Anastácia precisava de certeza. As ervas necessitavam estar em suas mãos o mais rápido possível, uma vida dependia disso, uma vida que a curandeira se importava. A espera tinha sido grande, mais de dois meses, nesse ponto, por mais que Anastácia fosse capaz de aliviar a doença com os materiais ao seu alcance, a situação de Melany estava crítica. O conteúdo daquele navio era a última esperança para a garota.
Se a marinha apreendesse a carga, ou mesmo se afundasse antes de aportar, era o fim.
Em alto-mar, Anastácia não podia fazer nada para garantir a segurança, mas em terra a situação mudava.
Na tarde daquele mesmo dia tinha conseguido a informação com Lucien. Ela jurara para ele que não se envolveria, mas iria quebrar essa promessa.
O navio aportaria em média às três e meia da madrugada, e ela estaria lá. Anastácia havia planejado: entregaria o dinheiro pelas ervas, pegaria o que precisava e voltaria ao hospital.
Seu plano era simples e certeiro, mas foram por água abaixo. O que diabos a marinha estava fazendo no porto? Claro que a resposta era fazendo seu trabalho, mas, de todas as possíveis situações, essa era a pior delas.
Anastácia se desesperou. Ela não tinha mais opções. Haviam dezenas de marinheiros espalhados pelo cais. Eles pareciam como ratos andando para lá e para cá.
Anastácia olhou em volta. Certo, ela precisava de uma distração boa o suficiente para que ninguém visse-a.
Ela estava distante, escondida entre grades de um dos três observatórios ao longo do porto. A construção alta, movimentada como inferno pelo dia, estava sombria e monótona, com exceção do marinheiro desmaiado no chão, vazia. Metros abaixo de si, após o cais principal inclinado, haviam dois navios: um ela não ousaria tocar o outro…
— Precisa de uma ajudinha?
Anastácia tapou sua boca com a mão, evitando gritar pelo susto repentino. Seu coração pareceu querer pular pela sua garganta enquanto virava-se para encarar, atrás dela, sua irmã mais nova.
— Astrid, está louca!? — Anastácia exclamou, seu tom foi baixo, mas a revolta aparente.
— Não deveríamos ter vindo. Não acha, Natasha? — A loira desviou seu olhar para o lado. Vestida com um longo vestido preto capaz de camuflá-la na completa escuridão da noite, somente os olhos azuis e a pele alva se destacavam. — Ela é muito ingrata.
— Mas já viemos. — Natasha respondeu, seca.
— E o que estão fazendo aqui? — Anastácia revirou os olhos pelo tom da irmã.
Astrid, como se pesasse não mais do que penas, atirou no chão próximo de Anastácia uma grande sacola cinza. O som de metal colidindo com madeira foi alto, mas ignorado pelos marinheiros, considerado apenas mais um entre muitos.
— Melany não é apenas sua responsabilidade. — Natasha adicionou. — Nós quatro cuidamos dela, por mais que Charlotte tenha se recusado a vir.
O som de metal chacoalhando fez Anastácia sorrir de orelha a orelha. Das três, Astrid era a mais nova, porém a mais alta, a mais forte. Sua irmã empunhava uma espada como se não pesasse mais do que uma grama, assim como sua principal arma também exigia preparação física fora do comum.
Era assim em sua família. As quatro irmãs haviam sido forçadas a aprender a se defender por conta própria. Ninguém faria isso por elas, jamais.
— Ficamos sabendo de algo. — Natasha apontou para o porto. — A marinha decidiu se livrar do cachorrinho deles e do Capitão responsável por ele. Não haverá mercadorias hoje.
— Como vocês…?
Astrid abaixou-se em direção a bolsa, com rapidez os botões foram soltos. Finalmente Anastácia pode vislumbrar o que a caçula carregava. Do meio da bagunça de coisas, um binóculo fechado foi entregue para Natasha. O pequeno objeto se expandiu na medida em que a mais velha puxou suas pontas.
— Nossa irmã enviou uma carta. Aparentemente, o Visconde de Serafia planejou a operação. — A irmã mais velha rapidamente se pôs a observar o cais através do objeto de aumento — Tem cinco barcos pequenos e dois navios. O que os marinheiros estão desembarcando deve ser o das mercadorias; está bem danificado, mastro quebrado e velas rasgadas, não parece ter problema no casco. Provavelmente, foi tomado em alto-mar. O segundo está atracado faz dias, lembro de o ver um tempo atrás, me parece pertencer a algum comerciante.
De dentro da sacola, Astrid retirou uma aljava. Habilidosamente, as flechas foram jogadas para suas costas. Como uma ação mais comum do que deveria ser, Astrid afivelou o item.
A última coisa a ser retirada da sacola foi seu arco. A arma foi girada diversas vezes na mão da mais nova antes de estar perfeitamente sob seu aperto. Os detalhes cravados na madeira em formato de lírios eram a marca registrada da mais nova, assim como a escrita no cabo de cada uma das flechas: Chlorophytum comosum.
Anastácia observou atentamente o movimento das irmãs. Após um longo suspiro, ela levantou-se. A saia pesada recebeu pequenos tapas, buscando limpar a poeira.
— Qual o plano?
Natasha fechou o binóculo. O som ecoou nos ouvidos das irmãs e somente no delas.
— Distração. O segundo navio, vamos arrear a vela dele e então incendiá-la.
— Que dizer, eu vou fazer. — Astrid estalou a língua no céu da boca.
— Hum. — Natasha moveu sua cabeça para cima e para baixo em confirmação. — Depois, cada uma por si. A distração estará feita e nos encontraremos em casa.
— Preciso me posicionar melhor. — Soando desapontada, Astrid observou.
— E eu? — Assim como uma criança, Anastácia puxou a manga longa do vestido de Natasha.
— Corra como se sua liberdade dependesse disso, porque vai.
Suas irmãs eram loucas. Se antes isso não tinha passado por sua cabeça, Anastácia tinha certeza. Minutos antes, a curandeira tinha mudado sua posição para um local mais estratégico, seguindo as instruções de Natasha. A mais velha era o cérebro, a mais nova os músculos, Anastácia era, bom… a costureira de peles? Talvez ela pudesse se chamar assim, mas teria que adicionar algo: a costureira de peles congelando escondida atrás de um dos pequenos barcos, o mais próximo à margem.
Fora sido simples chegar até lá, a escuridão havia ajudado-lhe. No entanto, a parte inferior do seu corpo estava submersa na água fria. Deus ajudasse-a! A água deveria estar com temperatura negativa.
Anastácia se perguntou por quanto tempo mais seria forçada a aguentar o frio quando, no mesmo instante, um zunido ecoou pelo ar, segundos depois, um segundo zunido. Então, a comoção se espalhou entre os marinheiros quando o som estridente da vela abrindo-se com força ecoou. Um terceiro zunido. Dessa vez, a flecha cortou o ar carregando o brilho alaranjado das chamas que rapidamente se espalharam pelo tecido alvo.
— Chamas! — O grito do marinheiro agiu com sinal para Anastácia.
Com um impulso, a jovem subiu no pequeno barco, todo e qualquer som foi ocultado pela comunicação barulhenta. Mesmo quando pulou para o cais, ninguém notou-a. Abaixada e em passos silenciosos, mas velozes, Anastácia correu até ao navio. Não havia nada para acessar o convés além de uma escada móvel. Quantos metros aquilo tinha? Pouco importava para ela! Estava com pressa, com frio.
Apesar da dificuldade causada pelo vestido, ela subiu os degraus chegando rapidamente ao convés. Antes de se impulsionar, Anastácia deu um último olhar. Vazio. E o que era aquilo? Mastro danificado? Estava por um fio de cair! Natasha e sua mania de criar eufemismos podia ser perigosa as vezes.
Bufando, seus pés tocaram o puso de madeira. A parte mais fácil tinha chego ao fim, agora, onde ela encontraria um pouco de ervas entre tantas outras coisas que deveriam estar sendo transportadas e onde ficavam as mercadorias, eram questões a levantar.
Para frente ela sabia que era a cabine do capitão, pela pouca lógica que conhecia deveria estar embaixo. Certo, embaixo. Onde ficava embaixo?!
Anastácia andou em volta do mastro como um cachorro correndo atrás de seu próprio rabo, se deparando depois de muitas voltas com a escotilha que, por sorte, estava aberta. Temendo que do escuro surgisse algo como uma aranha gigantesca, ela desceu com cuidado as escadas apenas para se deparar com o amontoado de caixas aos cantos do compartimento. Não havia uma aranha, mas isso não reconfortou-a.
Dezenas, talvez mais de cem caixas decoravam o navio. Seria como procurar uma agulha no palheiro com uma faca em sua garganta. Ela seria pega antes de encontrar o que buscava.
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Atualizado até capítulo 48
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