tem apreço por flores?
— Não exatamente. Apenas problemas com sono. — Arthur não soube distinguir o nível de eufemismo, problemas como sono não seria exatamente a escolha de palavras exatas para defini-lo; haviam noites que o Duque sequer era capaz de fechar seus olhos, não sem as vozes, os gritos e os tiros. Porém, ele não desejava sequer tangenciar este assunto. — No entanto, a senhorita e suas irmãs parecem amá-las. O Jardim, não?
— Está correto. — Anastácia adicionou um pouco de água à mistura e, lentamente, mexeu-a. — Pode considerar minha família o jardim. Cada uma de nós, uma espécie de flor, usamos elas como apelido desde crianças. — Anastácia passou o teimoso fio de cabelo para trás de sua orelha — A primeira é a Rosa, esta é Charlotte.
— A Viscondessa de Serafia. — Arthur adicionou enquanto buscava em sua mente um motivo para a escolha do apelido.
— Exato! Por curiosidade, apelidei meu cunhado de erva daninha.
Após instantes em choque, Arthur riu desanimado.
— É descritivo.
— A segunda é a Orquídea — Anastácia tapou o pilão com uma toalha, enfim destinando sua atenção total a Arthur. — Está é Natasha, minha gêmea
— Posso perguntar o porquê das escolhas? — Mais uma vez, Arthur notou aquela mesma mecha de cabelo cair.
— Não posso dizer. — Anastácia esfregou os olhos, ela estava cansada, mas de alguma forma seu humor seguiu inalterado. — Juramos algo entre nós; nenhuma pode revelar o segredo da outra. Os apelidos são pessoais demais. O único que posso é o meu, Milorde.
— E pretende?
Anastácia sentiu seu interior tremer. Deveria contar? Não era algo simples, o significado era doloroso para ela, mas a curandeira não queria guardar aquilo para si, não mais. A mente de Anastácia perdeu-se no vazio, aquele apelido era seu estigma. Fisicamente, nem mesmo a ponta dos seus dedos se moveram, até que aquilo aconteceu, de imediato atraindo suas pupilas azuis a mão próxima ao seu rosto. Lentamente, como se esperasse a curandeira recusar o toque, Arthur estendeu sua mão. Sem a recusa, suavemente o Duque passou aquela teimosa mecha para trás da orelha de Anastácia, obtendo sucesso máximo em evitar que ambas as peles tocassem.
Quão rápido como surgiu, a breve interação chegou ao fim fazendo Anastácia cansar de exitar:
— É...
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Atualizado até capítulo 48
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