Batalhas no mar eram como partidas de xadrez. A diferença era que erros custavam vidas, acertos? Também. Para vencer, primeiro era necessário sacrificar peões, em sua maioria eles eram sem valor, peças para atrapalhar o adversário e destinadas a perder sua vida para criar armadilhas. Eram raras as vezes que torres, bispos ou a rainha serviam de isca, Arthur não se lembrava de usar essa estratégia.
Ar em seus pulmões, sangue bombeando em suas veias e sentimentos, essas eram algumas diferenças entre peças esculpidas em madeira e as vidas que um dia moveu com suas ordens. Cada medalha de honra era banhada no sangue.
Desmond conhecia essa metáfora, mas cortava o laço entre ela e a realidade. Partidas de xadrez são como batalhas navais, seus subordinados são suas peças, apenas isso.
No plano do Visconde, Peregrine era a rainha inimiga com um rei por trás: Captain Roderick. Apesar do posto elevado na Marinha Real, ele insistia em negociar com piratas, esquecendo por completo de Vossa Majestade ao invés de seguir o seu papel: afundar a mercadoria ilegal ou aprendê-la.
Roderick levava os navios até a costa em segurança e negociava as cargas com contrabandistas. Sua corrupção estava cravada mesmo em seus ossos.
E claro, Hartley Peregrine fazia grande parte do trabalho sujo em troca de um belo pagamento. Mais do que isso, até que Desmond desse a ordem contrária, Peregrine estava sob proteção da marinha desde que se mantivesse na linha e longe dos saques de navios britânicos. Acordo que, obviamente, tinha quebrado.
Sobre isso, Arthur apenas podia se lembrar do Visconde de Serafia murmurando incessantemente sobre como o caçula poderia simplesmente destinar seu foco aos franceses, americanos e espanhóis, mesmo os portugueses passavam por aquele mar!
Não tinha motivo para arriscar perder sua proteção. Claro, a não ser uma birra incessante para obter as cinzas de uma mulher morta. Hartley deveria saber que Desmond teria entregado-as de bom grado, desde que Peregrine parasse de causar problemas e o permirisse viver sua vida de recém-casado tranquilamente.
Quanto a Arthur, ele tinha se mantido longe dos assuntos, mas mesmo antes de Desmond contar ele sabia. Roderick tentava ser discreto, mas esquecia que as paredes tinham ouvidos. Óbvio que uma hora ou outra chegaria aos ouvidos do Duque. Afinal, era a droga de um Capitão da Marinha Real Britânica agindo com um pirata e como um pirata.
Pensando a fundo, Desmond deveria agradecer Roderick, graças ao capitão traidor o Visconde poderia lidar de uma vez por todas com o familiar que era como uma pedra afiada em seu sapato.
Totalmente consciente do plano e parado no porto, Arthur esperava. Ele olhou no relógio de bolso dourado; eram três da manhã. Mais do que ele pensou que poderia, estava frio, o Duque podia ver sua respiração condensar, suas mãos estavam enluvadas e em seus bolsos, ainda assim, a sensação nas pontas dos dedos era inevitável. É claro que ninguém sobre a terra ousaria transportar um navio transbordando de mercadoria ilegal pelo dia, nem que fosse idiota.
— Com licença, o senhor não pode ficar por aqui. — A voz jovem e trêmula fez Arthur virar-se. — Estamos realizando uma operação, civis não podem…
Arthur estendeu a mão sinalizando para que o garoto parasse. O Duque percorreu de cima a baixo um olhar avaliativo: o jovem não deveria ter mais de dezenove anos, mas o uniforme azul escuro caía-lhe bem. Ele parecia um bom garoto, não do tipo que se juntaria à escória, mas alguém que deseja servir ao seu país ou, ao menos, servir a sua própria família.
— Eu não sou um civil. — Arthur relaxou sua expressão e revirou os bolsos internos do casaco. Enrolado e com o selo de Desmond, ele entregou a carta para o jovem. — Para seu capitão.
— Senhor, quem digo que…
— Arthur Montague, apenas isso será o suficiente. — O Duque não esperou o garoto responder ou sequer deu a chance para isso. Não estava interessado em nada além de observar o Rio Tâmisa nostalgicamente.
O sutil aroma de água o fazia lembrar do passado. Passaram-se anos desde que ele não pisava no convés de um navio, ainda mais navegar. O Duque tinha esquecido a sensação de estar sobre a água. A liberdade que o infinito e turbulento azul dava-lhe era surreal e indescritível, como se o mundo abrisse seus braços e ele pudesse deixar os pensamentos para trás. Livre para ir, livre para desejar, mesmo livre para sonhar.
Uma única vez, ele respirou aliviado. Ele rememorou sua partida na qual se despediu somente de William. Tinha sido nesse porto sua primeira de muitas viagens. Ele não se arrependia delas. Graças aos feitos dentro da marinha ele pode tomar para si o que lhe era de direito, pode se vingar. Seu irmão estava seguro, ele estava seguro. Tinha valido a pena, ao menos Arthur tentava se convencer disso todos os dias.
Quanta ironia. A liberdade tinha lhe trazido uma prisão da qual não podia sair.
Arthur suspirou ao escutar os passos atrás de si. Finalmente.
— Você demorou. — Por cima dos ombros, o ruivo fitou Roderick. Nunca em sua vida aquele rosto familiar irritava-o tanto quanto agora, o olhar arrogante e a cabeça erguida como se o mundo pertencesse-lhe.
— Desmond realmente não confia em mim. — Roderick balançou o papel no ar, o selo rompido.
Cerca de trinta marinheiros com aceno de Roderick se distribuiram pelo porto, carregando caixas e cordas. O soldado de antes permaneceu ao lado do capitão.
— Nem eu. — Arthur franziu o cenho em desgosto, isso daria mais trabalho do que ele pensava.
Roderick riu sem humor. Ele repousou a mão sobre o ombro do garoto, que se encolheu ao toque.
— Luka, veja: o grande vice-almirante Montague se recusa a confiar em um velho colega. Isso não parte o coração. É triste ver quando o título sobe a cabeça de alguém.
Arthur virou-se por completo. Em passos rápidos e pesados ele aproximou-se de Roderick. Arrogante demais, mesmo quando estava longe de ter esse direito.
— Não use meu antigo cargo para caçoar de mim, Roderick. — Com firmeza, Arthur segurou o pulso de Roderick e afastou-o do garoto.
O capitão balançou seu braço com força, livrando-se do aperto.
— Não me amole, Vossa Graça. Desmond mandou-lhe aqui para observar, apenas. Vamos apreender um navio em dez minutos. — Roderick curvou os lábios em desdém. — Apesar de que não haverá nada dentro do navio.
Arthur agradeceria Desmond. Ver Roderick virar-se sem mínimo respeito o fez ter certeza disso. Até lá, permaneceria atento ao seu redor. O plano estava apenas no começo, muitas coisas que poderiam dar errado. Arthur tinha se enfiado na cova do leão, novamente. Ao Duque restava apenas confiar que Desmond conseguira, horas mais cedo, lidar com Peregrine. Então, aquele navio recheado de contrabando mais a confissão do pirata seria o golpe final para a queda de Roderick. Arrogante Roderick.
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Atualizado até capítulo 48
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