Anastácia se virou, abruptamente cobrindo seu rosto com os antebraços. A pancada veio forte, fazendo-a rolar sobre a terra solta e morder os lábios pela dor intensa.
— Covarde! — A curandeira murmurou cerrando os dentes.
O homem encarou-a. As feições desproporcionais, sujas e não-humanas lembraram a jovem de um animal de circo. O circo abandonado pelo capeta. Comparar a aparência do verme em sua frente... Oh não, ela deveria parar de pensar, estava ofendendo o verme. O pedaço de madeira, agora quebrado, foi atirado em direção a Anastácia.
A curandeira impulsionou seu corpo para frente em uma cambalhota, desviando do objeto e levantando-se com o impulso. O homem não recuou, ele correu para cima. Anastácia odiava admitir, mas era difícil lidar com o físico do brutamontes, principalmente quando a mão encardida de terra e barro circundou seu pescoço, pressionando-a contra a parede do beco.
Buscando alívio do aperto, a jovem segurou-se com uma mão, aplicando sua força sobre pulso descoberto do homem, a outra desceu até a faca presa abaixo das camadas do vestido amarelo. Ela faria. Anastácia cortaria prazerosamente a carótida daquele infeliz e assistiria o sangue jorrar rapidamente. A poça do líquido vermelho se misturaria com a terra formando uma espécie de argila vermelha. A cena seria bela. No entanto, ela não podia, precisava se controlar, tarefa difícil esta enquanto sentia o ar não chegar a seus pulmões.
Ela pensou nas opções, era fácil escapar, poderia fazê-lo graciosamente. Porém, para seu azar, em um piscar de olhos seu pescoço estava livre.
Anastácia observou o homem nojento ser lançado como um saco de batatas no chão. Antes que pudesse se mover, o braço usado para sufocá-la estava torcido sobre as costas do homem enquanto o outro era segurado acima da cabeça, a palma aberta cravada no chão.
O agressor estava completamente imobilizado, seu rosto desprezível pressionado sobre o solo. Sob suas costas, dificultando a respiração, estava o joelho do """salvador""" de Anastácia.
Imediatamente, a jovem deslizou até o chão, fingindo uma pesada crise de tosses. Lágrimas se formaram em seus olhos enquanto assumia o papel de dama frágil e assustada. Suas roupas e cabelo eram uma bagunça, quem quer que fosse o homem que imobilizava o covarde, não faria perguntas.
— Senhorita, está bem?
Ou talvez fizesse, mas essa pergunta era clássica, fácil de responder. Anastácia levantou seu olhar, encarando-o. Ele vestia um conjunto verde-escuro, não haviam detalhes chamativos, apenas a corrente dourada do relógio de bolso se destacava em meio as peças monótonas. Os olhos verdes miravam Anastácia, o cabelo escuro contrastava com a pele clara, poucas mechas teimosas caiam sobre a testa do homem. A curandeira não podia saber ao certo a cor dos fios, estava escuro demais, ela julgou que estariam em algum lugar entre castanho-escuro e preto.
E, estava completamente errada, eram vinho. No minuto em que um mísero resquício de luz entrou em contato os fios se mostraram vermelhos, a cada segundo tornando-se mais intensos.
— Sim. — Anastácia levantou-se, ela bateu as camadas do vestido e a poeira se levantou no ar. Então, a jovem apontou para a sacola a poucos metros deles. — Isso, ele roubou de uma amiga.
O homem suspirou, ignorando os infinitos xingamentos do ladrão.
Os lábios de Anastácia se curvaram em um sorriso vitorioso enquanto observava o ladrão desistir de escapar. Ela andou em direção à sacola, fazendo questão de "por acidente" pisar sobre a mão do bandido.
— Desculpa! Não era a intenção. — Anastácia carregou sua voz com falsa culpa.
— Não? — O ruivo destinou um olhar confuso para ela, uma de suas sobrancelhas elevadas.
A curandeira riu baixo, o som era doce e agradável e o único resquício de alegria naquele beco. Ela abaixou-se, tomando a sacola para si; tentou mover seus lábios para dizer algo, mas novos passos chamaram sua atenção. Enfim, a guarda da cidade se aproximava. Dois soldados mal encarados estavam poucos metros de distância de ambos.
O ruivo levantou-se, junto do ladrão.
— Façam seus trabalhos decentemente. — Com um empurrão, o bandido foi jogado aos soldados. — Não deixem cidadãos fazerem seu serviço.
Sem palavras de defesa, os homens arrastaram o desgrenhado - os apelidos para o bandido sem ofender animais estavam se esgotando na mente de Anastácia - pelo beco.
O bandido retornou a xingar, fazendo a jovem coçar seu ouvido direito. Irritante.
A atenção de Anastácia retornou a si mesma ao sentir um tecido pesar sobre seu ombro. Com sua mão livre, ela ajustou o casaco, encarando atentamente o ruivo já há passos de distância.
— Seu vestido está rasgado. — Ele parou e, por cima do ombro, encarou a sacola roubada que a jovem segurava. — Pode devolver isso para sua amiga.
— E isso seria gentil da parte dele, não?! — Retornando a conversa com sua irmã, Anastacia bateu contra o balcão.
Natasha, por reflexo, segurou o vaso de flores, impedindo que o vidro se espatifasse no chão.
— Ana, isso foi gentil da parte dele. Que vergonha seria se uma dama andasse por aí com o vestido rasgado! Que sofrer chacota por onde passar!? — Um olhar cortante da mais velha correu para a mais nova. — Até agora o único problema que encontrei foi você querendo cometer um assassinato a luz do dia!
— Irmã! — Anastácia gritou. — Fale baixo!
Após contorcer sua expressão, o olhar de Natasha suavizou, bem como seu tom:
— Por que isso não foi gentil da parte dele?
— Ele insistiu em me trazer até aqui, até aí sem problemas. A não ser o fato dele com toda aquela! Aquela!
— Aquela o que Anastácia! Desaprendeu a falar?
— Aquela pompa! Até ele dizer aquilo com toda aquela pompa! — Anastácia preparou suas cordas vocais, o mais grave e rouco que pode ela entoou: — Se vai salvar algo ou alguém, trate de garantir que não vai precisar envolver terceiros.
Os lábios de Natasha se curvaram em um sorriso suave enquanto lentamente o ar escapava por suas narinas.
— E isso mexeu com seu pequeno ego.
— É evidente que sim! — Anastácia circulou o balcão até chegar ao ponto inicial. — Por isso eu vou fazê-lo engolir essas palavras! Eu não precisava de nenhuma ajuda, ele se intrometeu nos assuntos alheios!
Enfim, Natasha organizou todas as flores no bendito vaso. Se sua irmã decidisse bagunça-lo, como ela jogaria a mais nova na frente da roda de uma carruagem!
— Ao menos sabe o nome dele?
— Isso é uma boa questão! Preciso descobrir.
— Sim, sim! Quando descobrir me fale. — Natasha revirou os olhos e retornou ao seu laboratório tão rápido como o diabo foge da cruz. Irritada, ela bateu a porta atrás de si e gritou, já abafado pela madeira: — Preciso agradecê-lo!
Franzindo o cenho para o vácuo que sua irmã deixou, Anastácia sorriu brincalhona. Propositalmente, ela moveu cada uma das flores, bagunçando o trabalhoso arranjo da mesma forma que bagunçaria a vida daquele belo homem. Ela apenas precisava de um nome e seria como um tornado.
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Atualizado até capítulo 48
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