— Dente-de-leão.
— Inesperado. — Arthur inconscientemente focou seu olhar na ponta de seus dedos. Ele não tinha tocado-a, mas isso não impediu de senti-los confortavelmente quentes, todo aquele frio pareceu se dissipar, derreter como a neve quando o inverno chegava ao fim.
— E não é? — Anastácia destampou o pilão, cuidadosamente ela transferiu a mistura para uma vasilha menor. — Minha mãe me chamava assim. Desde que eu me lembro, ela sentava próximo a lareira nos dias frios, abraçava eu e Natasha; suas flores preciosas.
Arthur observou Anastácia caminhar vagarosamente segurando a vasilha. Ela sentou-se na cama. A mão livre da curandeira serviu de apoio para a cabeça de Melany enquanto a vasilha foi levada em direção aos lábios da garota. Por sorte, a mais nova foi capaz de engolir a mistura por completo.
Aliviada, Anastácia pode enfim continuar sua história.
— Há uma lenda Irlandesa sobre os dentes-de-leão. Há muitos anos, quando os humanos surgiram na terra, as fadas precisavam esconder-se das estranhas criaturas, mas seus vestidos eram volumosos demais. Sem opção, os pequenos seres tornaram-se dandelions. — Anastácia vislumbrou Arthur, em nenhum momento o Duque retirou o olhar dela. — Mamãe disse que eu era como elas, encantadora, mas escondida. Consegue ver isso em mim, Vossa Graça?
Arthur tamborilou os dedos sobre a mesa em nenhum momento desviando seu olhar da curandeira sequer piscar ele não ousou. Foram apenas segundos, mas Anastácia sentiu como se o ponteiro do relógio tivesse quebrado. No instante em que moveu os lábios, Anastácia estendeu a mão para que parasse.
— Eu não vejo. — O tom de Anastácia foi carregado de pesar. — Dandelions possuem incríveis propriedades médicas, mas se espalham como pragas ao serem soprados pelo vento. São incontroláveis, principalmente a destruição que podem causar.
— Está usando a ótica pessimista, Ana. — Arthur disse, firme. — Não conheces a beleza que um campo de dente-de-leão pode ter.
Você não sabe o quão bela pode ser.
Arthur levantou-se, misturado ao mesmo movimento, o Duque pegou as luvas antes repousadas sobre a mesa. Ele não as vestiu, apenas as deixou no seu bolso. O olhar atento de Anastácia carregava traços sombrios, o brilho de alegria parecia ocultado por uma dor que ele não conhecia. Arthur queria que ela soubesse o que dandelions significavam para ele, não era uma fada camuflada ou uma praga, mas sim, esperança. No entanto, para pessoas tão certas como Anastácia, as palavras não eram suficientes.
— Eu voltarei amanhã pela tarde. — Arthur caminhou até a porta do cômodo e abriu-a. — Espero vê-la.
Sem esperar uma resposta, ele saiu. Arthur andou pelos corredores mal iluminados até a área central do hospital; o lugar era limpo, organizado, mas inegavelmente precário. A madeira do chão estava úmida em alguns pontos, em outros, rangia. Os móveis velhos e desgastados. Arthur imaginou que nenhum nobre pisaria ali, muito menos ajudaria aquele lugar. As pessoas que viam apenas seus próprios narizes davam novo. Ele odiava a capital.
Arthur apressou seus passos até alcançar a saída. Parada à frente da porta dupla, encarando-o com um semelhante par de olhos azuis deparou-se com uma mulher. O Duque engoliu seco, se não fosse pela cicatriz de queimadura que cobria sua face direita e o cabelo cortado pouco acima do ombro, ele por segundos confundiria ela com Anastácia.
— Podemos conversar, Vossa Graça? Ou está apressado demais para deixar esse antro de plebeus sujos?
Arthur engoliu seco.
— Me entendeu errado, senhorita Lilac. — O Duque seguiu seus passos, cruzando a porta de madeira e, enfim, surgindo em uma rua parada, vazia e residencial. Não haviam comércios, apenas a enfadonha rua de terra na qual seu cocheiro esperava-o. — Não julgue meu caráter por minha posição social. Me conhece melhor que isso.
— Penso que me precipitei. — Natasha manteve-se parada, forçando Arthur a retornar seus passos. Um sorriso torto, carregado em deboche surgiu no rosto da mulher. — Rolou na lama como todo o plebeu, ainda mais que um de nós. Está acostumado com a sujeira.
Arthur franziu o cenho. Natasha estava provocando-o aquém do limite, estava testando-o e Deus o ajudasse, ela era boa nisso. Uma língua ainda mais afiada que a Roderick, mais precisa.
— Isso é mais do que certo. — Arthur suspirou. Então, um sorriso amigável surgiu em seus lábios. — Quer me dizer algo, senhorita?
Natasha deu de ombros, no mesmo instante, sua expressão tornou-se uma clara mistura entre temor e tristeza.
— Se tivesse me ameaçado, quem sabe eu pudesse dizer. — Natasha abanou sua mão do ar — Se me denunciasse…
— Não estou interessado em seus serviços para suas clientes. — Arthur sorriu torto.
— Mas parece interessado em algo mais importante... — Natasha correu seu olhar para dentro do hospital, os olhos turbulentos se acalmando. — Mesmo longe, eu vi como olhou para ela no navio. Ela é minha irmã preciosa, Vossa Graça.
— Está me dizendo para afastar-me?
— De que adiantaria? — Natasha retornou seu olhar a Arthur enquanto cruzava os braços na frente do corpo. — Já tenho “nãos” demais na minha vida, não preciso de um novo à coleção.
Arthur, boquiaberto, conteve-se para não rir da piada ruim. Mantendo a seriedade, ele perguntou:
— Então o que exatamente é isso?
— Um pedido. — Natasha buscou o tom mais leve que pode e aplicou-o em sua voz — Minha irmã lhe contou o apelido, eu escutei. Isso mostra que ela confia em você. Anastácia é delicada e imagino que Vossa Graça tenha notado. Durante anos, minha irmã remontou peça por peça de si mesma, precisou de um longo tempo para ser feliz novamente, mas você? Está quebrado, Vossa Graça. Reconheço alguém em cacos quando vejo — Natasha descruzou um dos braços e usou o indicador do mesmo lado para apontar a cicatriz. — Se pensa que ela pode curá-lo, desista. Apenas você é capaz de fazê-lo por si mesmo. Se quer ir adiante com seja lá o que está pensando, tenha consciência de algo: Anastácia não irá curar sua dor, ela irá apoiá-lo enquanto você luta sua própria batalha. Se ela o aceitar, será seu porto seguro, e você? Será o dela. Irão se reconstruir por si mesmos, mas apoiados um no outro. Mas, se pensa em usá-la para sanar algo como desejo ou curiosidade, desista. Irá apenas se machucar, bem como a ela. Não use minha irmã, se dará mesmo que um mísero passo em direção a ela, irá até o final e quando eu digo isso, digo para…
— Senhorita Lilac, eu jamais ousaria tirar o sorriso sincero de Anastácia; jamais deixaria alguém fazê-lo. — Arthur cerrou os dentes. Ele jamais permitiria, era precioso demais.
O Duque não conhecia mais a noção de felicidade, mas tinha certeza de algo: a felicidade não se restringia a algo grandioso como um casamento ou crianças como a alta sociedade tanto declarava, claro, estava lá, mas a felicidade também residia em um mero sorriso. Podia não ser a sua propriamente dita, mas ele a via com sinceridade naqueles lábios curvados.
O Duque não encontraria sua própria felicidade, não era um direito seu, mas protegeria com todas suas forças a de Anastácia. Tinha jurado a si mesmo que seria apenas um dias antes de se afastar, porém ele sabia que Matthew entenderia a ele.
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Atualizado até capítulo 48
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