Vinte e seis anos atrás, Arthur não sabia que tragédias poderiam ocorrer em cadeia num intervalo de poucas horas. Ele tinha apenas seis anos de idade, quem poderia culpá-lo por sua inocência? O garoto não entendia muito da vida, estava feliz por ser agraciado com um irmão mais novo.
Para o parto, o médico havia reconfortado a família Montague, apesar da gravidez da Duquesa possuir seus riscos, as chances de complicação eram baixas. Arthur acreditou genuinamente, ele convenceu-se de que o melhor cenário era sólido como uma rocha; o coração do garoto estava apertado, ansioso, ele não poderia ver sua mãe pois seu mentor tinha instruído-lhe a não sair do próprio quarto, assim ele fez.
Pacientemente, observando através do vidro da janela, Arthur admirou a chuva forte; distante e embasado ele podia ver o portão da mansão, seu pai chegaria logo de viagem. Arthur acreditou.
As horas se arrastaram pelo relógio até que, enfim, o garoto recebeu a notícia que tanto aguardava: seu pequeno irmão, William, após longos nove meses que sequer podiam comparar-se às horas de parto, tinha vindo ao mundo. O coração de Arthur alegrou-se, mas o vai e vem de emoções não permitiu-lhe comemorar. Para que William nascesse, sua amada mãe tinha perdido a vida.
Arthur não entendia nada da realidade quando, tomado por uma sensação estranha que viria a conhecer como ódio, entrou naquele quarto. O garoto não entendia a si mesmo, muito menos sua ação quando tomou aquela almofada em mãos, a inocência tinha sido lavada com a chuva forte.
O quarto estava fechado, e o som dos pingos era abafado, apenas o aroma das velas estava presente. Não havia o típico odor de terra molhada, fazendo Arthur se perguntar do porquê sua visão estava coberta pela chuva. Por que chovia apenas para ele? O chão não estava molhado, o teto sem buracos, mas seus olhos estavam encharcados.
O futuro Duque de Bellamonte cerrou os dentes; seu pai chegaria logo, e quando isso acontecesse, ele teria cuidado do assassino de sua mãe, Arthur cometeria aquele crime horrendo por ela, estava determinado. Em passos firmes, como se encarasse um poderoso exército de queixo erguido, ele aproximou-se do berço. Ele estava decidido, mas simplesmente não pode, a almofada flutuou até o chão.
Aconchegado nos cobertores fofos, William dormia pacificamente, os pequenos olhinhos ainda fechados aqueceram o coração de Arthur. Em choque, o mais velho acariciou o rosto do bebê, entregando-se de vez às lágrimas. Assim como sua mãe, assim como ele, o pequeno William tinha cabelos ruivos que se misturavam a fios loiros lembrando-o de seu pai. Naquele dia Arthur decidiu: não importava o quanto seu peito doesse, ele jamais tocaria no irmão mais novo e não permitiria que ninguém ferisse William, se esse fosse o caso, garantiria que a pessoa pagasse com a própria vida. Tudo feito contra seu precioso irmão seria devolvido em dobro, mesmo que a justiça tardasse sete longos anos.
Durante o decorrer do tempo, Arthur tinha esperado a hora correta para destruir Roderick, e o capitão podia acreditar era apenas o início! Pessoalmente, Arthur iria garantir, sob a proteção da lei, que o verme sofresse, mas por hora, Arthur estava exausto.
Horas depois da situação no cais, enfim o Duque havia chegado em casa. William deveria estar no ateliê a esse horário, mas não, o mais novo esperava-o, uma rara quebra de rotina.
Sentado no primeiro degrau da escada, William encarou Arthur com uma expressão carrancuda.
— Roderick foi preso. — Mechas do cabelo vermelho caíram sobre os olhos do mais novo ao abaixar sua cabeça, William encarou o padrão de arabescos que texturizavam o tapete vermelho.
— Por que?
— Insobordinação, contrabando, e tentativa de assassinato. — Arthur manteve-se firme em seu tom e postura. — Há mais acusações deixadas de fora; agressão, tortura fisica e tortura psicológia.
— O quanto você sabe, Arthur? — William levantou seu olhar para o irmão, seus olhos estavam sombrios, o brilho típico era coberto por uma névoa espessa. As sutis olheiras entregavam as longas noites mal dormidas. — Desde quando sabe?
O Duque arrastou seus passos até a escada e, em um longo suspiro, sentou-se ao lado do irmão.
— Tudo. Eu descobri tudo há sete anos. — Arthur repousou a mão sobre o ombro do irmão em um aperto firme. — Não percebeu algo nos materiais que usa?
— Eu não sei. — Inconscientemente, William cravou as unhas na madeira do degrau, pequenas farpas perfuraram-lhe, mas foram ignoradas. — Eu não lembro.
— LC significa Lucien Carnelian, irmão. Não se lembra?
As farpas tornaram-se mais fundas, rasgando a pele fina e forçando o sangue a escorrer pelos dedos do mais novo. Ele não se lembrava de Lucien. Se em seus anos no internato teve amigos, não podia mais reconhecê-los. As outras vítimas de Roderick? Outros estudantes, a quem o capitão decidiu entregar pessoalmente uma degustação do inferno, eram fantasmas na mente de William.
— Eu não sei. Tudo que eu lembro é Roderick — William repetiu. — Não é que não quisesse contar, eu não lembro.
— Está tudo bem, Liam. — Não sendo capaz de ignorar a aflição contida na voz do mais novo, Arthur puxou seu irmão para um abraço apertado. — Dessa vez, acabou. Ele vai pagar por tudo. Não precisa se lembrar, mantenha essa caixa fechada. Tudo está resolvido.
— Tem certeza?
Lucien Carnelian lembrava-se com perfeição do sorriso de Roderick. O, agora ex-capitão da marinha, amava tortura, divertia-se como ninguém enquanto lentamente quebrava a mente e o corpo dos colegas na academia. Dentre os condenados a vagar pelo inferno, Lucien, em especial, lembrava-se de William Montague, era difícil esquecer. Não importa o quanto tentasse, Roderick jamais conseguia fazer o tão estimado Lorde Montague perder seu orgulho. Lucien admirava-o.
Poucos sabiam o que acontecia naquele lugar, a mais renomada academia de belas-artes. Os diretores e mestres a frente dos ensinos mantinham seus olhos fechados para assuntos do tipo: por que se preocupar? Eram discussões rasas entre as crianças, estimulavam a competição. A verdade? A maioria dos estudantes sequer podia ser repreendido sem que o bolso da academia corresse perigo. Roderick sabia disso e escolhia seus alvos com precisão. Lucien era apenas um bolsista, mesmo que sua família fosse de certa forma influente no mercado, ele não era nada. Fora ele, William tinha sido o brinquedinho perfeito. Os tios pouco se importavam com o garoto, mesmo que a situação fosse descoberta, nada seria feito. A única variante era o irmão, mas este estava a milhas náuticas de distância. O filho mais novo do último e decente Duque de Montague estava sozinho.
Anos após, quando Arthur retornou, Lucien pensou que tudo enfim tinha acabado, mas não. Roderick tinha se juntado à marinha, e William manteve-se calado, ignorando por completo os anos de tortura. Lucien também deu voz ao silêncio, até que o Duque de Bellamonte entrou em sua loja agraciando-lhe com uma chance em um milhão. Então, o atendente contou cada detalhe da forma mais clara que pode. Após aquele dia, a cada amanhecer Lucien desejou ver a queda de Roderick e, sete anos depois, ela havia chegado. As acusações não eram poucas e todas embasadas, a pena de morte era mais do que evidente, mas Lucien não permitiria que o evento se passassem em vão, ele comemoraria.
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Atualizado até capítulo 48
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