^^^Londres, Inglaterra - 1809^^^
Anastácia o mataria. Ela não sabia como, era difícil decidir; talvez o esfaqueasse; veneno… sempre uma boa opção! Mas ambos não seriam formas muito rápidas? Dependendo do lugar ou do veneno… De todo o modo, a forma não importava, esta poderia ser decidida minutos antes. Deus! Como ela mataria lentamente aquele aristocrata intrometido! Anastácia teria o prazer de ver o brilho desaparecer daqueles perfeitos olhos verdes, que, a propósito, ela estava cansada de procurar com o que compará-los. Todos os pensamentos que corriam por sua mente sobre aquela cor única eram clichês demais.
Esmeraldas? Não fazia sentido, eram mais claros e brilhantes que pedras preciosas. Pinturas? Talvez um campo de grama molhada pelo orvalho. Era complexo buscar as palavras. Ela se sentia presa em um ridículo conto de fadas; a diferença é que ela não era uma princesa. Anastácia era uma curandeira, uma mulher dedicada a salvar vidas.
Parada na frente do boticário administrado por sua irmã, ela observou a carruagem desaparecer pela avenida levando para longe o foco do seu ódio.
Anastácia bufou. Após uma sequência de passos longos e fortes, a mulher empurrou com força a porta de madeira e o tilintar do sino ecoou, irritando-a mais ainda.
Anastácia respirou profundamente, seu olfato foi tomado pelo cheiro doce das ervas medicinais misturada à fragrância das flores recém-colhidas. Ela correu seu olhar pelos armários, mirando através das portas de vidro: os pequenos potes cuidadosamente vedados eram etiquetados. Óleos essenciais, fragrâncias, medicamentos e misturas estranhas e desconhecidas.
Não demorou para a luz alaranjada do pôr do sol iluminar a madeira escura do balcão ao centro da sala, os raios solares guiaram o olhar de Anastácia para as flores.
Sons de metal, vidro e alguns indecifráveis tomaram o ambiente. Da sala ao lado, o laboratório da sua irmã, uma voz feminina gritou:
— Estou indo!
Anastacia aproximou-se do balcão e observou atentamente as flores sem conseguir identificá-las.
— Sou eu!
A porta fora do campo de visão de Anastácia, escondida pelas prateleiras, rangeu ao ser aberta. Por ela, secando suas mãos no tecido azul-claro da saia, a dona da loja entrou na sala principal.
— Ana, você sempre abre as portas dessa forma?
— Desculpe. — Anastácia juntou seus lábios em um bico.
Anastácia tentava, mas nunca discutia com sua irmã. Ela sempre recuava. Os poucos minutos de diferença entre o seu nascimento e o de Natasha haviam sido suficientes para sua gêmea ganhar as características de irmã mais velha.
Apesar das personalidades opostas, de fato elas eram idênticas: suas expressões faciais, o nariz pontiagudo e empinado, a boca carnuda e, não menos importante, os olhos azuis. Trocar olhares com Natasha se assemelhava a encarar o turbulento Mar do Norte com suas águas frias, tempestuosas e perigosas.
Anastácia se perguntava se a sensação era a mesma para Natasha, mas ela sabia que a resposta era não. A cicatriz de queimadura que consumia parte da face direita da mais velha provava isso: alguém que cruzou o inferno de fogo, não temia a água.
Observando o olhar perdido de Anastácia, Natasha andou até o balcão. Cuidadosamente evitando tocar as finas pétalas brancas enquanto temia os espinhos, ela pegou as flores pelo caule.
— Apenas não faça mais. — As estranhas plantas foram colocadas em um pequeno vaso. — Por que está estressada?
Anastácia descansou sua cabeça sobre a superfície de madeira. O cabelo longo se espalhou como um tapete.
— O que aconteceu? — O tom foi ríspido e direto, exigindo uma resposta clara.
Natasha perdeu seu foco. Ela deixou o arranjo mal arrumado de lado, destinando seu olhar e atenção para a irmã.
— Ele aconteceu.
A mais velha não soube o que esperava ansiosamente. Sua irmã mais nova não sabia ser direta. Mistérios e mais mistérios, sempre divagando à toa.
— Ana, seja clara!
Anastácia grunhiu, organizando seus pensamentos, e retornando-os para o início da sua tarde.
Horas atrás, após almoçar calmamente próximo ao hospital, seu estômago estava cheio demais. Ela reconheceu que exagerar na comida era um erro recorrente. De certa forma, sempre comia como se aquela fosse sua última refeição. A jovem tinha medo da fome que durante anos da sua vida a perseguiu. Anos depois, Anastácia tinha dinheiro, não precisava mais temer, mas era difícil controlar a si mesma. Tais episódios tornavam recorrentes as caminhadas pós refeição e foi exatamente o que Anastácia fez.
Observando atentamente as linhas que separavam os blocos da calçada, ela estava decidida a não tocá-las. Durante um longo trajeto ela evitou-as, até que aquilo aconteceu. Então, a ponta de sua bota tocou a linha enquanto observava a cena se desenrolar na frente de seus olhos.
Na entrada de um dos muitos becos, um homem desconhecido e maltrapilho escorava-se na parede de tijolos vermelhos e desgastados da loja de penhores. Recém saída da loja, uma azarada senhora cruzou o caminho do bandido. Anastacia reconheceu-a no mesmo instante. A mulher era uma antiga cliente da sua irmã. Certo dia, ela se lembrava de entregar a ornada embalagem de pó de arroz. Anastácia não lembrava o nome da cliente, mas as chagas metafóricas eram difíceis de esquecer. A mulher era sozinha, sofria para criar seus dois filhos pequenos. Provavelmente, o que penhorou era o sustento da sua família, o dinheiro para o mês.
Observando o bandido lutar ferozmente contra a senhora pela sacola, Anastacia correu.
A jovem cruzou para o outro lado da rua, ignorando completamente a reclamação do cocheiro forçado a parar. Ao perceber Anastácia se aproximar, o ladrão arregalou os olhos escuros e sujos. Com força, um último puxão fez a senhora cair no chão irregular, grunhindo em dor ao ralhar parte de seu rosto e mãos. Anastácia abaixou-se sobre seu joelho e segurando-a pelo ombro ajudou a mulher a sentar-se escorada na parede. Rapidamente, a curandeira conferiu as feridas; eram superficiais, mas dolorosas.
Observando as lágrimas de desespero escorrerem pelo rosto da mulher, Anastácia não precisou pensar para se aventurar nos becos da capital.
Os corredores eram estreitos e confusos, era difícil se encontrar e garantido perder-se, um movimento errado levaria desavisados ao submundo. Ela se sentia em um labirinto e como ela os odiava!
Anastácia seguiu os pequenos rastros: garrafas quebradas, lixos fora do lugar e pegadas masculinas na terra acumulada. Perseguição era algo que estava acostumada, fazia parte do seu dia-a-dia, bem como fugir e se esconder fazia parte do cotidiano de um rato covarde. No fim dos rastros, Anastácia se viu presa entre três caminhos: direita, esquerda ou atrás. Para seu azar, os passos nas suas costas indicaram-lhe o caminho correto. No entanto, era tarde demais para evitar se ferir.
***Faça o download do NovelToon para desfrutar de uma experiência de leitura melhor!***
Atualizado até capítulo 48
Comments